Carlos Jalali viveu recentemente nos EUA e não ficou surpreendido com o desfecho da “Super Terça-feira”. Para o politólogo, os resultados confirmam a existência de um “fenómeno Trump”, que o professor da Universidade de Aveiro (UA) interpreta como resultado da insatisfação dos americanos em relação à elite política.

Na sua opinião, Donald Trump e Hillary Clinton serão os candidatos à Casa Branca. A possível vitória de uma mulher nas presidenciais será “reflexo daquilo que é também o dinamismo da democracia americana”.

Na hipótese de ser Trump a chegar à Sala Oval, Carlos Jalali vê dois cenários possíveis. Entre esses, a possibilidade de aparecer um presidente Trump que não leve a efeito a “mudança radical que o seu discurso sugere”.

O próximo presidente dos Estados Unidos da América, segundo Carlos Jalali, terá que contribuir “para uma estabilização e pacificação do contexto mundial”, “ser capaz de unir o país e gerar maior igualdade”.

 

Que análise faz dos resultados da “Super Terça-feira”, quer republicanas quer democratas? Foram surpreendentes?
Tendo em conta aquilo que foram as sondagens, a verdade é que não são resultados supreendentes. Agora se olharmos para aquilo que era a expectativa quando se começaram a desenhar estas eleições primárias, há seis meses ou há um ano, a verdade é que, sobretudo do lado republicano, o facto de Donald Trump ser neste momento o candidato mais bem posicionado, é uma surpresa substancial. Tal como é uma surpresa o facto de alguns candidatos terem tido resultados muito àquem das expectativas e já tenham sido obrigados a desistir, como por exemplo Jeb Bush, o irmão do segundo presidente George W. Bush e filho do primeiro presidente Bush, que era visto como o favorito para estas eleições. Oito anos depois, Hillary retomou esta campanha das primárias, mas apesar de Bernie Sanders ter feito resultados bastante bons até agora, Hillary tem conseguido confirmar o seu favoritismo e tudo indica que será ela a candidata do partido democrata nas próximas presidenciais americanas. É importante frisar que as eleições ainda não estão decididas, há cerca de um terço dos delegados já atribuidos, e não a sua totalidade. E sobretudo no lado republicano, a dispersão dos delegados pelos diferentes candidatos abre a porta para uma eventual convenção disputada.

O que pensa que está na base da força que a candidatura de Trump ganhou?
Eu diria que grande parte é a insatisfação de uma parte substancial do eleitorado americano em relação à elite política dominante. Essa parece ser a dimensão central do apelo de Donald Trump. Sabia-se, à partida, que estas eleições primárias no partido republicano se iriam disputar entre candidatos “anti establishment”, contra a elite dominante do partido, e o “establishment”, essa elite. A ideia sempre foi que iria haver um grande candidato “anti” e um grande candidato do “establishment”. A expectativa era que o candidato “anti establishment” fosse o senador do Texas, Ted Cruz, e o do “establishment” fosse Jeb Bush. Neste momento, a verdade é que Donald Trump ultrapassou por completo Ted Cruz, que teve alguns bons resultados nesta “super terça-feira”: ganhou o seu estado do Texas, Alaska e Oklahoma e ficou em segundo lugar em vários outros estados. Marco Rubio conseguiu ultrapassar Jeb Bush mas está muito longe de se conseguir afirmar como uma verdadeira alternativa a Donald Trump.

Acha que o lado real dos candidatos e a sua sinceridade está a ganhar ao marketing político?
A resposta é um parcial sim, já que Hillary Clinton, apesar deste desafio de Bernie Sanders, tudo indica que irá ganhar. É verdade que Bernie Sanders conseguiu um resultado melhor do que se esperaria e conseguiu fazê-lo sem essa máquina de marketing tradicional das campanhas presidenciais americanas. No lado republicano, a verdade é que a campanha de Trump é uma espécie de marketing pouco convencional. O candidato está a fazer uma campanha dispendiosa, ele próprio tem fundos para gastar, e a estratégia de Donald Trump parece ser a de estar sempre nas notícias. Ter visibilidade, independependemente de essa visibilidade ser por motivos controversos ou afirmações polémicas. Até agora essa estratégia tem resultado, ele tem conseguido ter visibilidade com uma estratégia de campanha que seria provavelmente uma estratégia suicida para qualquer outro candidato mais convencional que Donald Trump.

Hillary ou Trump, qual dos dois candidatos sai mais reforçado após os resultados da super terça feira?
Em termos das eleições primárias, ambos saem muito reforçados. Hillary Clinton vê confirmada a sua posição enquanto candidata favorita para estas eleições primárias. Do lado republicano, os resultados de Donald são a confirmação deste “fenómeno Trump”. Ele define-se a si mesmo como um vencedor, como alguém que detesta perdedores e bem, ele foi um vencedor nesta “super terça-feira”. Tudo indica que os candidatos remanescentes, Marco Rubio e Ted Cruz, vão disparar tudo aquilo que têm contra Trump nos próximos dias. Seja como for, vamos ter as próximas duas semanas até às primárias na Flórida, que vão ser um teste importante. Vão ser um momento de grande reflexão interior dentro do partido republicano para ver até quando é que o “establishment” continua a tentar destronar Trump ou se a certa altura aceita que este será o vencedor e se posiciona para aceitá-lo como seu candidato, deixando de o atacar.

Se Trump for eleito, que tipo de impacto internacional pensa que isso vai ter?
A única previsão que podemos fazer em relação a Donald Trump é que ele é imprevisível. Mas há dois cenários possíveis que podemos aqui identificar: um é o cenário dessa imprevisibilidade, tomarmos aquilo que Trump diz à letra e assumirmos que aquilo que ele vai fazer na Casa Branca é aquilo que ele tem vindo a dizer na sua campanha. A outra leitura, mais moderada, é dizer que na realidade, um presidente Trump não iria implicar a mudança radical que o seu discurso sugere. Nós não devemos esquecer que as políticas públicas nos Estados Unidos são previsíveis e estáveis, há uma máquina administrativa que garante essa continuidade. Para além disso, a verdade é que o próprio Trump é visto de forma paradoxal pelos seus apoiantes, como algúem que vai fazer coisas mas que também é flexível e negoceia, como um bom “businessman”. Portanto, suspeito que os seus próprios apoiantes não se sentiriam muito defraudados com esse cenário.

Caso Hillary Clinton vença as presidenciais, que importancia dá ao facto de uma mulher suceder a um afro-americano na Casa Branca?
Embora a política não seja um exercício de representação no sentido sociológico, os representantes devem refletir sobre aquilo que é o equilíbrio étnico, geográfico, religioso e de género de uma população. A verdade é que quando há uma sub-representação sistemática de determinados grupos sociais, como é o caso dos afro-americanos ou das mulheres, a representação torna-se importante simbolicamente nesses contextos. E não só simbolicamente. Há estudos que mostram que quando aumentou o número de mulheres nos parlamentos, também aumentou a legislação em defesa dos direitos das mulheres e das famílias. No caso de Hillary Clinton na presidência, a questão será porventura mais simbólica. É reflexo daquilo que é também o dinamismo da democracia americana.

Tendo passado algum tempo nos Estados Unidos, considera que os americanos se interessam mais pela política que os portugueses?
A taxa de abstenção nos Estados Unidos é muito alta. A proporção de eleitores que tende a votar nessas eleições está muito àquem daquilo que é a proporção em Portugal. Ao mesmo tempo, aquilo que se vê é que há um maior envolvimento dos cidadãos nas campanhas eleitorais, como por exemplo a campanha de Bernie Sanders. Mas não só, é uma campanha feita, em larga medida, por voluntários que dão o seu tempo e o seu dinheiro para apoiar um candidato que acham que defende as suas posições. Mesmo ao nível local e regional, os cidadãos tendem a envolver-se muito mais activamente. Diria que, como em qualquer comparação, há coisas positivas que temos cá e há coisas positivas lá.

Relativamente ao complexo sistema eleitoral americano, acha que é um modelo a seguir ou um exemplo a evitar por outros países?
É um fruto do seu tempo e é um fruto do federalismo americano. A natureza do sistema eleitoral onde os grandes eleitores vão votar em nome de cada estado reflete a natureza federal, mas também o contexto em que este sistema foi desenhado. É um sistema que nenhum país replicou, e não creio que algum país venha a replicar, porque a tendência é ter sistemas eleitorais em que cada voto tem o mesmo peso. Até para evitar situações em que o candidato menos votado a nível nacional possa ser eleito. Sabemos que nos Estados Unidos isso é uma possibilidade, que aliás se confirmou nas célebres eleições presidenciais de 2000.

Qual é, para si, o maior desafio do próximo presidente dos EUA?
Eu acho que há um desafio a nível internacional e um a nível nacional. O desafio a nível internacional é a capacidade dos Estados Unidos, enquanto maior superpotência global, de contribuirem para uma estabilização e pacificação do contexto mundial. A verdade é que vemos os desafios internacionais do dia a dia: o Estado Islâmico, a crise dos refugiados, as mudanças climáticas. A nível doméstico, há claramente uma tendência nos Estados Unidos, desde a década de 50, para o crescente fosso no rendimento entre trabalhadores que ganham mais e ganham menos. Grande parte do desafio, quer de Trump quer de Sanders, vem precisamente desses que estão a sentir que apesar de trabalharem e de se esforçarem, não são recompensados por isso. Esse é um desafio também: ser capaz de unir o país e gerar maior igualdade. Por exemplo, aquilo que é a forma como a comunidade afro-americana é vista, a forma como as agências de segurança funcionam, até à questão de como a classe operária é tratada. Há uma série de subdimensões que são desafios importantes para unir os Estados Unidos.

 

 

Artigo editado por Filipa Silva