A 29 de fevereiro é dia de lembrar as pessoas com doenças pouco comuns no mundo. Apesar de raras, não é raramente que estas doenças são diagnosticadas. Em Portugal, existem entre 600 a 800 mil doentes. Mas, afinal, em que consiste este problema? “Na União Europeia, consideram-se doenças raras aquelas que têm uma prevalência inferior a 5 em 10.000 pessoas, considerando o total da população da UE”, explica Paula Simões, da Raríssimas, que acrescenta: “A maior parte dos doentes raros têm em comum diversas situações de deficiência múltipla e défice cognitivo”.
Igor nasceu com Síndrome de Costelo. Carla Rocha, a mãe do menino, explica que é uma doença que “afeta ao nível cardíaco, ortopédico, muscular e na alimentação”. Em Portugal, refere, “é uma doença extremamente rara”. “Sabemos que existem mais dois casos, que conhecemos pessoalmente”, conta ao JPN.
A doença demorou a ser descoberta. “Na gravidez havia umas alterações, mas não sabiam o que seria”, afirma a mãe de Igor. “Ele nasceu em agosto, mas só em novembro do ano seguinte é que ficamos a saber”, acrescenta.
O menino conhecido como “Costelinho do Norte” já passou a idade dos “porquês”. Tem agora quatro anos, mas a curiosidade mantém-se. Sabe contar, sabe as cores e quer saber tudo sobre tudo. A mãe garante: “Ele é inteligente e vai adquirindo algumas competências, vai aprendendo algumas coisas”.
A luta pela inclusão é enorme. Paula Simões conta que “existe escassez de acessos adaptados a deficientes e as oportunidades de trabalho são bastante deficitárias, nos casos em que o doente tem capacidade intelectual.”
A mãe de Igor confessa que ainda não sente a exclusão do filho: “Ainda é muito pequenino para nos apercebermos disso”, observa. O menino entrou este ano letivo para a escola e a adaptação, assegura a mãe, “foi excelente”. “Antes de ele entrar para a escola, eles comunicaram connosco, quiseram conhecer o Igor para perceber as necessidades dele. Foram impecáveis”, explica.
Carla afirma que Igor “integrou-se muito bem e foi muito bem aceite”. Apesar disso, os casos que conhecem fazem os pais do menino crer que a integração ainda não é absoluta. “Por serem deficientes, são postos de parte e às vezes têm competências para fazer o que qualquer pessoa pode fazer”, explica Carla.
Laurinda Lopes é também doente rara. Tem obstrução intestinal crónica. Não pode comer nem beber. “Eu tenho um cateter central e, por exemplo, eu faço soro e faço parentérica que é um saquinho com os nutrientes todos, vitaminas, tudo o que é preciso”, enumera. Laurinda sente que a sociedade ainda não compreende este tipo de doenças. “Quem olha para mim não percebe”, afirma.
Quando não há tratamento, “vive-se um dia de cada vez”
Quando se fala de doenças raras, o tratamento é um assunto sensível. Primeiro, porque “o acesso a terapêuticas órfãs ainda é complexo no nosso país”, como conta Paula Simões, da Raríssimas. Segundo, porque, em muitos casos, a cura não existe.
Paula Simões assegura que o caminho terapêutico tem vindo a ser feito. “Temos feito um trabalho empenhado na excelência que os nossos doentes merecem e graças à colaboração de técnicos, médicos, investigadores e diversas entidades públicas e privadas, podemos hoje dizer que Portugal está mais perto dos restantes parceiros europeus, no que se refere à temática das doenças raras”, assegura.
No caso de Igor, “não há cura, é levar um dia de cada vez”, diz a mãe. Mas, para que o Igor evolua, são feitas muitas terapias. E as mudanças têm-se feito sentir: “No início, o Igor rejeitava qualquer toque. Ele chorava quando estava com as pessoas. Ele evoluiu muito”, declara a mãe do menino de quatro anos.
A escola tem sido, também, uma terapêutica para Igor. “Ele tem a escola do ensino normal e do ensino especial e tem uma auxiliar que está destacada para estar só com o Igor” e esse acompanhamento tem tido frutos na sua evolução.
Para Laurinda Lopes também “não há perspectiva de cura”. Nos últimos anos, a doença agravou-se: “Eu comia, só que, como o meu intestino como não funcionava bem, eu ficava com a barriga inchada como se estivesse grávida e depois estava sempre a vomitar”, explica. O facto levou a que tivesse de passar a alimentar-se por via intravenosa.
“As doenças raras não recebem o apoio que deveriam ter”
Portugal está um passo à frente no apoio a doentes raros. É o primeiro país da Europa com um Plano Nacional de Doenças Raras, que já está em vigor. Paula Simões, da associação Raríssimas, refere que “ao nível estatal existem alguns apoios na área das ajudas técnicas e diversos subsídios, embora sempre financeiramente deficitários dadas as necessidades múltiplas destas doenças.”
Os apoios estatais existem. No entanto, não se fazem sentir nos bolsos dos doentes. No caso de Laurinda Lopes, os apoios financeiros limitam-se à reforma por invalidez. Além disso, também recebe a alimentação, que, conta, “não é nada barata”. Tem ainda assistência médica gratuita, bem como todo o material necessário à alimentação. Se o apoio é suficiente, Laurinda afirma que “nunca é”. A mulher, de 44 anos, teve de adaptar-se à doença.
Carla Rocha, mãe de Igor, acredita que “as doenças raras não recebem o apoio que deveriam ter”. Ao nível financeiro, o filho só recebe um valor simbólico. Na sua opinião, o Governo devia tomar medidas. “Se algum filho deles tivesse uma doença rara, se calhar, a coisa corria de outra forma”, desabafa.
À parte das ajudas financeiras, ao nível de material de apoio aos doentes, a mãe de Igor conta que “é uma burocracia muito grande”. “Nós vemos que ele precisa de material de apoio, mas temos de mandar os papéis para a Segurança Social e tem que ser aprovado. Ficamos meses e meses à espera de uma resposta e muitas vezes ela é negativa”, conta.
O que vale, muitas vezes, são os eventos solidários que a população organiza. Graças à última iniciativa, Igor conseguiu um equipamento que custou quase 3 mil euros. António Andrade, pai do menino, não tem dúvidas que, de outra forma, teria de estar à espera “indefinidamente”. “Há imensas coisas que as pessoas com doenças raras precisam para assegurar o desenvolvimento deles e para poderem ter uma vida melhor”, conclui.
A ajuda não parte apenas do Estado. Desde 2002 que a Raríssimas tem uma rede de apoio a pessoas com doenças raras. Com sede em Lisboa e delegações na Maia, Viseu, Algarve, Pico e Madeira, a missão da associação é prestar auxílio aos doentes, às famílias e aos amigos.
A Raríssimas criou, em 2013, o primeiro centro de recursos integrado para doenças raras, a Casa dos Marcos na Moita. Nas palavras de Paula Simões, o projeto divide-se em dois pólos: o social e o técnico. “No âmbito das valências sociais, a Casa dos Marcos possui um Centro de Atividades Ocupacionais, um Lar Residencial e uma Residência Autónoma. No domínio da saúde, destacam-se a Unidade Clínica de Ambulatório, a Unidade de Cuidados Continuados Integrados e o Centro de Desenvolvimento e Reabilitação, que inclui um serviço de Intervenção Precoce”, como refere a colaboradora da associação.
Esta segunda-feira foi assinalado o dia dos doentes raros, mas a luta das famílias e das associações é feita diariamente. “É viver um dia de cada vez”, conclui a mãe de Igor.
Artigo editado por Filipa Silva