“Cada vez que ouvimos falar de bancos, quase que dá um arrepio na espinha”. A moderadora e jornalista, Irina Melo, introduz o debate com os deputados europeus sobre a União Bancária em mais uma edição do “Café Europa”. Na FNAC de Santa Catarina, no Porto, o tema foi discutido à esquerda, já que a direita não pôde estar presente.
A questão central do debate é perceber quem é que a união realmente protege e beneficia. Entre os eurodeputados presentes, são mais os pontos que unem as suas intervenções do que os que os distanciam.
Miguel Viegas, do Partido Comunista Português (PCP) e deputado da Esquerda Unitária no Parlamento Europeu, está contra a União Bancária. Para o eurodeputado, esta medida “não vai à raiz do problema” e o fundo de resolução não evita que “o dinheiro dos contribuintes tenha de lá entrar”. Viegas considera que deve haver uma separação entre a banca comercial e a banca de investimento.
Marisa Matias defende também essa separação e admite que tem “sérias reservas relativamente ao desenho da União Bancária”. A bloquista alerta para o “elevadíssimo” investimento público na banca europeia, que ronda já 10% do PIB europeu.
Para a eurodeputada da Esquerda Unitária, houve uma “financiarização”, que fez com que “muitas famílias tivessem perdido as economias de uma vida”, porque acabaram por ver investidas as “suas poupanças em produtos tóxicos”, como se de um “casino da banca” se tratasse. A forma “disforme” de organização do mercado interno “tem impedido” o desenvolvimento do investimento público, acrescenta.
Elisa Ferreira assume uma posição mais moderada. Para a eurodeputada dos Socialistas e Democratas, com a crise de 2008, os europeus caíram “no real”, o que trouxe a necessidade de se legislar sobre o mercado financeiro.
A questão mais fraturante, na discussão europeia da União Bancária, é a mudança de paradigma de “bail out”, isto é, do apoio financeiro estatal, dos contribuintes, para “bail in”, no qual são os detentores de dívida e os depositantes com mais de 100 mil euros os primeiros a serem chamados para suportarem os prejuízos.
Em relação às garantias de depósito, a deputada socialista explica que a legislação europeia contempla que qualquer conta até 100 mil euros “está garantida pelo orçamento do país”, o que significa que estes valores não podem ser usados em casos de resolução de bancos.
O que é a “resolução”
O conceito de “resolução” é uma alternativa à liquidação simples e à nacionalização dos bancos, que sobrecarregaram os contribuintes com ajudas às instituições em dificuldades, por toda a Europa.
Com a “resolução”, extrai-se a parte saudável do banco em dificuldades, para que continue em funcionamento. Foi o que aconteceu quando o Banco Espírito Santo (BES) colapsou e deu origem ao Novo Banco.
A banca portuguesa
Para os eurodeputados, quando um banco se apresenta numa situação de falência é uma “grande bomba” para a economia. A provar isso estão os casos portugueses do Banco Espírito Santo, do Novo Banco e do Banif. Se um banco falir, não só os acionistas são afetados, como também todos os que depositaram as suas poupanças.
Em vigor desde janeiro, o Fundo Único de Resolução é alimentado pelas contribuições periódicas dos bancos, até atingir 1% dos montantes totais que existem na zona euro em depósitos garantidos (até 100 mil euros). Neste momento, esse valor corresponde a cerca de 55 mil milhões de euros. Elisa Ferreira explica que a urgência em resolver os problemas dos bancos portugueses em dezembro se prendia com esta questão.
No entanto, as instituições bancárias vão ter de continuar a suportar os fundos de resolução nacionais, como aquele que está a financiar a solução que foi encontrada para o BES, agora Novo Banco.
Para Miguel Viegas, a solução passa por “garantir um controlo público” do sistema financeiro e “nacionalizar o Novo Banco”. Na mesma linha de pensamento, Marisa Matias remata com a ideia de que é preciso devolver o poder aos cidadãos.
Regras e dilemas da União Bancária
As novas regras europeias para os bancos entraram em vigor no início de janeiro, com o objetivo de se discutirem soluções para a crise e para a dívida e aprofundar as relações bancárias da zona euro.
A medida assenta em três pilares: a supervisão, que compete ao Banco Central Europeu (BCE); o mecanismo único de resolução, que “acode” um banco em dificuldades, através de um fundo de cerca 50 mil milhões de euros; e o mecanismo único de garantia de depósito, que garante aos depositantes com menos de 100 mil euros a totalidade desse valor, no caso de perdas no banco.
O objetivo da União Bancária é também que os contribuintes sejam os últimos a ser chamados a injetar dinheiro numa instituição bancária.
A crise tem mostrado que, apesar da união monetária, a zona euro é muito instável. Dado que a dívida pública dos países é um dos ativos principais dos bancos, há uma estreita relação entre os Estados e estas instituições. Se a dívida pública de um Estado não der segurança aos investidores, os bancos podem sair fragilizados dessa relação, o que forma um ciclo vicioso ao qual a União Bancária quer pôr um fim.
Mas a discussão em torno do tema está longe de criar consenso entre os Estados europeus. O “Café Europa” regressa sexta-feira, desta vez na FNAC do Chiado, para discutir o “Semestre Europeu”.
Artigo editado por Filipa Silva