O caso do iPhone de Seyd Farook levantou questões importantes. Se por um lado se fala do direito de privacidade, por outro questiona-se o livre acesso das autoridades policiais aos dados pessoais de cada indivíduo.
Em várias cidades dos EUA organizaram-se manifestações de apoio à Apple que se recusou a ajudar o FBI, alegando que se o fizesse, isso poderia pôr em causa a proteção de dados dos seus clientes.
Em causa está o facto de o FBI ter conseguido desbloquear o iPhone de um dos atacantes de San Bernardino sem a ajuda da Apple. O FBI conseguiu o que queria, mas o caso abriu um precedente jurídico e técnico.
Pedro Miguel Freitas, professor de Direito e Informática na Universidade do Minho (UM) afirma que o que está em causa neste processo é “a defesa do uso de comunicações seguras, quer aquelas que garantem o anonimato do remetente, quer as que usam métodos de encriptação para tornar inviolável o conteúdo da comunicação”.
Para o professor, as ferramentas são “absolutamente fundamentais no mundo moderno digital para assegurar direitos e liberdades fundamentais como a liberdade de expressão, a privacidade, a inviolabilidade da correspondência e o direito de informar e de ser informar”.
Porém, Pedro Freitas refere ao JPN que este diretos podem ceder em “situação limite”: “quando esteja em causa a segurança nacional de um país ou a ordem pública”. Pedro Miguel Freitas afirma também que, desde 2008, o FBI “requereu o auxílio ou da Apple ou da Google pelo menos 70 vezes” e que “a Apple tem vindo a auxiliar o FBI em investigações”.
O que há de diferente com este caso?
Na sequência do ataque de San Bernardino que vitimou 14 pessoas em dezembro do ano passado, foi recuperado pelo FBI o “smartphone” de Syed Farook, um dos autores do ataque. Como o “smartphone” possui um sistema operativo que encripta os dados do utilizador e não permite o acesso sem que seja inserido um código de segurança, o FBI pediu o auxílio da Apple para que criassem uma nova versão do sistema operativo que contornasse os mecanismos de segurança existentes.
Pedro Miguel Freitas explica que o que neste caso se diferencia dos demais “é, precisamente, o objecto do pedido do FBI”. “Não estamos a falar do acesso a apenas um telemóvel, mas sim de um pedido de criação, pelo fabricante do ‘smartphone’, de um ‘software’ intencionalmente inseguro que, uma vez criado e colocado em mãos erradas, pode ser usado maliciosamente”, continua.
“O caso deixou marcas que ainda vão dar que falar”
Pedro Miguel Freitas assegura que “o caso deixou marcas que ainda vão dar que falar”. O professor menciona ainda que espera, “com expectativa”, a reacção da Apple.
“Será que também a Apple vai recorrer aos tribunais para obrigar o FBI a revelar como conseguiu ter acesso aos dados e assim utilizar essa informação para melhorar os seus produtos? Vai porventura ao limite do que é tecnologicamente possível para reforçar a segurança dos seus produtos, comprometendo assim qualquer tentativa futura do FBI de aceder a dados?”, questiona o professor.
Pedro Miguel Freitas está convicto de que a questão da encriptação e do acesso a dados pessoais dos cidadãos “vai continuar a ser tópico de debate particularmente aceso”, uma vez que “de um lado, temos a privacidade e liberdade de expressão e, de outro, a segurança”.
“Temos novas propostas legislativas como, por exemplo, a inglesa que é comumente conhecida por ‘Snooper’s Charter’ que, uma vez promulgada, permitirá, entre outras coisas, que os poderes de investigação criminal se estendam no mundo digital”, remata.
Artigo editado por Sara Gerivaz