Os três arrumadores de carros já dispensam apresentações para quem estaciona o automóvel, diariamente, na baixa do Porto. Os anos de trabalho assim o ditam. O estacionamento vai enchendo e as pessoas vão cumprimentando Vítor Ferreira, Carlos Moreira e José Guimarães. Confiam-lhes o carro e a chave. Muitos dos condutores são já amigos dos arrumadores de carros. No fim, não falta a “moedinha”, o ganha pão dos três homens.

Se há quem reaja de forma simpática, há, também, os que olham de lado os arrumadores de carros. “Há uns que nem ‘bom dia’ dizem”, protesta Vítor Ferreira, arrumador de carros nas redondezas do Hospital de Santo António.

Soubessem eles que não foram os homens a escolher aquele trabalho. Depois de 27 anos a trabalhar num restaurante, o divórcio e o álcool empurraram Vítor Ferreira para a rua. Foi sem-abrigo e procurou ganhar a vida nos estacionamentos.

José Guimarães via a vida “alguns metros acima” e de uma forma sorridente. Era trapezista e palhaço no circo do Victor Hugo Cardinalli. Uma queda de 18 metros levou-o a ter de deixar a vida que levava e a descuidar-se na imagem.

Após o acidente, um colega falou-lhe da possibilidade de se tornar arrumador de carros para poder sustentar-se. Desde então que, há oito anos, o “Palhaço Pobre” passa os dias por entre os carros da Praça Coronel Pacheco e já chegou a dormir na rua.

Sempre atento a quem precisa de ajuda na hora de pôr as moedas na máquina, José conta ao JPN que quando aparecem estragos, normalmente, ele é tido como o culpado. “Eu fico com as chaves, ponho o talão e não mexo no carro”, afirma.

Com orgulho, desdobra o papel que tem no bolso e mostra a licença da Câmara do Porto para a atividade de arrumador de automóveis. “É preciso registo criminal limpo e tudo”, indica.

O trabalho de arrumadores de carros foi, também, imposto a Carlos Moreira, devido a um problema de saúde. Emigrado na Alemanha há vários anos, voltou a Portugal. Com 46 anos, Carlos não teve outra saída senão “flirtar” moedas na Trindade. “A vida de arrumador é assim: fazer o ‘flirt’ à moeda”, conta.

A moeda conquista-se com educação. Para Carlos Moreira, o segredo é “ser-se educado, ter um curso connosco próprios de boas maneiras”. “Tem de haver muita paciência, muita concentração”, acrescenta.

De manhã à noite, as moedas vão caindo nos bolsos dos trabalhadores. No entanto, o trabalho de arrumador nem sempre é sustentável. Entre dias melhores e dias menos rentáveis, Vítor Ferreira confessa: “O que se ganha num dia, gasta-se num dia”. “Há dias que dá para a sopinha, há outros que não dá”, refere Carlos Moreira.

“Tenho aqui boas amizades”

Chegaram ao parque sozinhos e sem saber o que iam encontrar. Ao longo do tempo, conquistaram a amizade e confiança dos colegas e condutores. Os cafés da zona do Hospital de Santo António já conhecem Vítor Ferreira. Pedem-lhe ajuda e, em troca, dão-lhe refeições. “Já fico todo contente. Não passo fome”, desabafa o arrumador.

Vítor Ferreira diz ter “boas amizades” no trabalho: “Lido com juízes, advogados e polícias”, informa. As amizades fazem, assim, esquecer os olhares julgadores e a exclusão. “Hoje em dia noto, como arrumador, que as pessoas estão a ser mais abertas, estão a fazer mais caridade e a contribuir para o bem-estar do seu semelhante”, considera Carlos Moreira.

E no fim do dia?

Ao fim de um dia de trabalho, as pernas fraquejam. É hora de ir para casa e de fazer o que mais se gosta. Carlos Moreira aproveita o tempo com a leitura, nos filmes, na música e na escrita. “Andei no seminário e tenho instrução que muita gente não tem”, esclarece.

Carlos escreve e lê para manter a mente ativa: “Tudo o que vem à mente eu escrevo”. “Vou depois ver no dicionário e vejo que não tenho erros”, acrescenta.

O arrumador de carros da Praça Coronel Pacheco não limita o seu trabalho ao estacionamento. Quem o conhece convida-o a vestir, novamente, uma personagem. É figurante de uma novela e traz o “Palhaço Pobre” a escolas e festas para crianças.

No meio de amizades e “flirts” de moedas, os arrumadores de carros escondem histórias, que, Carlos Moreira garante, só são contadas “com os olhos”.

Artigo editado por Sara Gerivaz