Às 17 horas em ponto, um grupo de alunos dá início a um protesto simbólico. O átrio da Escola Artística Soares dos Reis foi escolhido para acolher um flash mob. Estamos numa quinta-feira, dia 14 de janeiro e a semana “Viva a Soares” está prestes a terminar. Durante cinco minutos, os estudantes permanecem imobilizados ao som de “A Pedra Filosofal” interpretada por Manuel Freire: “Eles não sabem que o sonho/É um constante da vida”.

Constante, na visão dos alunos, tem sido o clima de intranquilidade que se instalou na escola desde o afastamento compulsivo da anterior direção, em novembro.

Laura Costa, presidente da Associação de Estudantes, afirma, em declarações ao JPN, que os alunos têm medo. Garante ainda que a qualidade de ensino, pela qual a escola portuense sempre foi conhecida, está a ser prejudicada.

Francisa Dores, aluna na instituição, concorda que algo vai mal na Soares, como é popularmente conhecida a escola. “O que nós sentimos enquanto alunos é que, desde o primeiro dia, a direção tem tentado impor-se pela força. Tentam restringir-nos”, declarou Francisca.

A modificação da disposição da cantina foi uma das decisões da direção que provocou descontentamento. Francisca Dores  acusou também a atual direção de tentar censurar os alunos. “Ao organizar estas manifestações por causa do 131º aniversário da Soares, eles tentaram cortar-nos a voz. Tentaram-nos impedir de comprar na papelaria o material necessário para fazermos os cartazes.”

A falta de materiais e condições é constante nos discurso de contestação dos alunos. Gonçalo Alexandre, aluno do 12º ano, sente que a preparação para a prova de aptidão artística que vai realizar está a ser afetada. “O meu curso de fotografia está um caos autêntico. Nós precisamos de muitos consumíveis e simplesmente não há. Brincámos com a ideia de quase ser preciso sortear que aluno de fotografia vai ter rolos para fotografar”, revelou Gonçalo.

Para o estudante, o principal problema da escola no momento é, no entanto, outro: “Acho que o grande problema aqui é a falta de comunicação e de transparência”, refere.

Após uma salva de palmas, o silêncio do flash mob foi substituído por protestos sonoros que clamavam por “justiça”. Aos alunos no átrio juntaram-se outros dispersos pelos diversos andares do edifício. O sentimento de dúvida quanto ao futuro da escola paira no ar e estava bem ilustrado em cartazes nos quais se lia: “Soares não morre”.  A manifestação seguiu depois para a entrada do gabinete da direção, o que levou o diretor da Comissão Administrativa a convocar uma assembleia com os alunos a fim de esclarecer dúvidas.

O início da instabilidade

No dia 25 de novembro de 2015, um dia antes da tomada de posse do novo Governo, Alberto Teixeira e José António Fundo foram surpreendidos com um despacho de exoneração de funções, datado de 19 de agosto do mesmo ano. O despacho foi assinado pelo ex-secretário de Estado do Ensino e Administração Escolar, João Casanova de Almeida.

Os responsáveis pela Escola Artística Soares dos Reis foram afastados, segundo os próprios, sem nota de culpa. “O que é curioso é que a DGEstE [Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares] não nos comunica [o despacho] no prazo legal de sete dias, não nos dá direito de resposta em relação às irregularidades que aparentemente encontra, não nos permite, nem ao diretor nem a ninguém, o direito de resposta”, conta José António Fundo, anterior sub-diretor, ao JPN.

Os visados moveram, entretanto uma providência cautelar, que corre atualmente nos tribunais, contra o despacho que consideram “manifestamente ilegal”.

Desse documento, a que alguns órgãos de comunicação tiveram acesso, constam acusações de graves irregularidades, incluindo a degradação do nível de gestão e administração, pelo menos desde 2010.

Sobre esta matéria, José António Fundo aponta para a “falta de pessoal competente na área administrativa e financeira” e garante que a escola “ao longo de vários anos” alertou a tutela “para as dificuldades de gestão financeira”.

“Nós aceitamos que possa haver algumas irregularidades na área da gestão financeira da escola por parte dos serviços administrativos, repito, por parte dos serviços administrativos. E rejeitamos completamente que tenha havido qualquer irregularidade na gestão e administração educativas da escola, porque a escola é exemplar, tem excelentes resultados, é uma escola modelo”, sublinha.

Atualmente, os dois docentes estão a ser ouvidos pela Inspeção-Geral da Educação no âmbito de um processo disciplinar movido na sequência do despacho. José António Fundo garante que ele e o ex-diretor têm “a consciência tranquila”. “Sabemos que nada fizemos, primeiro, para merecermos um processo e, segundo, para sermos exonerados”, resumiu.

Na opinião do professor, a substituição da sua direção pela atual foi movida “por interesses políticos” e acusa o atual responsável da escola, Artur Vieira, de ter “dividido a escola”.

Atualmente, o estabelecimento de ensino está a ser gerido por uma Comissão Administrativa Provisória (CAP), presidida por Artur Vieira.

Ao JPN, o presidente da CAP afirma que está “a fazer o melhor” que sabe e que está “a tratar da situação” no que diz respeito às reclamações dos alunos relacionadas com material. Contudo, admite que a questão tem sido difícil de resolver devido à falta de verbas.

Relativamente à demissão da direção e à posição de apoio dos alunos a Alberto Teixeira e José António Fundo, Artur Vieira defende-se. “Que esta escola queira remar contra a maré é legítimo, mas não pode ser feita uma guerra”, declara. “Dois professores foram afastados por uma questão de gestão e não por quem são. O que está a ser qualificado é se esses atos de gestão foram ilegais e isso ninguém pode discutir, porque o caso está em segredo de justiça. Uma coisa que a comunidade educativa não pode ignorar é que, se não se encontrar o responsável direto, o responsável é aquele que assinou”, inferiu o atual diretor.

“Se estas manifestações são para eu me ir embora, eu não posso. Se são para me fazerem sentir mal, é errado, porque eu fui a pessoa que se ofereceu para vir resolver o problema. Eu não quero agradecimentos, mas as pessoas deviam estar agradecidas, porque se não for eu, é outra pessoa”, conclui Artur Vieira.

“A Soares é uma família”

O deputado do Bloco de Esquerda, Luís Monteiro, ex-aluno da Escola Artística Soares dos Reis recorda a “forte ligação” dos alunos com a anterior direção e assume-se crítico da atual administração, a qual acusa de “prepotência” e de “desconhecimento absoluto sobre o que é o funcionamento de uma escola artística”.

A título de exemplo, o deputado do Bloco de Esquerda questiona o tratamento dado ao Grupo de Coesão Social da escola. “Foi fundada uma associação de apoio aos alunos com carências económicas. É uma associação sem fins lucrativos e que já está até inscrita e legal. É formada por pais, professores e ex-alunos. Esta associação tinha como finalidade ajudar aqueles alunos com maiores dificuldades económicas. No entanto, a CAP decidiu abrir uma guerra processual com esta associação”, garante Luís Monteiro.

Sobre o ensino artístico em Portugal, que tem sido notícia pela falta de recursos, Luís Monteiro afirma que já foi posto em andamento um projeto para corrigir as falhas de financiamento das escolas. “Por dois anos consecutivos, as escolas com contratos de associação viram as suas verbas atrasadas por incompetência do Ministério da Educação. Isso já está a ser resolvido. A partir de janeiro, as escolas começaram a receber essas transferências, que na verdade já deveriam ter recebido há seis ou nove meses”, declarou o deputado.

Pela sua parte, Artur Vieira assume-se como “um grande defensor da escola artísitca”. E acrescenta: “Estou preocupado com esta situação de empolamento, que é de emoção, que ela possa prejudicar o discernimento escolar dos alunos, por causa de um processo que está nos tribunais”, afirmou ao JPN.

A presidente da Associação de Estudantes, Laura Costa, resume a pretensão de estabilidade por parte dos estudantes: “A Soares é mais do que leis, mais do que artistas, é uma família, uma união”.

N.R.: Este artigo foi atualizado às 16h40 do dia 26 de janeiro de 2016 com a inclusão de declarações do ex-subdiretor da Escola Soares dos Reis, José António Fundo.