“O Momento Atual da Reforma dos Cuidados de Saúde Primários em Portugal 2015/2016″, a que o JPN teve acesso, revela que o nível de satisfação em relação à atuação do Ministério da Saúde, do Agrupamento de Centros de Saúde (ACES), e de outros organismos centrais, locais e regionais, continua baixo.

O JPN falou com o médico André Biscaia que, juntamente com António Pereira (também médico) e a psicóloga Ana Rita Antunes, foi um dos autores deste estudo.

André Biscaia conta quais os objetivos do relatório: “Através dos coordenadores das USF e da sua opinião, tentamos traçar um panorama do que está a acontecer em termos da reforma [dos cuidados de saúde primários], quais são os níveis de satisfação, quais são os problemas encontrados, quais são as diferenças regionais, com o objetivo de tentar criar um guião para a melhoria”, referiu o médico. A ideia é também poder comparar resultados com os obtidos em anos anteriores.

Segundo o médico “a primeira grande conclusão que se tirou foi que as unidades familiares estão de boa saúde e já cobrem mais de metade da população. O problema é que falta que a outra metade seja coberta pelas USF’s”.

No que diz respeito ao nível de satisfação em relação às entidades de gestão da saúde, nos últimos quatro anos atingiu o seu valor mais baixo. Este ano, continuou sem níveis positivos na maior parte dos casos, embora “com alguma recuperação”.

De acordo com André Biscaia o nível mais alto de  satisfação acontece, precisamente, com a atividade da própria USF:  “Os coordenadores, e isto reflete também os profissionais que os integram, estão muito satisfeito com a atividade da sua própria USF”.

O médico apontou alguns resultados positivos. Quase 90% das USF têm manuais de boas práticas, segundo o relatório a que o JPN teve acesso. Para além disso, três em cada quatro Unidades de Saúde avaliam a satisfação do cidadão em relação aos seus serviços, e metade avalia a satisfação do trabalho anualmente. Para o médico, “de certa maneira, isto é a razão por que existe este aumento de satisfação”.

Mas como nem tudo é um mar de rosas, André Biscaia referiu também que, apesar disso, “é claro que também há problemas, porque nem tudo corre bem”. “O primeiro aspeto que os coordenadores acham que precisa duma atenção mais aprofundada é o equipamento não informático, ou seja, equipamento clínico, e isso reflete outra coisa que abordamos que é se alguma vez, no ano passado, faltou material básico para a sua atividade”.

Falta de material nas Unidades de Saúde

Os resultados revelaram que 91% das USF referiram ter tido falta, no último ano, de material considerado básico para a atividade normal da unidade, 32% das quais referem ter faltado material entre três e dez vezes e 36,3% mais de dez vezes.

João Rodrigues, presidente da Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiar, justifica o dado ao JPN com atrasos “na reposição do stock de material”.

“Não é uma questão de ausência de dinheiro, é sim uma questão de ineficiência da colocação de material nos tempos necessários para que eles possam ser utilizados. E nós temos vindo, desde há uns anos, a alertar para o facto de que o circuito da compra e da entrega é um circuito ineficiente”, refere João Rodrigues.

O presidente da Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiar deu ainda um exemplo prático: “Um utente que quer um contracetivo, vai buscar o contracetivo porque a lei permite, e bem, que este seja fornecido gratuitamente pela Unidade de Saúde Familiar, e ele não existe. Ou seja, é uma deslocação desnecessária. Evidentemente ele vai surgir, mas há atraso na entrega e isto cria obviamente desregulação e perda de tempo de todos profissionais e essencialmente os utentes”.

Este não é o único problema apontado pelos coordenadores das Unidades de Saúde Familiar.

André Biscaia referiu também ao JPN queixas sobre o sistema informático, considerado fulcral no qual “a quase totalidade das USF teve falhas”. “Sem sistema informático não é possível ver o historial do utente, passar uma receita, passar um exame e isto produz uma série de perturbações em todo o processo”, indicou o médico.

De acordo com o relatório, em 28,6% dos casos a unidade ficou mais de 50 vezes sem acesso às aplicações informáticas e em mais de 40% de onze a cinquenta vezes no espaço de um ano. 92,2% dos coordenadores considera que não ter tido acesso às aplicações informáticas prejudicou a qualidade dos cuidados que a USF prestou.

Os valores referidos “representam um aumento relativamente aos últimos anos, aliás, agrupando os coordenadores que referiram ter ficado sem acesso às aplicações informáticas por mais de 10 vezes, essa percentagem atingiu um máximo de todas as edições deste estudo, com 70%”, pode ler-se no relatório.

Há mais dados: 57,8% dos coordenadores afirmam ter instalações adequadas, mas a percentagem diminui no que se refere ao sistema de climatização das USF e menos, ainda, em relação à central telefónica que gera uma elevada insatisfação – “o maior valor de sempre”, refere também o documento.

André Biscaia acrescenta: “Cerca de 86% dos coordenadores disse que a sua central telefónica não dá resposta às necessidades. Todas as pessoas que contactam um centro de saúde ou uma USF deparam-se com esse problema”.

Este foi um estudo que durou de março a maio de 2016, num universo de 450 coordenadores. Nas conclusões do trabalho, refere-se que “as USF – uma inovação portuguesa reconhecida internacionalmente, que trouxe mais qualidade e eficiência ao sistema de Saúde – não têm tido o necessário desenvolvimento e promoção por parte do Ministério da Saúde nos últimos anos”.

Atualmente, existem já 450 Unidades de Saúde Familiar, estimando-se que abranjam 8.235 profissionais (entre os quais médicos de família, enfermeiros e secretários clínicos). Segundo os dados de novembro de 2015, as USF já cobrem mais de metade da população: 5.194.634 utentes, representando, em relação ao modelo anterior, um ganho de cerca de mais 700.000 utentes para o mesmo número de profissionais.

“O Momento Atual da Reforma dos Cuidados de Saúde Primários em Portugal 2015/2016” foi apresentado esta sexta-feira, na Universidade de Aveiro, no decorrer do 8º Encontro Nacional das USF – Unidades de Saúde Familiar, cujo lema é “Cuidados de Saúde Primários: a aposta do novo ciclo político?”. Sábado conta com a presença do ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes.

 

Artigo editado por Filipa Silva