A utilização de sociedades “offshore” em paraísos fiscais para lavagem de dinheiro, omissão de património ou fuga aos impostos não é uma novidade. Na realidade, a existência de zonas “offshore” é legal. O problema reside nos objetivos com que os benefícios são muitas vezes usados. Assim, a legalidade das sociedades que utilizam zonas “offshore”, para criarem empresas ou contas bancárias, depende de vários aspetos como a jurisdição do país escolhido, a proveniência e o destino do dinheiro.
No Panamá – um paraíso fiscal – estas sociedades são permitidas. Os “offshores” são usados para tirar partido das vantagens fiscais e do segredo bancário.
No entanto, de acordo com a investigação iniciada pelo Süddeutsche Zeitung e aprofundada pelo Consórcio Internacional dos Jornalistas de Investigação (ICIJ, sigla em inglês), no caso dos “Panama Papers” existem algumas ilegalidades, como a eliminação de documentos importantes em investigações a empresas na lista negra das autoridades norte-americanas com negócios com organizações terroristas.
Os quase 40 anos de documentos da Mossack Fonseca expostos revelam o uso de paraísos fiscais em dezenas de países com recurso a uma rede de milhares de empresas criadas para, em alguns casos, esconder das autoridades os negócios, dinheiro e património dos envolvidos.
João Pedro Martins, economista e especialista em “offshores”, afirma que estas sociedades “são legais mas não são justas”, porque “é dinheiro que está fora do sistema e não está a alimentar a economia”. O economista alerta para a “regra de ouro”: os impostos devem ser cobrados onde as receitas são geradas.
O especialista dá o exemplo do “offshore” nacional, na Madeira, em que cerca de 75% dos impostos cobrados não vão para o Estado português, mas sim para um “acionista privado”. Para João Pedro Martins, ter “offshores” de empresas de petróleo situadas na Madeira cria “mecanismos nocivos no mercado internacional”.
Mariana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda (BE) – que marcou para esta quarta-feira um debate sobre o caso – , disse ao JPN que Portugal deve adotar medidas para impedir a corrupção, o que passa essencialmente por acabar com o segredo bancário.
A economista vai mais além: “Se nós pudermos aceder às contas e às operações mediante indícios de operações ilícitas, é possível prevenir este tipo de fugas”. João Pedro Martins tem a mesma opinião da deputada do Bloco: o sigilo bancário tem de ser levantado.
Para Mariana Mortágua, os partidos têm de ter uma participação mais ativa nesta questão: “Os partidos têm que denunciar, têm que pressionar e têm que inundar as assembleias legislativas em Portugal, como no mundo, com propostas para limitar o campo de ação das ‘offshores’”.
João Pedro Martins concorda com a deputada: “Convém fazermos uma reflexão dentro de casa”. O economista não compreende porque é que há uma discrepância nas taxas aplicadas às empresas, estando na Madeira em comparação com as que estão em Portugal Continental.
Com a investigação do ICIJ, a situação das sociedades “offshores” e da corrupção foi trazida ao espaço público, a dirigente do Bloco de Esquerda espera que haja “pelo menos uma limitação à legislação sobre os offshore”. Na opinião da bloquista, “não há interesse” em limitar a legislação dos “offshores”, no entanto, a deputada espera que “o debate se reabra e que a pressão popular seja forte”.
Mais transparência
Sandra Fernandes, professora de Relações Internacionais na Universidade do Minho, considera que haverá consequências imediatas na reputação dos visados pelos “Panama Papers”: “Penso que a imagem será afetada, no curto prazo, daqueles que têm cargos ou funções políticas bem como outras figuras públicas, como por exemplo, os desportistas, que transportam valores”, refere ao JPN.
Sigmundur David Gunnlaugsson, o primeiro-ministro da Islândia, pode ser considerado como a primeira vítima do processo. O responsável político solicitou ao presidente da Islândia a dissolução da assembleia e a convocação de eleições na sequência do seu envolvimento nos “Panama Papers”. Mas as consequências políticas do caso não devem ficar por aqui.
A docente do Minho recorda que já existe uma agenda internacional “nomeadamente ao nível do G20, no sentido de criar maior transparência nos fluxos financeiros internacionais”. Para Sandra Fernandes é importante que seja criada “uma agenda global” no sentido de “deixar de haver anonimato”.
Em relação a Vladimir Putin, provavelmente o mais mediático dos envolvidos até aqui referenciados, a especialista em Relações União Europeia-Rússia refere que “a popularidade de Putin, ainda que muito alta, tem vindo a diminuir nos últimos anos.” A guerra na Crimeia “tem tido consequências para o dia-a-dia dos russos, o nível de vida subiu imenso, fruto dessa política externa.” Por essa razão, a professora acredita que “as revelações terão algum impacto. Não será tão direto como se estivéssemos num regime democrático, mas fruto do contexto difícil que a Rússia está a viver, poderá dificultar a popularidade” de Putin, salienta.
O que são os “Panama Papers”
O escândalo estourou no domingo e deve continuar nos próximos dias. Uma investigação do jornal Süddeutsche Zeitung, apoiada pelo ICIJ, revelou um esquema de utilização de empresas e contas offshore por parte de diversas figuras públicas.
Em causa estão mais de 11 milhões de documentos, intitulados de “Panama Papers”, que mostram como chefes de Estado, políticos, multimilionários, estrelas do desporto, entre outros, usam paraísos fiscais para diversos fins de que são exemplo a lavagem de dinheiro, a omissão de património e a fuga aos impostos. Da lista, fazem parte 29 dos mais ricos do mundo.
Os documentos revelam ligações de atuais líderes políticos, como Vladimir Putin, da Rússia, Bashar al-Assad, da Síria, Maurício Macri, da Argentina ou Sigmundur David Gunnlaugsson, da Islândia, a companhias “offshore” através da Mossack Fonseca – um escritório de advogados, o quarto maior do mundo em serviços fiduciários segundo o “Guardian”, que administra paraísos fiscais e faz gestão de fortunas com sede no Panamá – que tem filiais em quase 40 cidades e que terá criado milhares de empresas fictícias.
Nas informações reveladas surgem referências a mais de 210 mil “offshores”, relacionadas com pessoas em mais de 200 países. Numa resposta ao ICIJ, a Mossack Fonseca garante que opera há 40 anos sem nunca ter “promovido quaisquer atos ilegais”.
E Portugal?
Idalécio de Castro Rodrigues de Oliveira, que está a ser investigado pelo alegado envolvimento na Operação Lava-Jato, estará envolvido no caso. De acordo com os “Panama Papers”, o empresário português terá aberto várias empresas em paraísos fiscais, meses antes de vender à Petrobras parte de um campo de petróleo no Benim, em 2011.
Segundo o “The Irish Times”, estarão também 244 empresas portuguesas envolvidas no caso, incluindo 23 clientes e mais de 34 beneficiários. A identidade dos envolvidos ainda não é conhecida.
A TVI e o “Expresso”, órgãos de comunicação social portugueses que estão a colaborar na investigação, prometem avançar com mais informações nos próximos dias.
Artigo editado por Filipa Silva