Os assistentes dizem “Play” e a peça inicia. São formados seis grupos, com um máximo de dez pessoas, e, para cada espectador, é emprestado um MP3 com sete faixas. Os assistentes conduzem os espectadores não só pela cidade, como também pelo que se ouve na cidade.

A banda sonora enche o espaço e a cidade parece diferente. Percorrem-se ruas e mais ruas e, ao chegar à porta da primeira casa, só se entra às horas certas: 21h00.

Já lá dentro, de branco até aos pés, sapatos castanhos e um avental, um homem ocupa a cozinha. Uma alheira enche a casa com o cheiro. É a olhar nos olhos do público que a cena começa. “Queres um bocado?”, pergunta-se aos espectadores. E o ator prossegue num monólogo, contando a história da mãe que é demasiado apegada às coisas.

Vai mostrando as peças da casa, vai mostrando tudo. Vai mostrando pedras, que afinal não são só pedras e apresenta a história de cada uma. Com bonecas e faturas da luz, passando pelo “Livro Vermelho” de Mao Tsé-tung, e muitas outras coisas, a história daquela casa é desvendada.

Os livros não faltam: uma estante cheia ocupa a casa. “Cadernos de Lanzarote”, de José Saramago, é lido para ilustrar a história da mãe, mas é “Raíz e Utopia” que dá o mote final. Porque julgava-se perdido o livro e afinal existem dois. E, na sala, quando se olha melhor, uma senhora lê o livro. O ator junta-se a ela e é com o silêncio destes que a cena acaba.

A viagem continua. Para outras casas e outras histórias. Sempre nos mesmos moldes, a peça de teatro apresenta seis espaços diferentes, com seis histórias diferentes. As ruas são caminhadas, mas está tudo pensado: para a casa mais afastada, é facilitada uma carrinha que transportará o publico. E em cada percurso a música acompanha sempre os espectadores.

A peça de teatro fora do teatro

O espectáculo que dá o Porto a percorrer “tem como ponto de partida aquilo que as pessoas têm nas suas casas, ou que tiveram e já não têm”, conta Joana Craveiro, autora da peça de teatro.

A obra foi construída por Joana Craveiro, mas não só. Com base no que os moradores contaram e com a ajuda também dos atores, “Espólios” apresenta-se intimista e com a esperança de que o espectador se reveja “na humanidade partilhada”. É assim que a autora descreve o objetivo fundamental desta peça de teatro.

As seis casas foram escolhidas através de “um repto que foi lançado”, conta a autora. Cada casa foi atribuída a um ator que ficou responsável por contar a história da habitação e dos objetos.

Sobre o teatro fora das portas, Joana confessa que é esta a única maneira que gosta de fazer teatro: “Porque gosto, porque acho que qualquer sitio é dado a uma peça de teatro e porque eu ando na rua e tenho ideias para muitas, muitas peças. Eu gosto de uma relação íntima com o público. De facto, não faço teatro para grandes auditórios. Não tenho feito e não me vejo a fazer. Gosto de um público que esteja perto de mim, que eu possa olhar nos olhos, gosto de não ter que gritar para me fazer ouvir”, contou ao JPN.

A peça de teatro “Espólios” estreia quinta-feira às 20h30 e vai estar em exibição todos os dias à mesma hora até 15 de maio, pelas ruas e casas do Porto.