De novembro a finais de março, João esteve cinco meses à espera do estágio. Um emprego surgiu-lhe nas vésperas da última data apontada pelo Ministério da Justiça para a reunião que vai dar início ao Programa de Estágios Profissionais da Administração Central (PEPAC). Aceitou-o.

João Parreira e Goreti Ramalo fazem parte do grupo de 223 pessoas aceite no PEPAC na área da Justiça. A terceira edição do programa devia ter começado a 1 de outubro, mas a falta de verbas ditou que mais de 160 tenham ficado em casa. Após quatro adiamentos sobre as datas de início do estágio, o veredito do Ministério da Justiça obrigou a maioria dos estagiários a esperarem pela aprovação do Orçamento do Estado de 2016 para iniciarem funções. Uma nova carta anunciava que a reunião de início dos estágios seria a 4 de abril.

A espera não compensou para João, que optou por outro emprego. Há um ano, tinha ficado na primeira vaga não ocupada de um concurso para técnicos superiores, com vínculo à Função Pública: “Em março telefonaram-me a dizer que tinham uma vaga e que iria ser recrutado se tivesse interessado”. Estava interessado. “Ligaram-me e então não compensava esperar, não é?”.

Goreti andou em sentido contrário. Em novembro, pensando que ao terceiro adiamento seria de vez, deixou o emprego que tinha: “Eu estava num restaurante, ganhava o ordenado mínimo. Saí para iniciar o estágio a 1 de dezembro. Perdi o ordenado de dezembro, janeiro, fevereiro e março”, conta. Em janeiro procurou outras possibilidades no mercado, mas as ofertas não chegaram. Acabou por ficar à espera.

Os quatro ordenados que Goreti perdeu ficam por conta dela. “Apesar da nossa insistência, não nos foi dito nada quanto aos prejuízos causados. Apenas pedem desculpa em nome do Ministério da Justiça e não dizem mais nada”, confessou. A jovem apresentou queixa junto do Provedor de Justiça, mas as respostas não apresentaram solução: “Eles diziam que já estavam a tentar resolver a situação. Eu ia ligando e era sempre esta a resposta”, contou ao JPN.

A culpa é da “política”

No total, 168 pessoas ainda não entraram ao serviço. No início de março, o Ministério da Justiça desbloqueou os constrangimentos que impediam que os estagiários assinassem os contratos do PEPAC. O Ministério confirmou ao JPN que está “previsto que o início de funções ocorra no próximo dia 4 de abril e que poderão entrar mais 108 numa segunda fase”. Segundo o Ministério perfazem-se assim “os 326 estagiários que o INA (Direção-Geral da Qualificação dos Trabalhadores em Funções Públicas) destinou ao Ministério da Justiça.”

João e Goreti atribuem a culpa do atraso à Direção-Geral de Administração e da Justiça (DGAJ), que promoveu o contrato e colocou os estagiários. “Foi na fase que era da responsabilidade da Direção-geral que surgiram atrasos e desculpas que não são justificáveis. Se eles tinham vagas e as vagas não foram preenchidas na totalidade, haveria à partida uma almofada financeira”, defende João.

O presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais afirmou ao JPN que recebeu “bastantes queixas na altura, mas agora já não”. João reitera que os estagiários não tiveram apoio do sindicato nem de associações de trabalhadores. “Mesmo as respostas dos grupos parlamentares foram um pouco tardias. Foi só com grande pressão de alguns estagiários mais ativos que isto andou mais para a frente”, assegurou ao JPN.

O jovem acusa o Governo de Passos Coelho de não ter assegurado o início do estágio na data prevista. Entretanto, houve eleições e com a mudança de Governo, na opinião de João, “foram passando a batata quente uns para os outros”, defendeu o jovem.

Que garantias para os estagiários?

João e Goreti são ambos solicitadores, com 27 anos. Ele colocado na Comarca de Aveiro, ela na de Leiria. Apesar de não se conhecerem, as histórias que conhecem são as mesmas: “Sei de um caso de uma pessoa do Continente que foi colocada nos Açores, contraiu um contrato de arrendamento, vinculou-se a esse contrato. Isto a uma sexta-feira, com a certeza de que na segunda iria iniciar o estágio e depois não se verificou”, conta João. “Fui ver as rendas a Leiria, mas depois acabei por cancelar. Houve essa antecipação da minha parte, mas há colegas meus que chegaram mesmo a assinar contrato,” é o exemplo que Goreti dá.

Ambos conhecem histórias, entre os grupos do facebook dos estagiários do PEPAC, de pessoas que dia 4 não se vão apresentar ao serviço.

“Garantia, garantia nunca. Não nos deram assim muitas informações, mas o Ministério da Justiça nem sabia o que se estava a passar, só mais tarde é que souberam”, afirmou Goreti. “Nunca nos adiantaram grandes novidades. [As comarcas] diziam sempre que era responsabilidade da Direção Geral”, completou João, voltando ao “passa a batata quente”.

Mas a falta de garantias dos estagiários do PEPAC estendem-se ao período pós-estágio, após o qual os jovens não têm possibilidade de ficar empregados no local de estágio. Cláudia Pimentel, também colocada no programa, lançou em fevereiro uma petição pública em que pede a criação da possibilidade de vínculo à entidade empregadora dos jovens estagiários dos programas de Administração Pública Central e Local. A petição está aquém das quatro mil subscrições necessárias para ser apreciada na Assembleia da República.

No entanto, o presidente do Sindicato de Funcionários Judiciais acredita que esta mudança é pouco provável. “Se os PEPAC se viessem a converter em trabalhos definitivos, as pessoas não integradas neles iriam apresentar queixa e ganhavam”, afirmou ao JPN. A proposta do sindicato prende-se ao nível do acesso ao concurso público: “Aquilo que nós defendemos é que os concursos para oficiais de justiça devem ser públicos, abertos a licenciaturas que permitam o desempenho, nomeadamente Direito, Solicitadoria, Sociologia, Gestão. É preciso abrir a porta a toda a gente, agora entrar pela janela e depois sair pela porta também não faz sentido”, rematou.

55 foram colocados em fevereiro

A 14 de janeiro, Diana Seabra era uma das estagiárias na lista de espera, confessou ao JPN. Na altura via-se perante uma situação de “colocados de primeira e de segunda”, como classificou o processo de colocação dos candidatos ao PEPAC. Diana acabou por ter a sorte de fazer parte do grupo de 55 estagiários colocados numa primeira fase, já prevista em janeiro pelo Ministério da Justiça.

Diana mudou de casa, de Estarreja para Santa Maria da Feira, recusou propostas de trabalho e acumulou contas de renda desde outubro até fevereiro, data em que foi aceite no programa. Hoje o balanço é positivo, mas nunca lhe foram dadas compensações pelos meses de espera.

 

Artigo editado por Filipa Silva