O 128º aniversário do "Jornal de Notícias" contou com o Presidente da República numa cerimónia onde apelou à descentralização e a uma reforma que tarda em acontecer. Também Rui Moreira manifestou o mesmo anseio. O JPN esteve lá e conta o que viu.

A comemoração dos 128 anos do “Jornal de Notícias” foi, esta quarta-feira, marcada por uma conferência dedicada ao poder local, a propósito dos 40 anos das primeiras eleições autárquicas. Com enfoque na descentralização, o evento contou com a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa e do presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira entre outros notáveis que se deslocaram ao Mosteiro de São Bento da Vitória, no Porto.

Marcelo Rebelo de Sousa não fugiu ao tema da conferência e começou a sua intervenção a defender que “o funcionamento do Estado deve ser descentralizado e, por isso, Portugal precisa de uma reforma”. Estava marcada a tónica do discurso.

Mas antes de regressar ao “porquê” e ao “como” do processo de descentralização, aproveitou a presença do General Higino Carneiro, Governador Provincial de Luanda, para fazer referência ao espírito fraterno que liga os dois países. Realçou que “Portugal olha para a Angola que cresce e que tem sucesso com uma imensa alegria”, e acredita que “Angola tem o mesmo olhar sobre os sucessos de Portugal”.

O discurso da concatenação

Regressado à descentralização, colocou a questão: “Estamos em tempo de dar continuidade ao processo de reforma? A minha resposta é sim”. Mas um “sim” diferente, que fuja à forma como as anteriores tentativas foram levadas a cabo. “As reformas têm começado pelo fim”, no combate das consequências e é tempo de “começar pelo início”. “De forma coerente e concatenada” e tendo em conta alguns fatores.

O primeiro deles, a estabilidade. Numa crítica às mudanças que, por norma, cada legislatura opera, apelou à “necessidade de consenso”, não “eterno” é certo, mas com um “horizonte mínimo que garanta estabilidade e previsibilidade”. Mas estabilidade sem “sustentabilidade” é um exercício difícil, e, por isso, lembrou, a propósito da “estabilidade financeira”, que “a lei das finanças locais nunca foi aplicada” e que “a utilização dos fundos europeus” tem sido feita sem “conhecimento”. Mas, para Marcelo, há ainda outra estabilidade que não pode ser descurada, a “sócio-política”, aquela que decorre da “adesão da opinião pública e das instituições” às mudanças a realizar e que, também ela, constitui alicerce para a descentralização.

Ainda na toada da reforma, caracterizou-a como “um processo” que “compreende vários níveis” e onde a “concatenação” tem de estar presente.

O tempo das questões

Mas mais do que certezas e respostas, Marcelo deixou questões. A propósito da hipótese de os presidentes das áreas metropolitanas do Porto e de Lisboa serem eleitos por sufrágio direto, lançou a questão: “como se conjugarão, depois, as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) com as Áreas Metropolitanas?”. Quem faz o quê? Que competências serão dadas aos diferentes orgãos? Como se impede a sobreposição entre CCDR, autarquia e área metropolitana? Questões que Marcelo quer respondidas numa “lei muito clara”. Lei a que ele, com “guardião da Constituição”, prometeu estar atento e confirmar se são mudanças exequíveis e do “interesse público”.

No seguimento da descentralização, o Presidente acabou por falar de regionalização. Mais uma vez o que deixou foram perguntas. Lembrou que fez parte da Assembleia Constituinte, em 1976, na qual a regionalização administrativa ficou consagrada e que, dessa forma, nunca se lhe poderá opor. Mas fez questão de lembrar o insucesso de todas as tentativas passadas e sublinhou dois obstáculos à sua implementação: a “separação entre as regiões administrativas e regiões-quadro” e o pouco consenso que existe na definição dessas áreas; e “as áreas metropolitanas” que poderão chocar com as regiões que resultem do processo de divisão.

Rui Moreira quer que municípios reflitam a visão dos munícipes

Rui Moreira: "um país que não descentraliza é um país desconfiado"

Rui Moreira: “um país que não descentraliza é um país desconfiado”

Para o presidente da Câmara do Porto há uma dicotomia que tem de acabar. A que se encontra estabelecida entre “os resultados estatísticos do exercício dos municípios” e a “imagem que a população tem dos autarcas”. Isto porque se os primeiros apontam para “rigor, boas práticas e saldos positivos”, a segunda continua a ser de “despesismo, gestões erráticas e más condutas”.

Outra mudança que Rui Moreira pede é que os municípios “passem a ter as competências que as populações julgam que têm”, como a “gestão das forças de segurança” e a gestão dos “transportes públicos”. Defende ainda que não haja um único modelo de “governação municipal”, mas antes “diferentes modelos”, para “diferentes realidades”.

Quanto à descentralização diz que os “processos de transferência de competências para as câmaras não podem ser uma forma de desonerar o Estado”. À transferência de competências tem de corresponder uma “transferência de financiamento”, acrescenta. E diz ainda que “sempre que há um impulso de descentralização sucedem-se impulsos legais que promovem o centralismo”. E remata em jeito de recado: “um país que não sabe descentralizar é um país que desconfia dos seus cidadãos”.

A conferência “Descentralização, Pedra angular da reforma do Estado” decorre até ao final da tarde desta quinta-feira.

 

Artigo editado por Filipa Silva