Uns minutos depois das nomeações para os Óscares 2016 terem sido anunciadas, a “hashtag” #OscarsStillSoWhite já ganhava força nas redes sociais. Pelo segundo ano consecutivo, a lista dos 20 nomeados para melhor ator e atriz, na categoria principal e secundária, não contempla pessoas de raça negra e milhares mostraram o seu desagrado.

A polémica já havia começado em 2015, em torno de “Selma”. Baseado na luta de Martin Luther King pelos direitos da comunidade afro-americana, o filme foi um sucesso junto da crítica. Contudo, foi posto de parte pelos prémios da Academia: a realizadora Ava DuVernay e o protagonista David Oyelowo não apareceram entre os nomeados. Como eles, nenhum ator, atriz ou realizador(a) de raça negra constou da lista dos melhores para aquele ano.

Este ano o enredo repete-se. Will Smith, Idris Elba e Michael B. Jordan eram apontados como nomes prováveis para nomeações por “Concussion“, “Beasts of No Nation” e “Creed”, mas não foram contemplados. O mesmo aconteceu com “Straight Outta Compton: A História do N.W.A“, um sucesso de bilheteira nos Estados Unidos sobre um grupo de jovens que promove a explosão do “gangsta rap“.

Zero nomeações para pessoas da raça negra, um cenário que, antes de 2015, não se verificava desde 1997.

“Precisamos de garantir uma indústria do cinema mais inclusiva”

Classificando os Óscares de “lírios brancos”, Spike Lee foi o primeiro a manifestar-se. O realizador é o homenageado da edição deste ano, mas confirmou que não vai comparecer, uma decisão lida nos media como um apelo ao boicote da cerimónia de entrega dos prémios.

Jada Pinkett Smith também não vai à gala. A atriz divulgou um vídeo no Facebook no qual apela ao boicote. “Está na altura das pessoas de cor reconhecerem o poder e influência que temos alcançado, de tal forma que já não precisamos de pedir para ser convidados seja para o que for”, afirma a atriz. “Mas implorar por reconhecimento, ou até pedir, diminui a dignidade e diminui o poder, e nós somos pessoas dignas e poderosas”, concluiu.

Pinkett Smith fez questão de desejar boa sorte a Chris Rock, que vai apresentar a cerimónia no próximo domingo. O ator e humorista tem-se mantido longe da polémica, tendo partilhado apenas um vídeo com a legenda: “The #‎Oscars. The White BET Awards.”

Também George Clooney mostou-se solidário. “Se olharmos para há dez anos, a Academia estava a fazer um trabalho melhor (…) Têm razão quando dizem que a indústria não os representa bem (…) E estamos a falar apenas de afro-americanos. Com os hispânicos a situação é bem pior. Temos que melhorar”, referiu o ator numa entrevista.

No seguimento da polémica, Cheryl Boone Isaacs, que em 2013 se tornou a primeira presidente negra da Academia, elogiou o debate: “Precisamos de tomar medidas para garantir que a indústria do cinema seja mais inclusiva”, escreveu em comunicado.

“Talvez os atores negros não tenham sido suficientemente bons”

Nem todos veem com bons olhos a polémica em torno das nomeações para os Óscares.

Charlotte Rampling considera que toda a discussão “é racismo contra brancos”. Numa entrevista à rádio Europe 1, a atriz britânica afirmou que “talvez os atores negros não tenham sido suficientemente bons” para serem nomeados.

Clint Eastwood criticou o facto de vários atores estarem a ponderar não comparecer à cerimónia: “Há para aí muita gente a chorar, parece-me”, disse também à rádio Europe 1. O realizador considera “exagerada” a ideia de um boicote: “Há milhares de pessoas na Academia e muitas delas, a maior parte, nunca ganhou Óscares”, declarou.

Whoopi Goldberg considera que esta discussão deveria acontecer “todo o ano e não só na altura dos Óscares”. “O problema não é que as pessoas nomeadas sejam demasiado brancas. Ninguém vê um filme e diz: ‘Oh, é muito branco’”, defendeu a atriz, no programa “The View”.

Alguns dados

Segundo o Diário de Notícias, em 88 anos de Óscares apenas 31 dos 2.947 vencedores, em qualquer categoria, eram negros.

Na categoria de “Melhor Ator Principal”, 7% dos vencedores eram negros, ou seja, quatro pessoas. O primeiro foi Sidney Poitier, em 1963. Já a primeira e única mulher negra a ganhar um Óscar de “Melhor Atriz” foi Halle Berry, em 2002.

Segundo o site Venngage, 89,2% dos protagonistas escolhidos por realizadores brancos são também eles brancos, enquanto que 10,8% são negros. Em contrapartida, verifica-se um equilíbrio na escolha quando o realizador é negro. O prémio de “Melhor Realizador” nunca foi ganho por um negro.

Quanto aos membros da academia, o mesmo site revela que 94% são brancos, sendo que apenas 6% são negros.

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De acordo com as contas do JPN, nas últimas dez edições dos Óscares 12% dos nomeados para “Melhor Ator Principal” são negros. Apenas Forest Whitaker pelo filme “O último rei da Escócia” em 2007 foi galardoado.

Uma tendência que se verifica também na categoria de “Melhor Ator Secundário”, onde 6% dos nomeados são negros e onde não se registam vitórias.

A percentagem de 6% repete-se nas nomeadas para “Melhor Atriz Principal”, onde também não se registam vitórias por parte de intérpretes negras.

É na categoria de “Melhor Atriz Secundária” que se contabiliza o maior número de nomeações (14%). Desde 2006, quatro das sete nomeadas levaram o Óscar para casa: Jennifer Hudson (Dreamgirls, 2007), Monique Angela Hicks (Preciosa, 2010), Octavia Spencer (As serviçais, 2012) e Lupita Amondi Nyong’s (12 Anos Escravo, 2014).

Do total da população norte-americana, 13,2% é afro-americana.