A nova localização do festival Marés Vivas tem vindo a ser palco de polémicas desde o início do ano. O novo local é um terreno no Vale de Sampaio, ao lado da Reserva Natural do Estuário do Douro. Em fevereiro, a Quercus já tinha pedido uma avaliação ao Ministério do Ambiente e, no início de abril, a comissão de acompanhamento criada pelo Ministério fez algumas recomendações de minimização de impacto ambiental.
Apesar das medidas impostas à PEV – Entertainment– organizadora do festival – pelo ministério para reduzir o impacto ambiental, a Quercus decidiu avançar com uma ação judicial de embargo da obra que está a ser feita pela câmara de Gaia para o festival Marés Vivas.
O coordenador do grupo de trabalho da Biodiversidade da Quercus, Samuel Infante explicou ao JPN o porquê desta decisão. “Estão a decorrer uma data de obras ilegais junto à reserva do Douro litoral, portanto em área de Reserva Ecológica Natural (REN)”, referiu o coordenador da Quercus, acrescentando que “a autarquia de Gaia está a promover uma obra que tem destruído a vegetação e que está a perturbar e destruir habitats de espécies protegidas”.
Sobre a comissão criada pelo Ministério do Ambiente, Samuel Infante reconhece que, de facto, foram previstas “medidas de minimização” como “criar uma cortina verde com espécies autóctones” e “fechar o festival meia hora mais cedo”. No entanto, para o coordenador, as medidas “não têm qualquer impacto”.
“Só a presença de milhares de pessoas ali vai ter um impacto enormíssimo. E as medidas que estão nesse relatório não vão ter os efeitos necessários”, constatou Samuel Infante. É por esta razão que “a única hipótese é a relocalização”. “Existem várias possibilidades de alojar este festival no município de Gaia e, portanto, não entendemos o porquê de continuar nesta localização”, insistiu.
Marés Vivas contra movimento cívico
A luta não é feita apenas pela Quercus. O movimento cívico SOS – Estuário do Douro também tem vindo a reivindicar a proteção do terreno onde se vai realizar o Marés Vivas. O movimento publicou, esta quinta-feira, uma nota de imprensa em que apela “à consciência ambiental” de artistas, patrocinadores e espetadores do evento.
A este “apelo”, a PEV – Entertainment respondeu com uma ação judicial contra alguns elementos do SOS Estuário do Douro. “Nós vamos avançar por causa da forma como eles estão a agir”, justificou ao JPN o diretor da PEV, Jorge Lopes.
Jorge Lopes explicou também que este processo “não é contra a luta e o ideal deles, mas contra a forma” de protesto. O diretor revelou que teve “conhecimento de algumas cartas ameaçadoras que enviaram a alguns parceiros do festival”.
Contatado pelo JPN, Carlos Evaristo, do SOS Estuário do Douro, garantiu que não tem receio desta ação judicial: “Se tivéssemos receio, não íamos à luta. Isto é um processo normal de pressão. O Ministério Público irá pronunciar-se”, explicou o membro do movimento.
“Temos as nossas convicções e uma delas é que o local não é o mais apropriado para se fazer um festival desta amplitude”, assegurou Carlos Evaristo. Para o cidadão, pior do que os três dias de evento, são “os impactos que já começaram com a preparação do terreno para o festival”. “O que estão a fazer é uma limpeza da vegetação autóctone local. O que estão a fazer à flora, também afeta a fauna local”, acusou.
Antes da ação judicial, o movimento cívico já tinha reunido com a organização do Marés Vivas. “As nossas reuniões com a PEV não resultaram em nada, foram intransigentes nas nossas indicações de solução”, lamentou Carlos Evaristo. “Nós sugerimos outros locais, eu inclusive sugeri a praia de Canide Norte, que é um areal que poderia eventualmente receber o festival sem grande impactos”, exemplificou.
O diretor da PEV – Entertainment confirmou que tiveram reuniões com o movimento onde foram sugeridas outras opções. No entanto, a interpretação é diferente.
“Nós colaboramos totalmente, foi por isso que acedemos a reunir com eles”, indicou o diretor da organização do festival. “Agora nós não compactuamos é com ameaças nem com chantagens, que foi o que estas pessoas fizeram”, explicou.
Sobre as “ameaças” e “chantagens”, Jorge Lopes continuou: “Fizeram-nos uma sugestão de levar o festival para outra cidade, uma coisa que nós entendemos como provocação ao presidente da Câmara de Gaia”.
Para além da relocalização, segundo o presidente da PEV, o movimento SOS Estuário do Douro está “a tentar meter na cabeça das pessoas que o festival se realiza na reserva”. “O festival não se realiza na reserva, o festival realiza-se em terrenos fora da reserva. O festival teve um estudo de impacto por parte das duas maiores instituições de ambiente do país, estudo esse que foi requerido pelo Ministério do Ambiente”, explicou Jorge Lopes, sobre o estudo que levou à criação da comissão de acompanhamento e às medidas de minimização de impacto ambiental.
“Isto está a ser um ataque desmedido, ilegal e de coação – porque eles estão a coagir os nossos parceiros. É gente anónima, que não é de nenhuma associação, que não tem conhecimento técnico e científico para aferir nada”, criticou.
Para clarificar as intenções do SOS – Estuário do Douro, Carlos Evaristo esclareceu: “Aquilo que nós propusemos era que eventualmente o festival se realizasse este ano, uma vez que os danos ambientais que já foram feitos são irreversíveis, desde que eles nos dessem a garantia de que não se realizaria lá mais vez nenhuma”.
O defensor da biodiversidade acrescentou ainda que “a intenção é a de sensibilizar transversalmente a sociedade, inclusivamente os artistas convidados”. “Sensibilizar não é crime. Provavelmente, está-se é a cometer um crime ambiental, porque se está a destruir uma espécie existente no local”, reforçou Carlos Evaristo.
Alargar a área de reserva é a solução?
O Vale de Sampaio, onde vai decorrer o festival Marés Vivas, não faz parte da Reserva Natural do Estuário do Douro. No entanto, tal como referiu Samuel Infante, “é uma área contígua e que servia de ‘área tampão’ para a reserva onde se refugiavam várias espécies e nidificavam”.
Também Carlos Evaristo do SOS Estuário do Douro, reconhece a importância daquele terreno: “Aquilo são terrenos contíguos à reserva natural que existe no Estuário do Douro, onde muitos pássaros se recolhem à noite, pássaros que normalmente se alimentam no areal do Cabedelo e na própria área de areal que fica a descoberto aquando das marés baixas”.
O defensor da fauna e flora daquela zona acrescentou que “aquela era uma área que em tempos foi agrícola, mas que estava abandonada e foi ganhando muita biodiversidade”.
Sobre se a solução para proteger este terreno passaria pela sua integração na REN, Samuel Infante explicou que “já há vários anos que se fala nessa possibilidade”. “Faria todo o sentido que fosse alargado, logo que, pelo menos, se respeitasse a legislação existente”, acrescentou.
As ações judicias que envolvem o festival Marés Vivas não ficam por aqui. O coordenador do grupo de trabalho da Biodiversidade da Quercus revelou que na próxima semana vão “dar entrada com outra providência cautelar em relação à localização do festival junto à reserva”.
Já Carlos Evaristo, concluiu dizendo que o Movimento SOS – Estuário do Douro vai responder aos organizadores do festival. “Provavelmente também vamos acionar uma ação judicial, contra os promotores que são a Câmara Municipal e a PEV – Entertainment, que são os responsáveis pela escolha do local do festival”, rematou o membro do movimento cívico.
Artigo editado por Sara Gerivaz