Adélio Mendes é, em primeiro lugar, “um professor”. Um professor que precisa da investigação para “sentir o que fala” quando ensina aos alunos. Nesta entrevista ao JPN, o catedrático da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto defende uma visão de “serviço” para quem ensina e investiga na academia.

Na conversa, partimos do prémio, passamos pela patente vendida a australianos por 5 milhões de euros, pela cerveja sem álcool, pela importância da persistência e pela beleza da química, que Adélio Mendes vê de outra forma: “Eu trabalho na engenharia química por causa da beleza dos portugueses. Se eu produzir riqueza eles comem melhor e ficam mais bonitos.”

O que é que representa para si a receção do Prémio Universidade de Coimbra?

Um grande orgulho sobretudo porque pertencendo eu à universidade do Porto, a academia de Coimbra é sempre do nosso coração. O nosso rei D.Dinis assinou a constituição da universidade no dia 1 de março 1299 como me recordou o senhor reitor. É um orgulho para todos nós termos uma das universidades mais antigas do mundo, com quase 726 anos, e receber um reconhecimento desta universidade é um sonho, sobretudo para um académico como eu. É uma universidade de sonho, já com 726 anos…

Uma idade de peso.

É a nossa história. Às vezes, precipitámo-nos a dizer “Portugal isto, Portugal aquilo”. Não! O que devíamos dizer era “eu isto, eu aquilo”. Porque eu sou Portugal. Eu não estou no trânsito. Eu sou o trânsito.

São muitos os feitos destacados pelo júri. Comecemos pela patente vendida pela FEUP e a EFACEC a uma empresa australiana por 5 milhões de euros.

Na altura em que eu entrei para fazer investigação nas salas fotovoltaicas, eu sabia muito pouco. Entrei a convite do então diretor da FEUP, o professor Caros Costa, entrei e não tinha competencia na parte fotoeletroquímica. Mas, então, apercebi-me que um dos problemas que esta tecnologia tinha era a selagem das células, de forma a que pudessem durar um tempo interessante, de 20 ou 25 anos. Estou a falar de uma tecnologia especial das chamadas células sensibilizadas com corante ou então, mais recentemente, das células solares de perovskita.

Estavamos em que ano?

Em 2006. Depois, em 2008 tenho o primeiro projeto aprovado na Agência de Inovação em que um dos objetivos principais é a selagem. E como é que isto aconteceu? Em 2007 estou a falar com o professor Michael Grätzel, que foi o inventor da tecnologia das células sensibilizadas com corante e ele na altura incentivou-me imenso. E eu perguntei-lhe: Porque é que não se solda as células com vidro usando um laser para fundir o vidro? E ele disse-me que achava que a ideia era muito interessante. Para eu ir em frente.

E o professor seguiu.

Eu na altura sabia tão pouco de células fotovoltaicas que não sabia que muitos outros tinham tentado e ninguém tinha conseguido. Nem indústria, nem academia. Ninguém mesmo. Mas como a minha ignorância era tão grande, eu não sabia. Começámos a trabalhar e, claro, encontrámos os mesmos problemas que todos os outros. Até que um belo dia, enfim, às vezes as pessoas têm umas inspirações, surgiu a ideia de como ultrapassar a situação e propus ao meu grupo de investigação essa ideia. E dois estudantes de investigação brilhantes, de quem gosto muito, pegaram na ideia e em três semanas tiveram a primeira célula selada. Ainda não otimizada, mas selada a laser.

Daí partiram noutras direções?

Temos outras patentes, nomeadamente o uso do grafeno nestas células fotovoltaicas, uma ideia interessantíssima que surgiu há três anos, creio. Mas há mais patentes aqui a germinar. Uma foi submetida no final do ano passado no uso de membranas [de carbono] na separação de gases, com resultados nunca reportados antes e esperamos daqui a algum tempo reverter em produto. Estamos em negociações com uma empresa inglesa. Há também as células de combustível que, se derem resultado, há uma empresa dinamarquesa que se compromete a vir para Portugal explorar a tecnologia.

Estamos num período particularmente dinâmico da investigação nesta área?

Isto é como nas telenovelas. Uma coisa puxa a outra (risos). A investigação é uma coisa divertida, porque é um desafio atrás do outro.

Como se define como investigador?

Sou professor e porque quero ser um bom professor tenho de fazer investigação. Porque só posso falar do que sinto. E para sentir o que falo tenho de fazer investigação. Partilho consigo um episódio. Uma vez fui à Assembleia da República e a presidente da altura referiu que o Saramago disse que a química tinha uma grande beleza. O que eu digo é que estou na química por causa da beleza, mas não pela beleza da química, é pela beleza dos portugueses! Por isto. Não sei se tem noção, mas o meu orçamento para os próximos três anos ultrapassa os 3 milhões de euros. A maior parte vem dos impostos dos portugueses. De quem paga imposto. Que são no fundo os acionistas e os credores deste dinheiro, deste investimento. E, portanto, tem que se lhe dar retorno. Eu trabalho na engenharia química por causa da beleza dos portugueses. Se eu produzir riqueza eles comem melhor e ficam mais bonitos.

E a primeira cerveja sem álcool em Portugal. Como é que aparece?

Eu tinha chegado da Alemanha, de fazer o pós-doutoramento. Eu tinha tentado fazer uma cerveja com base num processo de separação por membranas. Na altura, tinha sugerido na Alemanha que se poderia ultrapassar a situação, fazendo de uma outra maneira. Mas o meu orientador não acreditou em mim e eu fiquei muito zangado. A primeira coisa que fiz quando cheguei a Portugal foi bater à porta da UNICER.  E depois de muitas peripécias consegui convencê-los a apostar e, pronto, as coisas correram de feição e conseguimos. Depois convidei o meu orientador alemão para vir a Portugal e quando ele viu o processo insistiu muito para ele ser patenteado, porque era interessante e assim foi feito. E a primeira cerveja sem álcool nasceu de uma colaboração muito estreita entre mim, o grupo de investigação e a UNICER. Foi em 2007.

É a prova do valor da persistência para a inovação.

Em primeiro lugar, eu acho que é preciso percebermos que somos servidores. Não estamos aqui para servir-nos a nós próprios ou ao nosso currículo. Isso é uma consequência. Estamos aqui para servir quem investe em nós que é o povo português, em geral, e em particular quem paga impostos. Tanto na parte de docência como na de investigação. Acreditando nisto, é preciso muita persistência, acreditar sem ver, durante muito tempo, muita competência, é preciso estudar. Aconteceu-me, várias vezes, passear e descobrir, mas depois de estudar muito não é? (risos) Por exemplo, na questão da selagem aconteceu-me porque nós medimos perfis de temperatura e eu fui para casa e aquilo perturbou-me. Não estava à espera daquelas medições. E isso espoletou a resolução do problema. Mas só espoletou porque houve trabalho anterior. Mas sim, a inspiração acontece nas alturas menos prováveis. O trabalho, a persistência, o não desistir, acreditar. E uma honestidade da pessoa que quer servir bem e que quer produzir algo que seja útil para o país em que vive.

Em que ponto estamos em matéria de relação empresa-universidade?

O carro começou a movimentar-se. Mas ainda só agora. É possível fazer muito melhor. Mas é preciso evoluir dos dois lados. Também não se pode andar muito depressa. Os dois lados têm que evoluir. Durante muito tempo o académico ia à indústria para que lhe dessem algum dinheiro para fazer investigação para progredir na carreira. E a indústria olhava para a universidade como: “o Estado paga, sendo assim não temos de pagar e vamos lá e sacamos umas coisas”. Ambas as visões estão absolutamente erradas. O nosso orçamento não cobre todas as nossas despesas, temos de ir buscar algum dinheiro fora e as empresas querem soluções que funcionem. Esta comunicação mais facilitada entre emprea e a academia tem de se desenvolver e demora algum tempo. O ideal é que sejam empregues pessoas na academia que tenham feito investigação aplicada nas empresas. Louvo muito uma iniciativa da FCT que eram os doutoramentos em ambiente empresarial, que andaram para a frente, depois para trás e agora parece que vão outra vez para a frente. É muito importante que haja mais doutoramentos em ambiente empresarial porque isso vai melhorar muito a comunicação universidade-empresa e empresa-universidade.