As portas do Queimódromo do Porto ainda não estão oficialmente abertas, mas já são vários os estudantes que pisam o chão do recinto para preparar aquela que, para muitos, é a melhor semana da vida académica. De prego e martelo na mão, vão montando as barracas que ocupam a maior parte do espaço.
Porém, desde o ano passado que os alunos das várias instituições que constituem a academia do Porto sentem uma motivação diferente no que diz respeito às barracas. As limitações sonoras, impostas pela Federação Académica do Porto (FAP), responsável pelo evento, e as medidas tomadas para satisfazer os moradores daquela zona, parecem afetar o espírito dos estudantes.
Tiago Pinto é aluno da Escola Superior de Enfermagem de Santa Maria (ESEnfSM) e só descobriu este ano a justificação para as regras de som dirigidas a todas as barracas, implementadas o ano passado: “Disseram-nos que tínhamos que baixar o som, mas não disseram porquê”. Na mesma barraca trabalha Ana Barros que não encontra desvantagens nas medidas tomadas pela FAP, desde que “seja igual para todos”. A estudante afirma que “se houver discrepância entre umas barracas e outras não é justo e vai notar-se no negócio”.
Já para Francisco Basílio, o principal dinamizador da construção da barraca da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), as modificações relativas ao sistema sonoro afetam a procura dos estudantes. “O que atrai mais as pessoas é a imagem da barraca e sobretudo o som. Se tivermos o som mais baixo, provavelmente não vamos atrair tantas pessoas como nos outros anos”, considera o aluno da FMUP. Francisco Basílio acredita que é “injusto” para os estudantes o facto de “haver sempre barracas que conseguem ter o som mais alto e que não são controladas”.
Do lado dos moradores e do comércio
Aquilo que desanima os estudantes, satisfaz os moradores. A zona envolvente do Queimódromo é ocupada por comércio local e habitações. São esses moradores que mais queixas têm a fazer: desde o barulho que acaba por alterar rotinas e criar transtornos, até à segurança, que nem sempre é a suficiente.
“Nós sentimos mesmo aquelas vibrações de forma muito intensa. Obriga a alterar a rotina dos moradores. Durante essa semana não se dorme, por exemplo. Andamos todos com olheiras aqui”, relata Mafalda Novo, moradora da zona envolvente ao Queimódromo.
Mas as queixas não ficam por aqui: relativamente à segurança dos habitantes da zona e aos distúrbios causados, os moradores também têm algo a dizer. “Eu já fui estudante, relativamente ao barulho não me incomoda. Agora o que me incomoda é o lixo que eles fazem, garrafas partidas, tudo sujo”, conta Luís Magalhães.
Mafalda Novo compara ainda a Queima a das Fitas ao Nos Primavera Sound, que se realiza no mesmo espaço envolvente e sobre o qual a moradora não tem queixas: “Acho que a FAP deveria implementar segurança ou vigilância nas entradas dos apartamentos. E penso que ao nível do ruído também devia ser mais controlado, porque não se justifica que se ouça tanto, quando no Primavera Sound não se ouve e é aqui tão perto”, queixa-se a moradora.
Para os comerciantes, o cenário é outro. Michelli Zanini, responsável pelo café Black Coffee, que se situa nas imediações do recinto, não tem queixas a apresentar. Pelo contrário, a semana académica acaba até por ser proveitosa para a responsável do café. “Os universitários gastam mais em cerveja, um produto mais barato. Mas compensa sempre, nem que seja pela divulgação do nosso espaço, porque passa mais gente do que o habitual”, explica Michelli.
O MixPão é uma confeitaria que se situa, à semelhança do Black Coffee, perto do Parque da Cidade do Porto. A proprietária do café, Manuela Batista, diz ao JPN não notar qualquer diferença relativamente ao resto do ano. Por outro lado, na semana anterior à Queima, nota uma maior afluência de estudantes: “O que nós notamos é que, na semana anterior, eles vêm cá comprar bastantes coisas porque, entretanto, andam lá a montar os barzinhos. Mas na semana mesmo não notamos nada”.
Medidas relativas aos sistemas sonoros na Queima das Fitas
A FAP lançou, o ano passado, um conjunto de medidas para atenuar as queixas dos moradores que se vão manter este ano:
– Retirada de uma das tendas musicais do recinto;
– Limitações ao nível das colunas e do volume do som das barracas, diversões e tenda sonora;
– Exigência de uma acreditação dos laboratórios de acústica da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) para todos os equipamentos sonoros;
– Retirada de duas torres de “delay”;
– Aumento da distância entre o palco e as habitações;
– Criação de uma “faixa-tampão” no recinto.
No entanto, a proprietária diz ouvir algumas reclamações, por parte dos moradores que frequentam o espaço MixPão, durante essa semana: “Pode afetar os moradores que às vezes se queixam, mas a nós não. Durante o dia aqui com o barulho, ouve-se alguma coisa, mas nada de mais. E como também não abrimos muito cedo, já não os apanhamos com os copos”.
FAP: “O que pudermos fazer para satisfazer ambas as partes, vamos fazer”
Face às queixas dos moradores, que já se mostram recorrentes nos últimos anos, a FAP manteve as medidas impostas no ano passado relativas ao sistema sonoro das pequenas tendas e enviou uma carta a todos os moradores passíveis de ser afetados pelo ruído proveniente do evento. O presidente da direção da FAP, Daniel Freitas, garante ao JPN que as regras sonoras se vão manter e que a “FAP tem um protocolo de há vários anos com a Câmara Municipal do Porto e de Matosinhos”.
“O feedback foi positivo no ano anterior. É impossível eliminar todas as fontes de ruído, mas temos conseguido atenuá-las”, indica Daniel Freitas. “O que pudermos fazer para satisfazer ambas as partes, vamos fazer”, afirma o presidente da FAP.
No entanto, fonte do gabinete de comunicação da Câmara Municipal de Matosinhos considera que as medidas acordadas com a Federação Académica do Porto “nunca são suficientes, mas são as possíveis para tentar melhorar os efeitos negativos que o evento traz aos moradores”.
Quanto às reclamações dos residentes relativas aos resíduos e à insegurança, a FAP nada pode fazer: “Ao nível de vigilância, a FAP tem segurança privada e polícia contratada no recinto. Tudo o que extravase a área do queimódromo não pode ser tratado pela FAP”, esclarece Daniel Freitas.
“Estamos preocupados com essa questão, não queremos incomodar as pessoas”, conclui o presidente da entidade que organiza a Queima das Fitas do Porto.
Artigo editado por Sara Gerivaz