Estudo levado a cabo por investigadores da Faculdade de Direito da Universidade do Porto concluiu que nove em cada dez vítimas de homicídio no matrimónio são do sexo feminino.

Em Portugal, nove em cada dez vítimas de homicídio conjugal são mulheres, cerca de 40% dos crimes acontece nos primeiros anos da relação e 28% dos crimes são planeados. Os dados são do estudo “Homicídio conjugal – Estudo avaliativo das decisões conjugais”, realizado uma equipa da Escola de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade do Porto (FDUP).

A pedido da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), quatro investigadores da FDUP analisaram as sentenças proferidas pelos tribunais portugueses, entre 2007 e 2012, relativas a homicídios conjugais, na forma tentada e consumada.

Pedro Sousa, um dos responsáveis pelo trabalho, realça um “processo de análise do conteúdo exaustiva”, referindo-se ao estudo feito às 197 decisões judiciais que compõem a amostra. Ao JPN, o professor da FDUP, afirma que o estudo “permitiu conhecer o fenómeno” através da informação, cedida pelos tribunais, relativa às sentenças dos cinco anos.

Dos 99 homicídios tentados e dos 98 consumados, a maior parte das vítimas de sexo feminino – 52% – têm idades compreendidas entre os 26 e os 45 anos. Em toda a amostra, existem apenas 18 mulheres sentenciadas.

O docente, especializado em Criminologia, destaca também o número de condenados estrangeiros: cerca de 9% do universo analisado. Para Pedro Sousa, esta é uma “sobrerepresentação” dos cidadãos não-portugueses, já que, segundo dados de 2011, os estrangeiros apenas representam 3% da população a viver em Portugal.

Primeiros cinco anos da relação são os mais críticos

Os resultados apurados por uma equipa de investigação constituída por “pessoas com diferente background académico”, nomeadamente “juristas, psicólogos e economistas”, concluem que, apesar de, na generalidade, os rendimentos serem inferiores a 500 euros mensais,  62% dos condenados e 69% das vítimas encontravam-se profissionalmente empregados. Um quarto dos sentenciados já possuía registo criminal, “não apenas por violência doméstica”, indica Pedro Sousa.

Em média, nas sociedades ocidentais, entre 13 a 14% de todos os assassínios provêm de um contexto conjugal. No nosso país, segundo o estudo avaliativo, esse número baixa para os 12%. “Não são muito díspares”, declara Sousa. Em geral, revela o docente, existe uma “tendência de redução do número de homicídios conjugais no mundo e em Portugal”.

Um em cinco assassinos conjugais sofre de dependência de álcool, mas apenas 11% cometem o crime sob influência de bebidas alcoólicas. Os números da droga são ainda mais reduzidos: 2,6% dos homicidas tenta matar o companheiro/a sob efeito de substâncias ilícitas.

Cerca de 40% dos crimes acontece nos primeiros cinco anos da relação, segundo o estudo. Pedro Sousa afirma que “o risco diminui ao longo dos anos” já que, logo no primeiro ano de casamento, união de facto ou coabitação, são cometidos 13% dos homicídios. Em 85% da situações, ou a vítima ou o condenado têm filhos e, na maioria dos casos, os jovens coabitavam com o casal.

Em 28% das ocasiões, existe uma preparação e planeamento do assassinato, “até com a ajuda de amigos”. Os principais fatores desencadeadores são a não-aceitação do fim da relação (39,4%), a divisão de património (31,7%), o ciúme, suspeita ou conhecimento de relação extraconjugal (22,9%) e as discussões (20,6%). De acordo com o membro da comissão científica do mestrado e doutoramento em Criminologia da FDUP, costuma existir um “histórico de violência física sobre a vítima”.

“Cabe a quem está ao lado identificar as situações”

Dois terços dos homicídios conjugais são cometidos em casa, recorrendo, principalmente, ao uso de facas ou outros objetos cortantes, e armas de fogo. As molduras penais analisadas variam entre um e 23 anos de prisão efetiva, para crimes consumados, ou pena suspensa, para 16,8% dos casos, sob a forma tentada. A pena média situa-se nos 11 anos de encarceramento.

Em suma, Pedro Sousa deixa várias recomendações: “Não se identifica neste estudo, pelo menos na reflexão que nós pudemos realizar, nenhuma necessidade de se alterar os quadros legais ou processuais penais vigentes”, esclarece o professor da FDUP.

“É importante melhorar as condições de prevenção e repressão da violência doméstica e, sobretudo, promover uma maior educação da sociedade, até no sentido de se tornar numa sociedade mais informada e capacitada com mais poder de intervenção de identificar e denunciar situações porque, em muitas situações, as vítimas são uma parte que não consegue denunciar”, explana Pedro Sousa. Portanto, para o docente, “cabe a quem está ao lado, ao resto da sociedade, identificar as situações”.

O grupo de trabalho estará presente esta tarde, nas instalações da FDUP, para apresentar os resultados de uma investigação realizada, segundo os participantes, “em tempo recorde”.

Artigo editado por Sara Gerivaz