No centro do Porto, estima-se que existam duas mil pessoas a viver sozinhas, “de modo geral no topo de edifícios que achamos que estão abandonados”, afirmou Manuel Correia Fernandes esta quinta-feira. O vereador do Urbanismo da Câmara Municipal do Porto (CMP) foi um dos oradores do debate sobre “Espaços exteriores, edifícios e habitação” promovido pela Rede Mundial de Cidades Amigas das Pessoas Idosas, na CMP.

A iniciativa foi desenvolvida em parceria com o Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar e o Instituto Politécnico do Porto.

A acessibilidade foi outro dos pontos em debate. “Há idosos que sentem que a cidade não é deles”, intervém Ana Maria, voluntária na associação Coração Amarelo e espetadora do debate. A falta de condições de deslocação obriga muitos idosos da cidade a ficarem presos dentro de casa durante longos períodos. Um idoso que Ana Maria acompanha, na Rua de Santo Ildefonso, sai de casa apenas com ajuda, para ir ao médico. “Não se pode chamar os bombeiros para ir ver as portas [da Igreja das Carmelitas] que ele sempre quis ver. A mobilidade é dar prazer e alegria às pessoas. Mas é preciso haver meios para”, rematou.

“O espaço público só serve para circular, não para estar”, afirmou o arquiteto Manuel Correia Fernandes. Para o antigo professor da FBAUP e da FAUP, a cidade é seccionada: a escola para as crianças, o asilo para os idosos. No meio, cruzam-se os trabalhadores que querem chegar o mais rápido possível de uma ponta à outra da cidade, afirma Correia Fernandes.

O arquiteto alerta ainda para o distanciamento e a solidão criados pela habitação em prédios. “Isto significa muitas vezes mais isolamento”, facto que o leva a concluir que “mais tecnologia, não significa mais proximidade para estas pessoas”.

Neste cenário, “muitas pessoas acumulam ainda a pobreza”, destacou Ignacio Martin. O investigador da Universidade de Aveiro focou o “desajuste claro entre a oferta do parque habitacional e o que procuram os idosos”: T1, sem barreiras arquitetónicas, de baixo custo e próximos do centro da cidade. O que pode resultar na saída para as zonas rurais, onde as rendas são mais baixas, referiu o investigador.

Cidade acessível para todos

Para Rafael Montes, especializado em “design for all”, a cidade deve, acima de tudo, respeitar os mais velhos. “O espaço público tem que ser respeitador da diversidade social. Tem que ser seguro, saudável e compreensivo”, sublinhou o arquiteto. A atenção com a falta de orientação de alguns idosos deve ser tida em consideração: “Não podemos retirar uma fonte que serve de referência a muitas pessoas, senão elas podem desorientar-se na sua própria cidade”.

A falta de casas de banho públicas na cidade foi uma denúncia recorrente no debate. A moderadora Constança Paul destacou que não é o indivíduo que se deve adaptar ao meio, mas o contrário. “Como os cafés não deixam utilizar os WC sem consumir e não há WC na rua, o espaço público deixa de ser utilizável”, afirma um interveniente do público no debate.

“Os idosos têm um papel que não é um favor que se lhes pede. Têm uma missão”, sublinhou Manuel Correia Fernandes. Também Rafael Montes acredita que é fundamental para os idosos “saber que o seu contributo é importante e é tido em consideração”.

Desde 2010, o Porto quer ser amigo das pessoas idosas

Este foi o primeiro de uma série de debates e workshops no âmbito da Rede Mundial de Cidades Amigas das Pessoas Idosas, sob a alçada da Organização Mundial de Saúde (OMS). A iniciativa do Porto se tornar mais amigo das pessoas idosas começou em 2010, ano de entrada da Invicta na OMS.

O projeto produziu, numa primeira fase, dois estudos centrados na perspetiva dos idosos das freguesias do centro do Porto. Os relatórios foram realizados pela Escola Superior de Tecnologia da Saúde do IPP. Os trabalharam deram “nota negativa” à cidade no campo da habitação, destacou Paula Portugal, investigadora no projeto.

Até ao final do mês de abril, o Porto debate a saúde, a participação cívica, o emprego e comunicação da população idosa. O calendário pode ser consultado no sítio web da Câmara do Porto. No encontro desta quinta-feira participaram os oradores Manuel Correia Fernandes, Ignacio Martin e Rafael Montes, com a moderação das professoras Paula Portugal e Constança Paul.

 

Artigo corrigido às 16h27 do dia 26 de fevereiro de 2016. Os estudos produzidos no âmbito do projeto Rede Mundial de Cidades Amigas das Pessoas Idosas são da responsabilidade da Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Porto, sem a supervisão de qualquer entidade, conforme erradamente se referia.

Artigo editado por Filipa Silva