O Presidente dos EUA dá mais um passo na aproximação ao velho inimigo da Guerra Fria. Obama chegou este domingo à capital cubana, depois de os dois países terem anunciado planos para restabelecerem relações diplomáticas, em dezembro de 2014. Segundo a secretaria de imprensa do Governo norte-americano, Obama vai procurar avançar nos laços comerciais, de forma a melhorar o bem-estar dos cidadãos cubanos.

Nos últimos meses, os Estados Unidos e Cuba têm demonstrado sinais de maior proximidade diplomática. O mês em que Obama e Raúl Castro anunciaram tréguas prolongadas foi marcado pela troca de prisioneiros entre os dois países, e pelo anúncio da reabertura das embaixadas em Washington e Havana, que acabou por acontecer em julho de 2015.

Em fevereiro, os dois países retomaram os voos comerciais, e no mês seguinte, a administração Obama anunciou que vai autorizar viagens para Cuba em visitas educacionais. Em abril, Obama retirou Cuba da chamada “lista negra”, uma lista norte-americana de países que incentivam o terrorismo.

A Casa Branca comunicou ainda o aumento do limite máximo de dólares que pode ser transferido de contas norte-americanas para contas cubanas. Os cidadãos cubanos vão poder passar a trabalhar nos EUA, abrir contas bancárias e receber bolsas de estudo. Depois de 48 anos sem haver trocas de cartas entre os cidadãos de ambos os países países, o correio postal vai ser retomado.

Ainda assim, o Governo cubano deixou claro que, apesar dos esforços, a normalização das relações entre os dois países americanos só vai ser possível com o levantamento do embargo e com a devolução do território de Guantánamo a Cuba.

O fim do embargo

Quando, em 2015, o Governo cubano anunciou o restabelecimento da embaixada em Washington, declarou que “não poderá haver relações normais entre Cuba e EUA enquanto for mantido o embargo.”

O chamado “el bloqueo” consiste na interdição a nível económico, financeiro e comercial imposta pelo Governo norte-americano em 1962. A atitude dos EUA surgiu em resposta ao confisco de bens de empresas e cidadãos americanos em Cuba, depois da revolução iniciada por Fidel Castro, em 1959.

Ainda que o Presidente dos Estados Unidos tenha reconhecido que “o isolamento não funcionou” e tenha demonstrado a vontade de começar “um novo capítulo”, o fim do embargo continua dependente das escolhas do Congresso norte-americano, de maioria republicana.

O embargo tornou-se lei no início dos anos 90 e foi ampliado no fim da década, quando o presidente Bill Clinton aumentou a proibição comercial entre as duas nações. O então Chefe de Estado norte-americano limitou as comercializações entre filiais estrangeiras de empresas americanas e Cuba a valores iguais ou inferiores a 700 milhões de dólares por ano. Em 2004, o Governo de Bush intensificou o confronto entre os países, ao agravar as ações contra o turismo e os investimentos em Cuba e ao restringir os fluxos financeiros e as remessas familiares.

Apesar da medida aplicada por Clinton continuar vigente, o embargo não impede completamente o relacionamento entre as economias estadunidense e cubana. A partir de 2000, foi autorizada a exportação de alimentos dos EUA para Cuba desde que o pagamento fosse realizado antes que as embarcações saíssem dos portos dos Estados Unidos.

Devolução de Guantánamo

A devolução do território ocupado pela base naval norte-americana mantém-se como uma condição para que  se retomem as boas relações de que já não há memória. Arrendada pelos EUA a Cuba desde 1903, a prisão de Guantánamo ganhou fama quando, em 2002, a administração de Bush passou a usá-la para prender e torturar suspeitos de terrorismo.

Dos 780 detidos que passaram pela prisão de base naval, restam hoje 91. Uma das primeiras promessas de Obama quando entrou para a Casa Branca foi encerrá-la, mas, até agora, continua por cumprir, até porque essa decisão depende também do Congresso.

Reações

Quando Obama anunciou no Twitter uma visita a Cuba, foram várias as vozes contra, das quais se destacam as dos candidatos republicanos, Marco Rubio e Ted Cruz, ambos de ascendência cubana. Cruz declarou que Obama demonstrou “fraqueza” ao “agir como um apologista [do regime] em vez de fazer pressão para uma Cuba livre.”

O JPN esteve à conversa com o Paulo Gorjão, membro do Instituto Português de Relações Internacionais e Segurança (IPRIS) que considera a visita de Obama a Cuba “um momento simbólico que não vai causar impacto no Governo cubano.”

O cronista afirmou que “qualquer alteração que haja no regime não vai ser causada pelos Estados Unidos e que Cuba irá caminhar pelo seu próprio pé.” Por último, ainda que acredite que o reatar das relações seja um fator positivo, Paulo Gorjão julga que o mesmo “peca por ser tardio”.

O ativista cubano Guillermo Fariñas, vencedor do prémio Sakharov em 2010, considera a possibilidade do fim do embargo dos EUA um “fator positivo”. A normalização das relações entre os países poderá melhorar a “má situação económica e social dos cubanos” na opinião de Fariñas através do desenvolvimento empresarial e das trocas comerciais.
O povo cubano está “expectante e esperançado” de acordo com Guillermo Fariñas  mas o escritor e jornalista não deixa de criticar Obama por reatar relações com um governo que não foi eleito democraticamente,

Guillermo Fariñas acredita que a visita de Obama poderá ter influência no regime cubano, mas só quando “houver um governo capaz de negociar com os Estados Unidos” em Cuba, já que para o ativista cubano o atual tem “as mãos sujas de sangue”.

Um dos principais opositores ao regime dos Castro reúne-se esta terça-feira com Barack Obama em conjunto com outros representantes da sociedade civil cubana.

Aquele que é o embargo mais longo da história é formalmente condenado pelas Nações Unidas. O relatório anual da ONU de 2015, intitulado “Necessidade de pôr fim ao bloqueio económico, comercial e financeiro dos Estados Unidos contra Cuba”, indica que as perdas acumuladas desde o início do embargo rondam os 833 biliões de dólares.

As perdas foram causadas pela necessidade de recorrer a mercados longínquos, pela impossibilidade de venda de produtos aos Estados Unidos, e pelos negócios que não se concretizaram devido às sanções impostas pelos EUA a empresas e bancos estrangeiros.

Além de restaurar as relações diplomáticas com Cuba, Obama prometeu honrar o respeito pelos Direitos Humanos no mundo, nas palavras que escreveu na sua conta do Twitter, quando anunciou a visita oficial à capital cubana.

Ainda que o Governo cubano já tenha avançado a ideia de que a discussão sobre políticas internas não estarão em cima da mesa, vários ativistas cubanos apelaram num comunicado ao fim da repressão e da violência e ao início de uma “mudança radical”.

O encontro com o presidente cubano Raúl Castro é apenas um dos pontos da agenda. A visita oficial de Obama a Havana, que começou esta segunda-feira de manhã e deverá terminar na terça-feira, inclui também o encontro com empresários, representantes de diferentes estratos da sociedade civil, e dissidentes políticos.

Artigo corrigido às 10h48 de 22 de março. Guillermo Fariñas considera um “fator positivo” a possibilidade de fim do embargo dos Estados Unidos a Cuba e não a visita de Obama conforme inicialmente mencionado. Foi ainda adicionada uma nota sobre o encontro entre o dissidente e o presidente dos Estados Unidos em Havana, Cuba.

Artigo editado por Sara Gerivaz