A Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica de Lisboa (FCH – UCL), em parceria com a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e com a empresa GfK apresentou esta segunda-feira um estudo sobre o consumo audiovisual no país. Os resultados são preponderantes e não deixam margem para dúvidas: não há (ainda) nenhum meio de comunicação que supere a televisão em Portugal.

Para a realização deste levantamento, os investigadores inquiriram 1018 pessoas com mais de 15 anos, 99% das quais veem televisão pelo menos uma vez por semana. Este resultado não varia conforme a idade e supera o de qualquer outro meio: 73% ouve rádio uma vez por semana, 68% consulta jornais ou revistas (edições impressas e online) e 61% acede à Internet. Como seria de esperar, algumas gerações mais velhas não acedem com tanta facilidade à Internet. 89% dos inquiridos com mais de 65 anos considera-se utilizador não regular do meio, o que explica também a resistência da televisão como o meio mais presente na sociedade portuguesa.

Quando questionada sobre qual o hábito que seria mais difícil de retirar da sua rotina, a maioria dos participantes afirmou que seria a televisão, com exceção da faixa etária dos 15 aos 24, a quem custaria mais perder a Internet.

Mas será que falar em televisão hoje significa o mesmo que há 10 anos atrás? Com o surgimento das “box” interativas, que nos dão a possibilidade de ver ou rever um programa que foi transmitido há uma semana atrás, a televisão perdeu a sua instantaneidade para passar a ter uma base de armazenamento que apenas a Internet pode superar. O estudo “As novas dinâmicas do consumo audiovisual em Portugal” mostra que cerca de 88% dos inquiridos volta para trás para ver um programa do início ou um momento em particular.

Para além disso, com a existência de serviços complementares, como videoclubes ou até mesmo o Netflix, a televisão revoluciona-se e torna-se mais competitiva com os meios digitais emergentes. Mas até quando durará esta supremacia? E porque é que ela sequer existe, quando a Internet poderia facilmente prestar estes mesmos serviços, de forma quase gratuita?

O JPN foi procurar respostas. Esteve à conversa com Felisbela Lopes, professora de Ciências da Comunicação na Universidade do Minho (UM), que acredita que a televisão continua no topo das preferências dos portugueses devido ao entretenimento intrínseco ao meio e à falha dos meios de comunicação em plataformas online.

Falta de estratégia no online justifica domínio da televisão

“O facto de em Portugal os media não terem uma estratégia definida para o online, obviamente atira as pessoas para os outros media, nomeadamente para a televisão, que é o meio que sempre teve maior centralidade. Depois as pessoas também procuram o entretenimento, e um entretenimento que não exija uma grande participação ou uma grande atividade por parte dos telespetadores. E por vezes à noite, por exemplo, as pessoas também não estão muito dispostas a participar ativamente nos conteúdos. A televisão propicia esta certa inatividade que alguns de nós querem ter quando consomem conteúdos mediáticos”, considera a especialista no meio.

A professora da UM vê as novas possibilidades que as “box” interativas oferecem como mais um fator que “empurra” as pessoas para a televisão. Quanto a serviços como o Netflix, Felisbela Lopes julga que a falta de sucesso dos mesmos se deve a dois fatores: “Por um lado, a falta de informação sobre o tema, o pouco conhecimento que existe sobre como realmente funciona, o que oferece, etc; E por outro lado a falta de possibilidades monetárias para comprar o serviço”.

Quando questionada sobre o futuro dos padrões de consumo audiovisual, a professora não tem dúvidas: “Os consumos de uma geração mais jovem vão fazer com que os números deste estudo mudem certamente. Vão estar mais ligados às tecnologias, em meios que integrem uma maior atividade por parte dos consumidores, por exemplo.”

Box interativas: “Isto já não é ver televisão”

O JPN falou também com Francisco Rui Cádima, professor de Ciências da Comunicação da Universidade Nova de Lisboa (UNL), que tem uma opinião bem diferente de Felisbela Lopes. Na opinião de Francisco Cádima, os resultados do estudo da Universidade Católica não se verificam nas faixas etárias mais jovens. “Existem já vários estudos, alguns com mais de dois anos, que dizem que as faixas etárias 17-22, por exemplo, já gastam mais tempo por dia na Internet do que na televisão”, indica o professor.

E quanto às novas funcionalidades que as “box” interativas trazem à televisão, o professor é perentório: “Isto é mais uma solução que de qualquer maneira distancia as pessoas do consumo tradicional da televisão. E isto já não é ver televisão. Ou seja esta mudança de aparelho faz já parte deste modelo de transição que vivemos agora, em que as pessoas alteram o suporte a partir do qual consomem conteúdos. E a partir do momento em que a própria indústria televisiva se apercebe disso, o que faz é começar a integrar componentes que estão nesses outros suportes, dentro das próprias televisões”.

Para Francisco Cádima o que está a acontecer é uma mudança do “velho aparelho de televisão” que pode alterar totalmente a forma como os telespetadores encaram o meio. “Dentro de poucos anos vamos deixar de dizer que estamos a ver televisão, porque até podemos estar a olhar para um ecrã grande, mas se quase tem equivalência a um ‘smartphone’ não podemos dizer que estamos a ver televisão. Já é outra era”, justifica.

Cádima considera que o Netflix não é bem sucedido em Portugal simplesmente porque já não há espaço para ele no mercado. “O mercado português, em termos de televisão, é um dos mais avançados a nível global. Nós temos vários sistemas, na NOS, na MEO, etc, que já são concorrentes do Netflix, que já estavam no mercado quando o Netflix apareceu e que fazem realmente concorrência ao serviço”.

No que diz respeito a previsões, o professor da Universidade Nova não se arrisca, acha que “estamos numa fase de evolução infernal em que não conseguimos prever nada”, mas acredita que o crescimento dos meios tecnológicos emergentes vai ser maior do que aquilo que conseguimos imaginar.

Artigo editado por Sara Gerivaz