O Dia da Imprensa, celebrado na quarta-feira, ficou marcado por um debate no pólo de Ciências da Comunicação da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP).

Júlio Roldão, antigo editor do Jornal de Notícias (JN), Alfredo Maia, ex-presidente do Sindicato de Jornalistas (SJ) e Hélder Bastos, diretor da licenciatura em Ciências da Comunicação foram os oradores convidados.

Durante a mesa redonda, os oradores fizeram uma viagem ao passado, na qual reviveram outros tempos do mundo jornalístico e contaram como enveredaram na profissão. Para Júlio Roldão e Alfredo Maia, a entrada na profissão foi bastante diferente dos dias de hoje.

A viagem do antigo editor do Jornal de Notícias começou em Coimbra. Júlio Roldão era estudante de Direito naquela cidade e contou como foi convidado pelo jornalista Jorge Castilho para fazer parte do jornal. A resposta foi imediatamente positiva: “Comecei no dia seguinte. Hoje é impensável alguém entrar na profissão como eu entrei”.

A história de Alfredo Maia é igualmente simples e rápida, numa altura em que “o contexto era outro”. A procura não era tanta e, quem se apresentava perante diretores de jornais para ser jornalista, era aceite. “Foi o que aconteceu comigo. Escrevi umas cartas a vários diretores e fui bater à porta. Um deles deixou-me entrar e fiquei à experiência”, recorda.

O diretor da licenciatura em Ciências da Comunicação fala das diferentes épocas em que os oradores ingressaram no jornalismo, que passam pela inexistência de uma escola de Ensino Superior na área e pelo nascimento da primeira em Portugal. “No segundo ano, um dos professores pediu um teste a alguns alunos e fomos selecionados seis de uma vez no JN. Hoje é muito mais difícil. É mais fácil saírem seis de uma vez”, lamenta Hélder Bastos.

Para os oradores, uma das principais diferenças entre o passado e a atualidade é o tempo dado aos jornalistas para fazerem investigação. “As reportagens tinham um tempo de preparação que não tinham nada a ver com o que acontece hoje”, afirma Alfredo Maia.

Hélder Bastos relembra que nas redações o “slow journalism” era muito praticado. “Era o jornalismo feito com tempo. Tempo para cultivar fontes de informação, tempo para andar um mês atrás de uma história. Havia mais reportagens e saía-se mais à rua”.

Isto leva a um problema atual referido pelos oradores: a secundarização da qualidade da informação. Para Alfredo Maia, a falta de tempo que um jornalista tem para aprofundar o tema, “muitas vezes conduz a trabalhos excessivamente superficiais e com falta de rigor”. Da mesma opinião partilha Júlio Roldão: “Precisamos de tempo para refletir”.

A escassez de recursos humanos é também outro motivo da degradação da qualidade. “Não há gente para tudo. Despacha-se uma notícia, despacha-se uma reportagem por telefone. É uma conjugação de tudo”, critica Alfredo Maia ao JPN.

Outra problemática dos dias de hoje é a concentração dos meios de comunicação, que têm interesses muito diferentes dos que existiam há 40 ano atrás. “Hoje os diretores têm menos poder, menos autonomia em relação às administrações”, refere Hélder Bastos.

Uma profissão precária

A questão da precariedade do trabalho não deixou de ser referida. É um dos principais desafios que os jornalistas continuam a enfrentar e razão pela qual Alfredo Maia afirma que “foi em vão ter sido sindicalista”.

A principal questão da precariedade prende-se com os recibos verdes e a falta de remuneração e subsídios. Para o antigo sindicalista, pode ainda ter uma característica mais “psicológica”, que tem que ver com a instabilidade: “Há muito medo de se perder o emprego e o medo pode gerar autocensura”.

Como ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas, Alfredo Maia explica, em declarações ao JPN, o que é preciso reivindicar: “Temos que exigir que o trabalho seja justamente retribuído e que sejam reconhecidos os direitos fundamentais de quem trabalha”.

Perspetivas para o Futuro

Quanto ao futuro são muitas as perspetivas dadas pelos oradores, algumas mais positivas do que outras. Alfredo Maia coloca a hipótese de um futuro em que os meios tecnológicos, “online” e televisão, se vão afirmar como os verdadeiros “meios de comunicação de massas indiferenciadas”. Nesta perspetiva, a imprensa será um reduto de elite, feita por jornais de elite, dirigidos a um público de elite. “No dia em que isto acontecer, a democracia estará realmente em risco, porque estará em causa um direito fundamental dos cidadãos, que é o direito à informação de qualidade”, explica.

Para Júlio Roldão, a imprensa é igualmente “indispensável como suporte da democracia”. “É preciso encontrar o caminho certo para a sobrevivência da imprensa”, reforça ao JPN.

O futuro da imprensa e do jornalismo tem, para Alfredo Maia, um desafio permanente: “o da qualidade e do rigor”.

Hélder Bastos mantém uma visão positiva relativamente ao futuro da imprensa. “A imprensa não vai acabar. Está a viver um momento de transição, mas a imprensa continua a corresponder a uma necessidade ancestral dos seres humanos”, comenta.

Apesar dos desafios cada vez mais difíceis, as oportunidades existem. “Há quem diga que os desafios podem ser oportunidades”, defende Júlio Roldão. “O futuro está aí e não sou nada pessimista” conclui.

 

Artigo editado por Sara Gerivaz