Michel Temer subiu o Palácio do Planalto para assumir o governo do Brasil durante o afastamento de Dilma Rousseff. Mas o novo presidente em exercício não anda só: desafios de ordem política e econômica acompanham-no.

Michel Temer (PMDB) não terá um governo fácil. Ao assumir a faixa presidencial brasileira a 12 de maio, após o Senado aprovar o afastamento temporário e possivelmente definitivo de Dilma Rousseff (PT), o novo presidente em exercício enfrenta uma série de obstáculos.

O primeiro, e mais nítido, são os desenvolvimentos da Justiça brasileira. No seu novo governo, sete ministros já foram implicados na Operação “Lava-Jato”. O próprio Temer chegou a ser citado duas vezes por membros do esquema de corrupção, embora nenhuma investigação esteja sendo conduzida contra ele.

“A menos que o Temer consiga frear a ‘Lava-Jato’, é muito provável que as investigações cheguem ao Palácio do Planalto”, afirma o professor Carlos Ranulfo, do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais, que relembra outro obstáculo judicial que está se aproximando do presidente interino: o seu possível julgamento junto com a presidente afastada Dilma Rousseff pelo Supremo Tribunal Eleitoral (TSE).

A ação, submetida no ano passado pelo Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB), investiga a coligação formada pela dupla nas últimas eleições presidenciais, em 2014, por cometer abuso de poder político e abastecer os caixas da campanha com recursos desviados da Petrobrás. Diferente do processo de “impeachment”, Temer não pode se desenvencilhar de um eventual julgamento no TSE junto com Dilma.

“É uma situação inusitada porque agora que o Temer assumiu o poder, três dos seus ministros são filiados ao PSDB. Ou seja, um partido que hoje é aliado ao governo pode acabar abreviando o próprio governo”, ressalta Carlos Ranulfo. “Por isso, podemos até dizer que o Governo Temer pode durar até 2018, caso a presidente Dilma seja de fato retirada do cargo, mas isso vai depender das próximas movimentações da Justiça”, destaca o professor.

Contra o relógio

Além dos possíveis obstáculos judiciais, o governo de Michel Temer precisa vencer uma corrida contra o tempo. Em julho, o Congresso entra em recesso [espécie de férias parlamentares] e, logo depois, se iniciará o período eleitoral para eleger os próximos prefeitos das cidades brasileiras. O “timing”, segundo Carlos Ranulfo, não poderia ser mais desfavorável.

“O governo Temer tem somente dois meses para começar a funcionar e isso é muito pouco tempo para aprovar as medidas que ele já está anunciando, como o aumento de impostos e a reforma na previdência”, explica o professor. “Esse é um ano eleitoral e nenhum deputado quer ver seu nome associado a essas ações, pois isso pode prejudicar quem ele apoia nas eleições municipais ou seu próprio partido”.

Para Ranulfo, enfrentar a própria base aliada do partido no Congresso em tão pouco tempo será uma tarefa difícil e delicada para Michel Temer. “Nós estamos lidando agora com um governo do PMDB, que sempre foi acostumado a ter o bônus do poder, e nunca o ônus”, explica o professor, destacando que o partido de Temer sempre compôs a base aliada dos últimos presidentes desde a década de 90. “Agora, o próprio PMDB é o governo e terá que tomar decisões difíceis e arcar com suas consequências. O Temer vê uma crise grande se aproximar e não tem certeza se pode confiar tanto em sua base no Congresso”.

Ajuste tentado na Europa “não deu certo”

Além dos desafios com a Justiça brasileira e com sua base política, Michel Temer também precisa lidar com a situação econômica brasileira. Em entrevista à agência de notícias Bloomberg, o novo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, disse que as finanças do Brasil estão “piores que imaginava”.

Entre as medidas sinalizadas para o combate à crise estão um austero ajuste fiscal aliado a corte de gastos. No entanto, as ações não são bem vistas pelos economistas. “A política que o Temer está propondo agora é uma visão que está bem colada com a ortodoxia econômica”, explica Marco Resende, professor do Departamento de Ciências Econômicas e subcoordenador da pós-graduação em Economia da Universidade Federal de Minas Gerais. “Há críticas, tanto teóricas quanto empíricas, a este tipo de medidas. Este ajuste já foi tentado na Europa e não deu certo”, critica o professor.

Segundo o professor, promover um ajuste fiscal em períodos de crise, é pedir para agravar a situação. “Se a economia já está recessiva, os empresários que recebem a notícia dos cortes de gastos vão notar que vai faltar dinheiro no mercado”, pontua Marco Resende.

De acordo com o especialista, se o governo anunciar que irá cortar gastos, isso vai refletir em uma queda na produção e, consequentemente, no rendimento, o que leva a uma redução no consumo. “Por isso, o empresário, sem ter uma bola de cristal para prever o futuro, vai se manter receoso antes de investir. Numa economia que está crescendo, o governo pode realizar cortes de gastos. Mas adotar essas medidas em períodos de recessão econômica é um grande equívoco”.

Dívida pública a crescer “descontroladamente”

Marco Resende aponta que o governo Temer também enfrenta o desafio do aumento da relação da dívida pública interna brasileira e o seu Produto Interno Bruto (PIB). No último balanço do Banco Central Brasileiro, em dezembro do ano passado, a taxa se encontrava a 66,2%. Segundo o professor, o desafio não é o tamanho da percentagem, visto que em outros países, como Portugal, esta se encontra acima de 100%, mas sim o seu crescimento. “Ela está crescendo rápida e descontroladamente. Esse problema tem que ser equacionado”, explica Resende.

Para contornar o problema, o economista aponta que aumentar os impostos sobre o rendimento e a propriedade ao invés de subir impostos sobre consumo pode ser uma solução. “É preciso fazer uma reforma tributária para mudar isso, mas isso não se consegue fazer”, remata o professor.

Paulo Roberto Netto foi estudante de mobilidade internacional da Universidade do Porto nos cursos de Ciências da Comunicação e Línguas e Relações Internacionais. Atualmente, é aluno de Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte (Brasil).

Artigo editado por Filipa Silva