Quando se pensa no futuro e nos desafios que o Ensino Superior enfrenta, uma das maiores preocupações é se vai continuar a haver alunos suficientes para manter as universidades e os politécnicos. Para tentar antecipar e planear o que vai acontecer, é preciso ter em linha de conta a evolução demográfica.

A sociedade portuguesa está envelhecida e, portanto, há muito menos jovens em idade escolar, do que há 10, 15 ou 20 anos. Entre 1990 e 2014, a população na faixa etária dos 15-19 anos diminuiu 35% – de 848.588 para 549.922. Se há menos jovens, há menos candidatos ao Ensino Superior.

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A maioria dos que entram no Ensino Superior fazem-no com 18 anos e, portanto, as instituições podem prever com 18 anos de antecedência a afluência em determinado ano letivo. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), no âmbito da previsão da população residente entre 2012 e 2060, perspetiva-se uma taxa de crescimento negativa de 2% nos jovens com 18 anos, entre 2015 e 2020. Entre 2020 e 2030, a situação agrava-se com uma diminuição de 14,2%.

O ano de 2019 regista a queda mais acentuada deste período. Relativamente ao ano anterior, 2019 vai ter menos 9.181 jovens com 18 anos, uma quebra de, aproximadamente, 8%.

Segundo dados da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), desde 2010/2011, o número de inscritos no Ensino Superior no primeiro ano, pela primeira vez, diminuiu de 102.895 para 87.325, em 2014/2015. Uma descida que ronda os 15%, em apenas quatro anos.

Joaquim Mourato é presidente do Instituto Politécnico de Portalegre, situado numa região do interior com menor densidade populacional, com menos jovens e, por isso, com menos candidatos ao Ensino Superior. O Instituto Politécnico de Portalegre “há muito sofre quebras em termos demográficos”, o que “tem um efeito tremendo” na instituição, refere o também presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP).

O responsável do IP Portalegre considera que o facto da região do Alto Alentejo ter uma baixa demografia, influencia diretamente a dinâmica económica e social e, por isso, “as instituições também sentem esse baixo dinamismo nas relações que estabelecem”, o que dificulta a que “cumpram a sua missão na plenitude”.

Já o presidente do Instituto Politécnico de Bragança (IPB) defende que o futuro das instituições de Ensino Superior, no que respeita ao número de alunos, “não vai resultar do impacto da queda demográfica mas sim de uma insuficiente política de coesão nacional”.

Se o encerramento das escolas já assombra os ensinos Básico e Secundário, talvez seja a vez das universidades lidarem com o fecho de portas. Nos últimos 10 anos, registou-se uma aproximação entre o número de candidatos e de vagas, tendo mesmo havido uma procura menor que a oferta em 2013 e 2014. O facto preocupa as instituições porque menos alunos significa uma diminuição também do orçamento, dado que a fórmula de financiamento do Ensino Superior tem em conta o número de alunos de cada instituição. As universidades mais pequenas serão, por isso, as mais afetadas.

O vice-reitor para a Formação e Organização Académica da Universidade do Porto (UP), admite que “as universidades resistem melhor do que os Politécnicos” e que as instituições localizadas “na faixa litoral mais populosa, mais dinâmica do ponto de vista económico, também resistem melhor ou sofrem menos efeitos”. Pedro Teixeira adianta ainda que “o setor público tem resistido muito melhor do que o setor privado” e explica que os cursos que estão associados a remunerações e a perspetivas de empregabilidade mais elevadas também “resistem” melhor.

Sobrinho Teixeira, do IPB, responsabiliza a “insuficiente política de coesão nacional”. Para o responsável transmontano, o problema reside essencialmente no modelo de acesso. “Nós podemos é discutir os modelos de acesso ao Ensino Superior”. Na visão do professor, a entrada nas universidades em Portugal é “restritiva” e “muito mais exigente”, o que leva a que haja menos alunos a concluir os cursos.

“Eu acho que Portugal continua amarrado a uma política elitista de Ensino Superior que vem do Estado Novo”, com uma percentagem diminuta de jovens no Ensino Superior, “em que bastava o título de ‘doutor’ para se ter acesso a uma carta de alforria que garantia um bom estatuto social e um bom emprego”, sublinha.

O abandono escolar no Secundário

A análise da evolução demográfica não é suficiente para perspetivar o futuro das universidades portuguesas. É preciso garantir que os jovens em idade de frequentar o ensino obrigatório, frequentem-no efetivamente. No que diz respeito ao Ensino Secundário, por exemplo, a taxa real de escolarização está ainda longe dos 100%.

No ano letivo 2014/2015 estendeu-se a escolaridade obrigatória aos 12 anos, o que significa que todos os jovens ficaram obrigados a frequentar a escola até ao 12º ano de escolaridade ou até aos 18 anos de idade.

A taxa real de escolarização do Ensino Secundário, rondou, em 2014, os 74%, o que significa que 26%  da população entre os 15 e os 17 anos não estava inscrita. “Estamos longe de estar a cumprir a escolaridade obrigatória dos 12 anos”, afirma Luísa Cerdeira, do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa (UL). Para a docente, “é preciso tomar medidas que incentivem a real escolarização, que está na lei mas não está na prática”, o que faria com que mais alunos concluíssem o ensino secundário e estivessem em condições de concorrer ao Ensino Superior.

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Assim, o abandono escolar é um fator a ter em conta quando se discute o futuro do Ensino Superior. O abandono é uma “questão importante”, porque se está ainda um pouco distante das metas europeias e daquilo que é ambicionado”, alerta o presidente do Politécnico de Portalegre.

Joaquim Mourato põe a tónica no fator regional quando fala do assunto. “O abandono escolar é um problema nacional mas com causas e dimensões diferentes em cada região” e acredita que para o combater, os programas nacionais não são suficientes.

Para o presidente do IP Portalegre, as instituições universitárias “têm um papel importante neste domínio porque o abandono não acontece só no Ensino Secundário mas também no Ensino Superior”. Segundo dados do Portal Infocursos, a taxa de abandono no Ensino Superior público (Universitário e Politécnico), nas licenciaturas, baixou de 12,2% no ano letivo 2012/2013 para 10,3% em 2013/14, atingindo um total de 4.819 estudantes.

Para tal, são necessárias “respostas articuladas, conjuntas”, mas sobretudo ações regionais “com os seus atores, com as escolas secundárias, com as instituições de Ensino Superior, com as autarquias, para fazer um trabalho muito focado e dirigido na especificidade desta e daquela região”, aponta o presidente do Politécnico de Portalegre.

O tema preocupa diversos agentes no setor. Os estudantes escolheram-no para uma campanha lançada por altura do Dia do Estudante, ao passo que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior tem em curso um estudo sobre o fenómeno, a cargo do professor Carlos Farinha.

O vice-reitor para a Formação e Organização Académica da UP acredita que esse trabalho tem de ser feito mais ao nível do Ensino Básico e Secundário, e que “pode passar pela diversificação da oferta formativa dos percursos de formação ao nível do Ensino Secundário”, pelo “acompanhamento ao nível pedagógico da orientação vocacional”.

Para Pedro Teixeira, a universidade deve “sobretudo valorizar e tornar mais visível que continuar os estudos é algo muito vantajoso para os jovens, do ponto de vista da sua realização pessoal, das oportunidades na sua trajetória profissional” e destaca a Mostra da UP como um exemplo de esclarecimento das possibilidades de formação para os jovens.

“As nossas habilitações são ainda muito baixas”

Segundo dados de Luísa Cerdeira com a Pordata, em 2014, nos 28 países da União Europeia, 75,8% da população entre os 25 e os 64 anos  tinham pelo menos o Ensino Secundário. No mesmo ano, em Portugal, só 42,3% tinham completado o mesmo nível. “As nossas habilitações são ainda muito baixas”, considera Luísa Cerdeira. A investigadora admite que este desfasamento entre os países europeus “é de qualificações e não financeiro”.

Para a investigadora, as universidades têm dois caminhos possíveis: “Ou eu penso a universidade apenas para os jovens e abandono o resto da população e espero que, estatisticamente, a situação demográfica se resolva, ou tenho de tomar atitudes no sentido de voltar a incentivar a população a estudar”, desafia Luísa Cerdeira.

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Para o vice-reitor da UP, “há formas diferentes de reagir”: uma é ajustando a oferta, por exemplo, redimensionando alguns cursos, o que “nem sempre é fácil” porque há investimentos em termos físicos e ao nível dos recursos humanos, que “dificultam a reconversão”. Por outro lado, Pedro Teixeira afirma que é necessário “diversificar a procura” e “olhar para outro tipo de formações e de públicos”.

A estratégia do Politécnico de Portalegre tem passado “pela diversificação na atividade e nos públicos”, explica Joaquim Mourato. “Procuramos ter licenciaturas diferentes, com alguma especialização e diferenciação regional, e também cursos de curta duração, mestrados profissionais e formação não formal”, refere o presidente.

Para Luísa Cerdeira, a alternativa para as universidades passa também por incentivar os adultos a concluírem o Ensino Secundário, para que depois se possam candidatar ao Ensino Superior. A professora acredita que é necessário “perspetivar a população no seu todo”, porque os analistas do Ensino Superior “não podem apenas ter como variável a população que está na idade dos 18-22”. Dada a mudança de paradigma no Ensino Superior, a formação contínua assume particular destaque.

“O público adulto é fundamental”, concorda Joaquim Mourato. “Um público que está na vida ativa e que precisa de se qualificar e outro que precisa de se requalificar porque tem de encontrar uma outra formação para entrar no mercado de trabalho”, salienta o presidente do IP Portalegre.

O ensino superior em 2030

Num documento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que perspetiva o que será a educação em 2030, a pirâmide do Ensino Superior, como é conhecida, vai-se inverter: menos licenciaturas, mais mestrados e doutoramentos. Estas ofertas “vão ter uma explosão de procura”, explica Luísa Cerdeira.

Nesse sentido, as universidades “estão a revelar cada vez mais a necessidade de formação contínua”, por exemplo através dos cursos de pós-graduação e de mestrados, acrescenta a investigadora. “Quanto mais as instituições têm correspondido a essas necessidades, mais procura têm tido”, conclui.

Pedro Teixeira, da UP, admite ter “dúvidas de que isso aconteça de uma forma generalizada”. O vice-reitor adianta que “é habitual que vá continuar a existir mais gente a fazer formação básica do que formação avançada”. No caso da UP, o vice-reitor refere que na instituição “a divisão é relativamente equilibrada”, entre estudantes de primeiro ciclo e de segundo e terceiro ciclos, o que se deve ao facto de a universidade “ser uma instituição em que a formação de pós-graduação está mais desenvolvida”.

O caminho da internacionalização

Luísa Cerdeira aponta uma outra variável a ter em conta quando se discute o futuro das universidades portuguesas: a internacionalização. As instituições portuguesas são cada vez mais reconhecidas, a nível internacional, o que contribui para a procura de estudantes estrangeiros.

Joaquim Mourato concorda mas não quer que esta estratégia de internacionalização “se esgote na mobilidade, no receber e enviar estudantes e professores”. “A própria instituição tem de ser internacional”. O Politécnico quer criar “um ambiente e uma cultura internacional para que o estudante, até o nacional, sinta que este ambiente é multicultural e multilinguístico”, informa.

Para a investigadora, esta abertura pode ser um “espaço relevante e um instrumento por parte das instituições de Ensino Superior”. “As grandes e as pequenas instituições não se podem apenas cingir à sua região ou ao seu país”, salienta Cerdeira e dá como exemplo o IPB, a terceira instituição nacional com maior número de estudantes internacionais e a primeira dos politécnicos.

Estatuto do Estudante Internacional

Este estatuto, em vigor desde 2014,  permite aos estudantes estrangeiros terem acesso a um concurso especial de acesso ao Ensino Superior português. Ao abrigo do Estatuto do Estudante Internacional, o estudante vem fazer toda a sua formação em determinada instituição e não apenas um semestre ou um ano como no programa Erasmus.

Segundo Joaquim Mourato, presidente CCISP, há mais de 5 mil estudantes internacionais em toda a rede politécnica e cerca de mil professores e técnicos em mobilidade, em mais de 50 países.

Na Universidade do Porto são 300 os estudantes com este estatuto.

O presidente do Politécnico de Portalegre e a docente universitária acreditam que se a internacionalização é, por um lado, uma “necessidade”, por outro, é uma “oportunidade”. “Estamos a trabalhar para que, dentro de algum tempo, tenhamos mais estudantes internacionais, mais professores de outros países, com projetos internacionais. Uma oportunidade para instituições como a nossa, que estão localizadas em regiões de baixa densidade populacional”, explica Joaquim Mourato.

 

Luísa Cerdeira abre o leque de opções: “No caso português, temos um espaço estratégico muito interessante para as instituições, o espaço da língua portuguesa”.

Pedro Teixeira aponta para países com “uma expansão demográfica significativa”, onde há uma “procura crescente de formação à escala mundial”, uma vez que “a oferta de Ensino Superior não tem muitas vezes nem a quantidade, nem a qualidade que os estudantes [desses países] procuram”, explica.

Artigo corrigido às 09h55 do dia 14 de março de 2016 com a alteração na frase “vão continuar a haver” para “vai continuar a haver”

Artigo editado por Filipa Silva