Mário Cruz tirou uma licença sem vencimento porque já há algum tempo tinha decidido que “queria fazer mais do que fotografar para a agência Lusa, as notícias do dia a dia”. Partiu para o Senegal e para a Guiné-Bissau, numa missão a solo, durante a qual fotografou crianças escravizadas e abusadas.

Queria dar a conhecer a realidade dos Talibés, crianças com idades entre os 5 e os 15 anos que são obrigadas a mendigar durante horas pelas ruas para conseguir rendimento para os Marabouts, “líderes religiosos que se autoproclamam professores corânicos, mas que não o são”, explica Mário Cruz ao JPN. “A realidade destas crianças é assustadora”, observa.

O fotojornalista preparou-se para o trabalho durante seis meses. “Eu fiz muita pesquisa, sentia-me preparado, mas não foi por isso que deixou de me chocar, porque são mesmo muitas”, confessa. Só na cidade de Dakar são mais de 30 mil crianças escravizadas, estima o fotojornalista. É uma realidade “escondida e ilegal”.

Há uns anos, os Talibés, palavra árabe que significa “discípulo”, mendigavam nas ruas durante uma ou duas horas “para a sua própria alimentação, para os seus próprios estudos”. Com o passar dos anos, foi-se criando uma rede de pessoas que viu nestas crianças uma forma de rendimento e “mesmo quando conseguem recolher o dinheiro que é imposto pelos Marabouts sofrem muitos abusos, violações, agressões física”, regista Mário.

O que mais choca Mário Cruz é a indiferença das pessoas face ao problema. Agora, espera que o trabalho e a distinção conseguida possam mudar essa realidade. “O dia do Talibé existe todos os anos, isto significa que as pessoas sabem que isto existe e que as autoridades competentes não fazem nada. Espero sinceramente que estas fotografias, o trabalho, tal como a distinção consigam fazer com que isso mude.”

Mário Cruz olha para si, agora, como uma pessoa em constante evolução e crescimento. Acredita que há uns anos atrás não seria capaz de realizar um trabalho destes, no qual esteve sozinho desde o primeiro dia. Depois de arrecadar um primeiro lugar na categoria de Temas Contemporâneos, no maior concurso de fotografia do mundo, o World Press Photo, esta quinta-feira, espera que este prémio seja capaz de dar ao fotojornalismo e à fotografia o espaço que acredita estar em falta. “Eu espero que contribua para uma valorização da fotografia. Acho que a fotografia e o fotojornalismo já carece há muito de atenção, de espaço que não existe.”

Eduardo Gageiro, Carlos Guarita, Miguel Barreira e Daniel Rodrigues são os quatro nomes portugueses a quem Mário Cruz se junta. Todos alcançaram prémios no concurso World Press Photo, contribuindo para a projeção da fotografia nacional.

 

Artigo editado por Filipa Silva