O Brasil vive a sua pior crise política desde o fim da ditadura, em 1985. É esta a convicção de vários órgãos de informação e de algumas personalidades do país. A nomeação do ex-Presidente Lula da Silva, pela atual presidente Dilma Rousseff, para o cargo de ministro da Casa Civil, desencadeou protestos nas ruas e foi interpretada como uma jogada política com o objetivo de proteger o anterior presidente da investigação do processo “Lava-Jato”. A investigação, liderada por Sérgio Moro, reagiu tornando públicas algumas escutas telefónicas de conversas entre Lula e Dilma.

Para Licínio Lopes Martins, professor de Direito da Universidade de Coimbra, o que está a acontecer neste momento no Brasil “é um claro conflito entre o poder soberano político e o poder judiciário também soberano”, afirmou o professor da área de Ciências Jurídico-Políticas ao JPN.

“A nomeação de Lula e a sua consequente investidura são atos políticos e, portanto, não estão, à partida, sobre escrutínio jurisdicional”, esclarece Licínio Lopes Martins. O professor afirma ainda que apesar do ex-presidente ser alvo de investigação, isso significa “que há apenas indícios de que algo está mal” e que a “presunção de inocência é um valor essencial”. O Governo está fragilizado e exposto ao escrutínio total do povo e do poder jurisdicional. “Nessas situações a tentação é que o judiciário se intrometa no espaço político. O que representa um problema para o Estado de Direito do Brasil”, salienta Licínio Martins.

De que vale a Lula a “prerrogativa de foro”?

A nomeação de Luís Inácio Lula da Silva como ministro da Casa Civil, pela presidente Dilma Rousseff, daria ao antigo presidente uma prerrogativa de foro ou foro privilegiado nas investigações do “Lava-Jato”. Isso significaria que Lula seria julgado somente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o equivalente ao Supremo Tribunal de Justiça português. Mas será esta uma manobra para que Lula seja julgado por uma corte dentro dos corredores de Brasília? “A história prova que as decisões do STF não têm ajudado o Partido dos Trabalhadores (PT) e poderá não favorecer Lula”, afirmou Luis Carlos Celestino, advogado brasileiro, ao JPN. Exemplo deste facto foi o caso do “Mensalão” no qual o relator do processo foi nomeado por Lula e que, entre muitos outros, envolveu e condenou o membro do PT e ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu.

O advogado da área do Direito Civil e do Trabalho no Brasil tem uma opinião próxima da de Lula da Silva no que toca ao papel da imprensa neste processo. Numa das escutas intercetadas entre o ex-presidente e a atual, Lula comenta que as instâncias judiciais se estão a apoiar na imprensa com um objetivo político: “Eles [o poder judicial] estão convencidos de que com a imprensa chefiando qualquer processo investigatório, conseguem refundar a República”, declarou.

Luis Carlos Celestino é da opinião que “Lula quando assumiu o cargo de presidente fê-lo contrariando interesses anteriores” e que “os grandes media nunca o engoliram”. “As pessoas tinham um medo histórico dele, pode ser comunista, socialista, de esquerda e resistiram até quando puderam”, considera Luis Carlos Celestino. O facto é que o Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB) saiu do governo e Lula governou por dois mandatos. Depois foi eleita Dilma Rousseff em pleno “Mensalão”, em 2011, e reeleita em pleno “Lava-Jato”, no ano de 2015.

O clima é de tensão, revolta e tristeza no Brasil. O sentimento da população é de polarização. Há manifestações contra e a favor do governo e da decisão da presidente em nomear Lula ministro da Casa Civil. Está marcado para esta sexta-feira um protesto pró-governo na Avenida Paulista com a presença do ex-presidente, de acordo com o “Estadão”. Desde quinta-feira, na mesma avenida, que é uma das principais artérias na cidade de São Paulo, está a acontecer uma vigília contra o governo atual e a favor do “impeachment”, isto é, da destituição de Dilma.

Luís Inácio Lula da Silva teria sido empossado nesta quinta-feira ministro da Casa Civil, mas duas providências cautelares impediram-no. Em carta aberta divulgada ontem pelo antigo presidente, Lula da Silva criticou a divulgação das escutas telefónicas e reforçou que em oito anos de presidência teve a oportunidade de demonstrar “apreço” e “respeito” pelo STF. O antigo presidente está, neste momento, impedido de exercer as suas funções como ministro.

 

 

Artigo editado por Filipa Silva