Depois do Japão, da Índia, do México, do Brasil e da Indonésia, também na Alemanha estão a ser disponibilizadas carruagens exclusivas para mulheres nos comboios.
A companhia ferroviária Mitteldeutsche Regiobahn (MRB) criou carruagens exclusivamente destinadas às utentes da linha que liga Leipzig a Chemnitz, o único percurso do projeto, nesta primeira fase.
A medida foi anunciada na semana passada, dias depois da acusação formal de um cidadão argelino de 26 anos, que terá agredido sexualmente uma mulher no dia de Ano Novo, na Estação Principal de Colónia, ter chegado à justiça. Esta decisão da ferroviária alemã foi imediatamente ligada a este incidente. No entanto, a Mitteldeutsche Regiobahn comunicou que a medida não tem qualquer ligação aos ataques e que o objetivo é proporcionar um ambiente mais seguro para todos as viajantes. Crianças, incluindo rapazes, até aos dez anos, vão também poder viajar nestas carruagens.
Segundo o porta-voz da MRB, a empresa criou estes compartimentos a pedido dos próprios passageiros que exigiam “mais privacidade”. “Não tem nada a ver com assédio sexual”, acrescentou o porta-voz da empresa ferroviária à emissora MDR, na semana passada. “Esta é uma oferta de um serviço extra, usando os exemplos do sistema rodoviário austríaco”, explicou.
“Reservado a mulheres”
A Alemanha não é o único país europeu a fazer este tipo de distinção entre os sexos, nos transportes públicos.
No verão passado, o político britânico Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhista, propôs que se criassem compartimentos exclusivos para o sexo feminino nos transportes públicos do Reino Unido, para que se tornassem “mais seguros”. No entanto, a medida foi rejeitada pelos defensores dos direitos das mulheres, que acusaram Corbyn de estar a liderar um processo regressivo na igualdade de género.
A empresa ferroviária alemã Deutsche Bahn, detida pelo governo alemão, disponibiliza um compartimento das carruagens para mulheres que viajam sozinhas, durante a noite, e para pais que viajem com crianças.
Uma operadora ferroviária da República Checa lançou, em 2012, uma secção de mulheres, na qual os homens também se poderiam sentar, a menos que as utentes não autorizassem. A operadora austríaca ÖBB também tem secções exclusivas para as mulheres. Também na Suíça, a empresa de comboios SBB tentou um projeto-piloto semelhante, há 15 anos.
Desde os anos 90, várias cidades alemãs destinam espaços de estacionamento “reservados a mulheres”. Os espaços foram equipados com mais iluminação, vigiados por câmaras de segurança e instalados próximos das saídas dos parques de estacionamento, depois de condutoras do sexo feminino terem expressado preocupação sobre agressões sexuais. Exemplo disso é o Aeroporto de Frankfurt.
“Medidas preventivas inclusivas não separativas”
Para a organização União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), “esta medida não promove a igualdade de género”. Apesar de o combate às agressões sexuais ser o motivo para esta decisão, a presidente da associação considera que a medida é “segregadora” e que “restringe a liberdade da mulher, colocando-a ou reforçando a sua posição de inferioridade”. Desta forma, “o problema é colocado sobre as vítimas e não nas pessoas que têm comportamentos inaceitáveis”, explica.
Segundo o que o JPN apurou junto da DECO, que criou um portal para queixas relacionadas com os transportes, não há registo de qualquer agressão sexual nos transportes públicos. No entanto, a UMAR acredita que uma proposta como a da empresa ferroviária MRB poderia acontecer em Portugal. No entanto, a presidente da associação, acredita a medida não seria “aceite nem teria permanência” em Portugal. Maria José Magalhães dá o exemplo da segregação por sexo, no ensino, que “não foi muito bem aceite na população em geral”.
Apesar da medida ter sido pensada como forma de proteção de grupos vulneráveis, como é o caso das mulheres, a presidente da UMAR acredita que ao criar-se “um espaço separado para homens e mulheres, promove-se a continuidade das desigualdades entre sexos”.
Maria José Magalhães admite que com a divisão de carruagens entre os sexos se pode “transmitir a mensagem de que são as vítimas que têm de se deslocar e sair da sua zona de conforto, ao invés de serem os agressores a serem punidos/as”.
A presidente da associação coloca a tónica num aspeto: a homossexualidade. “Deve ter-se em conta que a violência e o poder nas relações de intimidade não se limitam apenas às relações heterossexuais e que, portanto, o facto de ter um grupo apenas de mulheres numa mesma carruagem não significa que deixe de haver assédio e que estas estejam protegidas”, sublinha.
A docente defende que se deve apostar em medidas “preventivas, inclusivas e englobadoras e não separativas” e que a solução para este tipo de questões segregacionistas se deve centrar na “promoção de ações de educação dos jovens para a cidadania e não em ações que promovam esta divisão como se ambos os sexos não pudesse coabitar no mesmo espaço”, conclui.
Artigo editado por Filipa Silva