De acordo com o relatório da Comissão de Acompanhamento do Festival Marés Vivas a que o JPN teve acesso, existem três fatores de risco que podem ameaçar a Reserva Natural Local do Estuário do Douro (RNLED) durante os dias do evento: a pressão humana, o ruído e os resíduos. O Marés Vivas vai ter lugar, este ano, no Vale de S. Paio, em Canidelo, junto à Praia do Cabedelo.

O Relatório de Progresso da Comissão de Acompanhamento, criada pelo Ministério do Ambiente a pedido da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, faz recomendações ao promotor do evento, a “PEV Entertainment”, que terá o auxílio da Agência Portuguesa do Ambiente e do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas.

A comissão prevê a realização de um levantamento atualizado das espécies da reserva, a ser efetuado pelo Centro e Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto (CIBIO – UP). Neste momento, não existem estudos científicos, locais ou nacionais, acerca do impacto da atividade humana sobre a avifauna. A investigação vai identificar as aves e localizá-las através de GPS, com coordenadas geográficas e “censos dirigidos”, nos quais será indicada a contagem de acordo com as características e grupos de aves. A recolha dos dados vai ser efetuada em três fases, com início no dia 10 de julho e término no dia 10 de agosto, deste ano.

Para proteger o Estuário do Douro, o promotor do evento tem de apresentar à comissão de acompanhamento uma simulação do ruído dos equipamentos que vão ser instalados no recinto do festival. A simulação vai ser apresentada através de um mapa de ruído, até ao final de abril. Nessa altura, a “PEV Entertainment” tem também de apresentar medidas que descrevam estratégias de diminuição do ruído, considerado um dos impactos mais negativos que o festival tem para a RNLED. Por isso, o festival Marés Vivas vai ter início e terminar meia hora mais cedo do que o previsto até agora. Exceto no primeiro dia, em que o evento começará ainda mais cedo.

Marés Vivas espera 20 mil visitantes por dia

Mas não é só o promotor do evento que terá responsabilidades na minimização do ruído. A comissão prevê um plano de medições acústicas a realizar pelo Laboratório de Acústica da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, junto à área de nidificação das aves.

Outro fator que preocupa a comissão de acompanhamento do Marés Vivas é o impacto da pressão humana, uma vez que o festival tem, segundo o relatório, uma afluência de cerca de 20 mil visitantes por dia. Assim, é pedido ao promotor do festival que submeta à comissão encarregue de acompanhar a organização do festival, o “layout” do evento com as áreas de tampão de acesso à reserva. O uso de automóvel privado deve ser minimizado ao longo do evento.

Para diminuir a produção de resíduos, nos dias em que decorre o Festival Marés Vivas, no relatório é sugerida a execução de um plano de gestão de resíduos, com base nos dados de anos anteriores para implementar um sistema de recolha de lixo, minimizar a aquisição de equipamentos novos e reutilizar os existentes, de forma a promover o uso de materiais recicláveis e biodegradáveis. Formar os colaboradores para uma correta separação dos resíduos e utilizar meios de informação em formato digital, em substituição do papel, são também medidas recomendadas pela comissão de acompanhamento.

Para além destas recomendações, a comissão pede ainda que se adotem outras medidas que valorizem a RNLED, entre as quais: a criação de uma cortina verde entre a pista reservada a bicicletas e a reserva com espécies adaptadas, para que no futuro exista uma barreira visual; a definição de medidas que visem divulgar e sensibilizar para a valorização ambiental da reserva.

Ao JPN, o diretor da empresa promotora do evento, Jorge Lopes, indica que “no fundo [as recomendações] traduzem-se em medidas que de alguma forma evitam o contacto ou a pressão humana dentro da reserva. Isso passa por não deixar as pessoas acampar nem pisar a RNLED. Para nós, isto foi uma condição que estava pensada desde o início, porque o festival não é na reserva, mas é fora”.

Jorge Lopes garante ainda que “os palcos vão ficar todos de costas para a reserva, para que não haja problemas” e informa que quando decidiram o “local em conjunto com o município, as preocupações surgiram logo à partida. Os estudos de impacto sonoro já foram feitos e vão ter alguns cuidados redobrados, na questão da direção do som para que não haja impacto na reserva”.

A Câmara Municipal de Gaia, que juntamente com a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) formam a Comissão de Acompanhamento, já reagiu numa nota enviada à comunicação social.

O Município tem um novo desenho para o Parque Urbano de S. Paio, uma vez que os planos anteriores eram, no entender do Município, prejudiciais para o ambiente. Apesar disso, a Câmara lamenta “não parecer ser possível evitar o impacto da pressão humana que os projetos licenciados em 2008 provocarão diariamente na zona da reserva, com cerca de 6.500 novos habitantes e um tráfego previsível de mais de 4 mil automóveis particulares por dia”.

“As exigências que o festival terá de cumprir asseguram uma coabitação com os valores ambientais e uma verdadeira valorização da importância da RNLED”, indica a Câmara de Gaia.

Dúvidas da Quercus mantêm-se

Quem não concorda com esta perspetiva é a Quercus que afirma não ser possível proteger o ambiente através das medidas indicadas pela Comissão de Acompanhamento. Para a organização ambiental, a única medida para proteger a RNLED é a deslocação do festival para outro local.

A Quercus anuncia que vai lutar com todos os meios que tem à sua disposição para impedir a realização do festival junto da RNLED, apesar de não ser contra o festival em si, mas sim contra o local onde vai ter lugar.

A organização ambientalista solicitou, em fevereiro, um parecer ao Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas e não obteve até agora uma resposta do organismo público.

O Festival Marés Vivas decorre entre os dias 14 e 16 de julho e conta com a presença de Elton John, Kelis, D.A.M.A, Foy Vance, James Bay, James, Tom Odell, Kodaline, Beth Orton, Rui Veloso e Lost Frequencies.

Artigo editado por Filipa Silva