O Rivoli acolheu, na noite de segunda-feira, uma discussão pública subordinada ao tema “Consumo Assistido na Toxicodependência”. A realização do debate promovido pela Assembleia Municipal do Porto decorreu após uma proposta do Bloco de Esquerda aceite por todos os grupos municipais.
O debate que abriu a discussão para a criação de salas de consumo de droga assistido, no Porto, foi marcado pela unanimidade das opiniões dos oradores. No ar ficou a ideia geral de que, em Portugal, a par da prevenção, do tratamento e da integração dos consumidores de droga, “é essencial não esquecer a redução de riscos e minimização de danos”. O ex-dirigente do Instituto da Droga e da Toxicodependência, Teixeira de Sousa, apelou à existência de uma medida global que incorpore todas as vertentes.
O que são salas de consumo assistido?
As salas são espaços com equipas técnicas que acompanham o processo de consumo de droga – antes, durante e depois do ato. Nestes locais são providenciados serviços médicos e sociais, capazes de, numa fase posterior, encaminhar os consumidores para outras formas de tratamento. A criação destes espaços é dirigida aos consumidores de drogas por via intravenosa que tenham um comportamento crónico e problemático.
O professor da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP), Luís Fernandes, investigador na área das Drogas,tem vindo a acompanhar, desde há muitos anos, o processo evolutivo das questões relativas ao tema.
Segundo Luís Fernandes, as propostas de medidas de redução de riscos nunca foram totalmente aceites pela comunidade. O investigador deu alguns exemplos, como a implementação do programa que utilizava metadona numa lógica de manutenção de heroinodependentes, a despenalização do consumo e a distribuição de seringas.
A experiência conta que, passado algum tempo de as medidas estarem em pleno funcionamento, as reações céticas foram se tornando positivas. A intenção é que aconteça o mesmo com as salas de consumo assistido.
Salas de consumo como “locais de humanização”
Os objetivos das salas de consumo passam por contactar com toxicodependentes marginalizados e colocá-los mais próximos do Sistema Nacional de Saúde (SNS), reduzir os riscos de transmissão de doenças como o HIV e hepatites, diminuir o número de mortes por overdose e reduzir os danos no espaço público.
Ernesto Paulo Fonseca falou do que tem sido observado e estudado nas salas de consumo existentes na Europa e defendeu que os objetivos têm-se traduzido em evidências. O mestre em Psicologia e professor na Universidade do Porto (UP) apontou para um menor número de mortes e infeções, menor desordem e consumo no espaço público, e maior acesso à rede de serviços sociosanitários e a estruturas de tratamento.
Segundo o académico, outra das evidências é o facto de o consumo de droga não registar nem aumento nem decréscimo, ainda que acredite que a última hipótese possa vir a acontecer.
Ernesto Paulo Fonseca falou ainda “ganhos superiores a custos”, e justificou a ideia com as poupanças que os Ministérios da Saúde, da Administração e da Justiça têm registado.
O professor explicou também que até à década de 70 o consumo de droga era encarado como um crime e que, nas décadas posteriores, passou a ser visto como uma doença. O Presidente da Associação Portuguesa de Adictologia, João Curto, concordou e acrescentou que é imperativo “dar-lhes [aos consumidores] o direito de serem tratados tal e qual outra doença crónica”.
Em 2013, 11% dos consumidores portugueses eram portadores de HIV e 11% eram sem-abrigo. No Porto, o registo de 430 mil seringas partilhadas é um dos argumentos a favor da criação dos espaços. Os dados chegaram do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT), pela exposição do diretor executivo da Agência Piaget para o Desenvolvimento (APDES), José Queiroz.
José Queiroz declarou que os serviços de saúde, nos quais estão inseridas as salas de consumo assistido, devem ser “locais de humanização” que recuperem os direitos dos “utilizadores”.
Atualmente, segundo dados do Observatório, há 77 salas de consumo em nove países da Europa, sendo que a vizinha Espanha conta já com 12 espaços para o efeito. José Queiroz explicou os dados com o grande envolvimento entre munícipes e autarcas e com a participação ativa não só de técnicos e académicos, como também das ONG’s, da comunidade e dos próprios consumidores.
Se a criação de salas de consumo assistido é uma opinião unânime, a única questão que parece dividir minimamente os oradores ou, pelo menos, levá-los à reflexão, é a do momento em que a discussão foi a aberta. Seja uma questão prioritária ou não, os oradores apelaram a que a unanimidade técnica se reflita em unanimidade política.
A Associação de Consumidores do Porto, CASO, lamentou a espera de quinze anos – desde que há uma lei que permite a existência de salas de consumo – para se abrir o debate. Por isso mesmo, o representante da associação afirmou que está mais do que na hora do Porto andar para a frente.
O painel de oradores, moderado pelo presidente da Assembleia Municipal, Miguel Pereira Leite, contou com a presença dos professores da FPCEUP, Luís Fernandes e Ernesto Paulo Fonseca, com o presidente da Associação Portuguesa de Adictologia, João Curto, com o diretor executivo da Agência Piaget para o Desenvolvimento (APDES), José Queiroz, e com o ex-dirigente do Instituto da Droga e da Toxicodependência, José Teixeira de Sousa.
Artigo editado por Sara Gerivaz