Houve bombos e bandeiras, mas poucos. Cartazes, quase nenhuns. E “jotas”, nem vê-los. Com a exceção das campanhas de Marisa Matias (BE) e Edgar Silva (PCP), os dois únicos candidatos na corrida com um suporte claro e inequívoco das respetivas forças, as “máquinas” partidárias ficaram nas boxes. Sobraram os candidatos.

Candidatos, houve aliás de sobra. São dez no total, um recorde absoluto da democracia portuguesa.

Em matéria de recordes, a comunicação social sai desta campanha também com um: organizou o maior número de debates a que já assistimos. Foram ao todo 25 na televisão, mais um na rádio, dois deles a envolverem todos os candidatos.

Aspetos particulares de uma campanha longa, que encerra esta sexta-feira quase um ano depois do primeiro candidato ter avançado para a corrida: Henrique Neto fez o anúncio em março.

A profusão dos debates
O último debate entre os candidatos presidenciais, transmitido esta semana na RTP, teve pouco mais de meio milhão de telespectadores. O mais visto, que opôs Marcelo Rebelo de Sousa e Sampaio da Nóvoa, foi assistido por 1,3 milhões. Sinal de saturação?

Na opinião de Joaquim Fidalgo, jornalista, ex-Provedor do Leitor do jornal “Público”, a culpa não é só do número, também é do modelo. “Um formato com muitas pessoas, é um formato muito pouco interessante. Aquilo é uma justaposição de monólogos e não um diálogo. Acaba por ser uma coisa muito monótona do ponto de vista do espetáculo de televisão e da informação”, reflete em conversa com o JPN.

Algumas vozes manifestaram-se críticas ao longo da campanha em matéria de cobertura mediática. Reclamam mais “critério jornalístico”. Joaquim Fidalgo admite que o tema é “difícil”, mas concorda com uma ação mais seletiva dos media: “Há duas coisas diferentes. Uma é o tempo de antena. Toda a gente tem direito a tempo de antena. Agora, quando se trata da cobertura jornalística, os critérios não podem ser meramente matemáticos ou estatísticos. O jornalismo não é uma atividade de estatística e de medição de tempos, tem de fazer escolhas, seleções e arriscar”.

“Não é fazendo tudo igual e debates de todos com todos que se ganha em informação e em aprofundamento da informação”, conclui o também professor na Universidade do Minho.

“Acho que este debate sobre os critérios editoriais é um debate que os jornaistas não devem recear e deve ser feito abertamente. Isto não significa silenciar ninguém. Há espaços de tempo de antena nos quais todos são iguais e devem ser iguais. Num segundo momento, há espaços suplementares que acabam por ser diferentes porque os jornalistas têm o dever de assumir critérios. E não precisam de ser iguais! A SIC pode ter uns, o Correio da Manhã outros, o Jornal de Notícias outros”.

O perigo da “pessoalização”
Patrícia Silva, investigadora do Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território da Universidade de Aveiro, vê um outro lado negativo associado mais ao conteúdo do que ao número de debates: “O facto de os debates terem estado muito focados nas contradições e nas posições assumidas por alguns candidatos ou, pior, nos ataques pessoais entre candidatos é, de certa forma, revelador da errada pressuposição de que o presidente da República tem poucos poderes”, declara.

O caminho, na opinião da docente, é perigoso e desemboca na “pessoalização da política, com os eleitores a procurar formar a sua opinião sobre os candidatos com base nas suas qualidades pessoais, descurando a necessidade de, cada vez mais, se debaterem temas e ideias”. E acrescenta: “Para além de contribuir para o potencial afastamento das pessoas relativamente à política, esta pessoalização esvazia o debate político”.

O sentimento “anti-partidário”
As manifestações de independência face aos partidos foram outra das tónicas desta campanha. Um aspeto algo paradigmático na medida em que os pretendentes desta eleição são, em larga maioria, militantes partidários. “Marisa Matias e Edgar Silva são o rosto dos partidos que os apoiam, os restantes candidatos têm recusado o apoio das máquinas partidárias”, analisa Patrícia Silva.

A docente encontra duas razões para o facto: “Por um lado, podemos dizer que se trata de um potencial reflexo do enraizado sentimento anti-partidário – que é considerado um traço cultural da Europa do Sul. Mas não podemos excluir a hipótese de que a falta de apoio partidário se deve à existência de divergências internas quanto ao candidato a apoiar, tanto por parte do PS como do PSD/ CDS”.

O candidato Marcelo
Joaquim Fidalgo retoma a importância da comunicação social na campanha e aponta uma novidade: a presença “indireta” dos media na contenda. “Marcelo Rebelo de Sousa é um personagem da comunicação social mais do que da política. Ele andou anos na comunicação social e a visibilidade dele, o facto de precisar de fazer pouco campanha e pouco política tem a ver com isso”, refere.

Patrícia Silva também vê na campanha do professor-candidato “a grande diferença” deste período eleitoral. “É o candidato com maior capital mediático e, recusando qualquer apoio e conotação partidária, tem optado por centrar toda a campanha na sua pessoa e comprometer-se pouco para não alienar a sua alargada base de apoio”.

“O problema foi aguentar estas duas linhas ao longo de toda a campanha eleitoral e, claro, a ausência de estratégias de forte mobilização pode ser prejudicial, se o eleitorado optar por se abster no próximo domingo”, considera.

O “espetro” da abstenção
Nas últimas eleições presidenciais, que reconduziram Cavaco Silva no cargo em 2011, a abstenção foi a mais alta de sempre em eleições para o Palácio de Belém: mais de 53%. Em 40 anos de democracia, a abstenção passou de um quarto da população para mais de metade.

“O desinteresse pelas eleições presidenciais não é uma novidade”, analisa Patrícia Silva. As taxas tendem a diminuir quando está em causa a eleição de um novo presidente, ao invés de uma potencial recondução, mas a docente alerta: “A verdade é que estas eleições têm a particularidade de ter um candidato com um capital mediático (quase) sem precedentes”, observa. “As sondagens refletem bem esta realidade: há uma enorme margem de distância entre Marcelo e os restantes candidatos e algumas sondagens sugerem a possibilidade da primeira volta resolver este derby presidencial. Em geral, isto tende a diminuir a perceção da competitividade destas eleições, com parte do eleitorado a tomar o jogo como decidido à partida, diminuindo, assim, a participação eleitoral”, remata.

Se os resultados de domingo ditarem a realização de uma segunda volta, os portugueses votam às urnas a 14 de fevereiro. O sucessor de Aníbal Cavaco Silva será o sétimo presidente desde o 25 de abril, o quinto a ser eleito democraticamente.