Quem passou, esta sexta-feira, pela Rotunda da Boavista, viu um movimento pouco comum. Os que pararam e ficaram, perceberam que se tratava de uma manifestação em solidariedade com os 17 ativistas detidos em junho do ano passado e condenados pela justiça angolana na passada segunda-feira.

Já passava das 16h00, José Leal ainda andava de um lado para o outro a empurrar um carrinho de compras com cartazes e espeques de madeira dentro. Ia ter com os amigos que já estendiam e pintavam cartazes, no parque da rotunda. Mais tarde, perceberíamos que Riça, como é conhecido, é o rapaz do megafone que faz as pessoas gritarem a uma só voz.

Ao JPN, Riça disse que “o pouco que se pode fazer cá deve servir para pedir aos dirigentes angolanos para libertarem os presos políticos, e aos dirigentes portugueses para fazerem um boicote, ao não apoiarem as negociações com Angola.” Acrescentou que deve haver em Angola “a mesma liberdade para as pessoas se exprimirem politicamente, como nos países do primeiro mundo”, e comentou a votação de quinta-feira na Assembleia da República.

No dia das mentiras, Maria Leonor Figueiredo, uma das vozes motoras da marcha, recordou as “ilegalidades do julgamento e trapaças à lei angolana, que sustentaram todo o processo” que revelam “algum medo ou desconforto por parte do governo angolano do que se possa estar a passar.”

Leonor criticou a atitude de Portugal que, como país democrático, “não devia fechar os olhos a uma situação que se equipara à de uma ditadura”, principalmente quando se trata de um país com quem mantém “fortes relações comerciais e diplomáticas”. Antes de voltar para as tintas e faixas, Leonor condenou a justificação da ingerência num assunto interno, justificando-se, por sua vez, com a prioridade das questões humanitárias relativamente a questões políticas.

As dezenas de cartazes sobre a relva chamavam os olhares atentos de quem lá passava. Entre muitas frases e palavras de ordem, lia-se: “espalhar a liberdade, soltar as ideias”. José Leal deu corpo à expressão e pintou, numa faixa branca, o retrato de Nito Alves, condenado a quatro anos e seis meses de prisão, e várias “t-shirts” onde cada pessoa pôde escrever o que quis. O estudante da Escola Superior de Artes e Design (ESAD) explicou a simbologia do desenho, e fê-lo ao pé do monumento que representa a vitória de Inglaterra e Portugal sobre o exército de Napoleão. O desejo de quem marcou presença na marcha é que juntos consigam também “destruir o império de Zédu [uma referência ao presidente de Angola, José Eduardo dos Santos]”.

Ao fundo da confusão, está uma jovem a ler “Da ditadura à democracia”, o livro de Gene Sharp cuja leitura e discussão serviu em Angola como base de acusação de todo o processo. Um livro que, para Patrícia Costa, “nos faz pensar sobre como é que podemos mudar aquilo com que não concordamos, mas que não é razão para ninguém ser preso.”

Iniciada a marcha até ao Consulado de Angola, pelo passeio, para respeitar os alertas da PSP,  entoaram-se palavras de ordem a pulmões cheios. Chegados ao destino, os manifestantes prenderam os cartazes em grades, como que a representar a realidade, leram textos e músicas, e agendaram data para nova manifestação, dia 25 de abril.

No dia em que se festeja a liberdade em Portugal, os manifestantes vão gritar por quem não a tem, em frente à Câmara Municipal do Porto, por volta das 15h00. O Riça, a Leonor, a Patrícia e tantos outros que na sexta-feira deram voz à causa vão “continuar a luta, até ao fim da ditadura”.

 

Artigo editado por Filipa Silva