Há 24 anos atrás, no dia 17 de maio, a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirava a homossexualidade da lista de doenças mentais. Porque feitos destes merecem ser celebrados, comemora-se esta terça-feira o Dia Nacional da Luta Contra a Homofobia e a Transfobia que é celebrado, este ano, pela primeira vez, em Portugal.
O dia era já celebrado a nível internacional. “No ano passado houve uma proposta no Parlamento para este passar a ser também o dia nacional. Foi aprovado e, portanto, este é o primeiro ano em que se assinala como dia nacional”, indica Marta, da associação ILGA Portugal – Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero.
A nova data do calendário português não é um vitória, porque, na verdade, não é nova. “Portugal já o celebrava antes e já o assinalava antes como dia internacional. Não é tardio. Há uma apropriação do dia e ainda bem que há, mas o dia já era assinalado, pelo Estado também, como Dia Internacional [da Luta Contra a Homofobia e Transfobia]”.
Sobre a divulgação da data, Marta não tem muito a acrescentar, mas o trabalho continua para o ano: “Está a ser bastante bem divulgado. Há iniciativas a decorrer pelo país, há artigos de jornal a saírem exatamente sobre este dia. Claro que pode-se sempre fazer mais, mas está a ser bem divulgado.”
Esta terça-feira foi apresentado o relatório da ILGA que dá conta de 158 queixas de discriminação contra homossexuais e transexuais só em 2015. O levantamento de dados, realizado pelo Observatório da Discriminação, da ILGA, que todos os anos é lançado neste dia, incidiu sobre discriminação de vários tipos feita sobre a comunidade LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais).
Os dados recolhidos concluíram que os homens homossexuais foram alvo de mais agressões do que as mulheres lésbicas. Das 158 queixas válidas apresentadas nos seus serviços, 67 foram sobre discriminação sobre homossexuais e 31 sobre discriminação sobre lésbicas. É de ter ainda em conta que a ILGA recebe muito mais denúncias, só que nem todas são consideradas válidas.
Mas os números não acabam aqui. A maioria das ações praticadas contra a comunidade LGBTI incidem sobre ameaças orais, verbais ou até mesmo físicas (42%). “Num comboio de percurso urbano, um homem foi abordado por um grupo de jovens que o insultaram com expressões como ‘um homem de saias, o mundo está perdido’. Ao sair do comboio ainda ameaçaram: ‘nunca apareças, porque se apareceres o pessoal dá-te tiros’”, pode-se ler no relatório anual sobre Discriminação Homofóbica e Transfóbica em Portugal, a que o JPN teve acesso.
Esta está longe de ser a queixa mais grave. Quando confrontou os pais com o namoro com alguém do mesmo sexo, um jovem de 16 anos foi violentamente agredido “com o cabo de um martelo e uma gaveta, recebeu palmadas, murros, puxões de cabelos e abanões violentos e ouviu frases como ‘como é possível eu não matar o meu filho?’. Retiraram-lhe o telemóvel e acesso à Internet e impediram-no de sair de casa”, consta no mesmo relatório.
Já 8% das agressões são praticadas por colegas de escola e outros 8% por colegas de trabalho. Os pais aparecem em quarto lugar com 7%. O primeiro lugar foi entregue a desconhecidos com 40%. Por essa razão, a maior percentagem incide sobre atos isolados: 34% destes casos ocorre uma vez, enquanto que 30% ocorreu mais do que uma vez.
A motivação é maioritariamente a homofobia com 71%, seguida da transfobia com 6%. Os crimes são praticados na rua (24%), online (15%), em casa (14%), entre outros. Os locais nos quais há maior incidência de queixas são Lisboa (78 denúncias), Porto (18 denúncias), e Setúbal (11 denúncias).
Dos 158 relatos apresentados à ILGA, apenas 29 seguiram com uma queixa formal. O valor reduzido é justificado por falta de fé na justiça (“Não acreditámos na utilidade da denúncia à polícia”), por medo (“Medo de me baterem mais”), ou por vergonha (“Não quero que ninguém saiba o que eu sou”). As restantes 129 vítimas não apresentaram queixa.
No fim, o que o dia Nacional da Luta Contra a Homofobia e a Transfobia pretende mesmo é reduzir estes números a zero. A propósito do mesmo dia, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) libertou um relatório que dá conta de 9.612 vítimas de violência que recorreram aos seus serviços. Do total de vítimas, a maioria (cerca de 82%) eram do sexo feminino.