No segundo ano em que assume as rédeas do Festival Internacional de Expressão Ibérica (FITEI), Gonçalo Amorim, diretor criativo, decidiu dedicá-lo à cenografia. Porquê? Para Gonçalo Amorim, por ser uma área esquecida, que é a primeira a sofrer com a falta de verbas que atinge a cultura. Fomos encontrá-lo para uma conversa no Teatro Municipal do Campo Alegre, a ensaiar a peça “Nunca Mates o Mandarim”, a partir do texto de Eça de Queiroz. Obra que fará, também, parte do FITEI.
Porquê dedicar a edição deste ano à cenografia?
Lanço-me na cenografia porque é uma das áreas que considero importantes nas obras de arte. A componente plástica dos espetáculos diz-me muito, esse é um dos aspetos. Outro é o de ser mais uma oportunidade para falarmos de economia. O que se vê em palco reflete a sociedade que somos, se começamos a ver cada vez menos cenografia nos espetáculos é porque a economia está, de alguma forma, deficitária. Por outro lado, permite-me falar dos coletivos, existe hoje uma espécie de chamamento ao artista, ao macro artista que, ao mesmo tempo, é cenógrafo, figurinista, ator, encenador, videasta e faz a sua própria produção no Facebook e “pega lá mil euros e faz aí um espetáculo”. Há um ataque constante ao coletivo, ao organizarmo-nos em conjunto, um tipo de fratura ideológica que se vem acentuando. E eu penso que dar o “bold” na cenografia é dizer-se que o teatro faz-se de vários profissionais, várias áreas e que todas elas são importantes para o resultado final.
É um festival fortemente politizado?
Sim, posso dizer que sim. É, digamos assim, a minha marca. Gosto muito de artistas que são autênticos e que dialogam bem com o que são. No meu caso, além de artista, além de encenador e de ator, considero-me uma pessoa bastante ativa politicamente e, por isso, é inevitável em mim surgir esse lado mais político, mais interventivo, mais revolucionário.
Claro que não tenho um entendimento da arte como um instrumento, nem sequer tenho só apreço por espetáculos ou por artistas que têm uma linguagem parecida com a minha. Isso não faz sentido nenhum, principalmente como diretor de um festival. Tenho uma excelente relação com artistas que não pensam de uma forma tão interventiva, e pensam de uma forma mais poética. Na realidade, só me faz confusão quando os artistas não são autênticos, não são generosos, quando são medíocres, mesquinhos, atinadinhos. Isso é que eu não gosto.
Com que artistas podemos contar este ano?
A tradição do FITEI é a de estreitar os laços entre os falantes de português, castelhano, catalão, galego e os sotaques vindos da América Latina, assim como abarcar todo o espaço lusófono. E tem sido uma tradição que tem que ver com a cooperação entres os povos e o conhecimento do que é o nosso território cultural e linguístico. E durante estes 40 anos – para o ano o FITEI faz 40 anos -, foram múltiplos os grupos deste território linguístico que vieram ao Porto. No entanto, o FITEI é também um festival internacional e tem tido ao longo destes anos a capacidade de trazer grupos que não pertencem a este espaço, o que no fundo é um convite para esses outros espaços linguísticos ouvirem o nosso.
Este ano, temos uma forte componente latino-americana. Um espetáculo argentino, “Las Ideas“, de Frederico León, dois espétaculos chilenos, do Teatro Amplio, da nova vaga do teatro chileno, o “El Señor Galíndez“ que parte de um texto de Eduardo Pavlovsky, dos anos 70, sobre um torturador e como a sua vida é uma vida normal e de como as ditaduras precisam destes funcionários que estão a almoçar ou a falar com os amigos e depois, como se nada fosse, vão torturar. Também, “Los Millionarios“, do Teatro La Maria, um texto fenomenal de Alexis Moreno, que assina também a encenação. Temos ainda uma companhia de Burgos – Espanha -, os Cal y Canto e a “Encyclopedie de la Parole“, de Joris Lacoste, que é um coletivo de artistas plásticos e escritores.
Este ano o festival conta com o envolvimento da ESMAE, é importante recorrer à academia para parcerias?
Há sempre uma vontade do FITEI de envolver a comunidade académica. É uma oportunidade de conhecerem os artistas, é uma oportunidade de se formarem novos públicos. Para mim faz todo o sentido e, pelo menos, enquanto eu cá estiver continuarei a promover este contacto.
Esteve cinco anos a morar fora do Porto, sente que aqui a cultura se faz de forma diferente?
O Porto tem uma tradição cultural fortíssima, é uma terra de muitos artistas, muitos escritores, muitos músicos, de uma elite cultural que esteve na base da formação do Teatro Experimental do Porto, do Cineclube do Porto.
Grupos de anti-fascistas, comunistas, socialistas e católicos progressistas. E essa comunidade deixou marcas na cidade, desde a circulação de ideias progressistas, liberais e até libertárias. E o Porto teve sempre esta capacidade de se manter muito atento ao Mundo.
Tive sempre a sensação, estando em Lisboa, de que o Porto tem elites mais interessantes do que as lisboetas. Apesar de ter gostado muito de viver em Lisboa.
Este é o festival que quer ou o festival possível?
É sempre o festival que quero, nunca me apanharão a choramingar. Trabalho sempre com o que tenho para fazer o que quero. Agora, a conjuntura, é, de facto, de subfinanciamento, é preciso dizer que o dinheiro que se dá aos projetos culturais não é suficiente para haver dignidade dos seus trabalhadores.
Artigo editado por Filipa Silva