“A notícia caiu como uma bomba”. A expressão, de uso comum, raramente é usada com a propriedade literal que os eventos desta quarta-feira lhe conferiram. O mundo ocidental despertou com a informação, veículada pela televisão pública norte-coreana, de que o país de Kim Jong-un teria detonado, com sucesso, uma bomba de hidrogénio.
As declarações políticas condenatórias multiplicaram-se, as opiniões céticas dos especialistas disseminaram-se, mas houve lugar a reuniões de emergência e a ONU prepara novas sanções à Coreia do Norte na sequência do caso.
Mas o que é uma bomba de hidrogénio? O que a torna temível? E como vai a comunidade internacional averiguar a veracidade do facto anunciado? Há razões para ter medo?
O físico e divulgador de ciência Carlos Fiolhais deixa algumas pistas no JPN.
JPN – O que é uma bomba de hidrogénio e o que a distingue de uma bomba atómica?
Carlos Fiolhais (CF) – É um dispositivo que permite uma enorme libertação de energia graças a um processo de fusão de núcleos de hidrogénio, essencialmente o projecto que fornece a energia do Sol. O processo de fusão de núcleos leves liberta mais energia do que o processo de cisão (ou fissão) de núcleos pesados.
As únicas bombas atómicas, ou melhor dito nucleares, que explodiram num cenário de guerra foram largadas pelos Estados Unidos sobre o japão, em Hiroshima e Nagasaki, em 1945, tendo colocado fim à Segunda Guerra Mundial.
Os primeiros testes de bomba H (de hidrogénio) ocorreram passados sete anos numa ilha do Pacífico e foram mais uma vez um feito norte-americano. A primeira bomba H libertou a energia equivalente dez mil quilotoneladas de TNT ao passo que a bomba de Hiroshima só libertou cerca de 20 quilotoneladas de TNT. A União Soviética, da qual a actual Rússia e herdeira, construiu e testou armas desse tipo pouco depois, usando uma tecnologia diferente da americana.
A guerra fria que começou no pós-guerra e durou até à queda da União Soviética consistiu no equilíbrio do terror pelas duas superpotências que possuíam mais armas de destruição maciça.
As bombas de fusão necessitam de bombas de fusão para obterem a energia necessária aos processos de aproximação dos núcleos. O seu desenho e modo de funcionamento constituem segredos muito bem guardados. Não é nada fácil construir armas nucleares de cisão e muito menos de fusão.
JPN – A comunidade internacional tem forma de descobrir se o lançamento aconteceu de facto?
CF – Sim, é relativamente fácil por registos sísmicos em vários pontos do globo descobrir que houve uma explosão nuclear subterrânea, pois o sinal é diferente daquele original por um sismo
natural.
Já é mais difícil saber se se trata de uma bomba de cisão ou de fusão, mas no caso da Coreia do Norte, tudo parece indicar que a energia da explosão é semelhante às anteriores, de cisão, apesar do anúncio oficial da bomba H.
Pode também ter ocorrido que um ensaio da bomba H tenha corrido mal e só a parte da bomba de cisão funcionou.
JPN – Que países detêm a tecnologia?
CF – O clube dos países que possuem armas de hidrogénio e que assinaram um tratado de não proliferação de armas nucleares além dos Estados Unidos e da Rússia, que têm de longe os maiores stocks, completa-se com o Reino Unido, a França e a China. Outros países que possuem armas nucleares e as testaram, mas que não assinaram o tratado são o Paquistão, a Índia e a Coreia do Norte. Neste caso as bombas são de cisão.
Um outro país que quase de certeza detém armas nucleares, mas não reconhece o facto, é Israel.
Alguns países já tiveram armas nucleares e não as têm hoje, como é o caso da África do Sul e de algumas ex-repúblicas soviéticas como a Ucrânia e o Casaquistão.
Cinco países da NATO – a Bélgica, Alemanha, Itália, Holanda e Turquia – possuem armas nucleares dos Estados Unidos, que só poderão ser acionadas com códigos emitidos pelo governo deste país.
JPN – Como cientista e como cidadão, como é que foi acordar com uma notícia desta natureza? Estamos desarmados? Indefesos?
CF – É uma má notícia, pois o regime da Coreia do Norte está nos antípodas da democracia, vivendo praticamente isolado na Comunidade mundial.
Desarmados não estamos, pois o mundo, apesar de alguns progressos no desarmamento, continua armado até aos dentes, mas estamos um pouco indefesos já que uma bomba H é um objecto relativamente pequeno que pode ser arremessado de surpresa a grande distância. Era o pior que poderia acontecer ao mundo se acaso houvesse um ataque da Coreia do Norte a qualquer alvo. Mas a mim parece-me que isso é improvável, o anúncio de posse de uma arma poderosa destina-se apenas a propaganda e intimidação.
Os países do mundo que prezam a paz devem concertar iniciativas e empreender esforços para a assegurar. O Conselho de Segurança das Nações Unidas condenou o ensaio da Coreia do Norte, que atenta contra tratados internacionais, e está a preparar novas sanções contra as autoridades norte-coreanas uma vez que tinha determinado sanções por causa de três testes anteriores, todos ocorridos já neste século.