O São João também pode ser uma roda viva de cor, risos e movimento. A instalação artística "GIRA" e as dezenas de martelinhos reinventados dão as boas-vindas à festa, no Largo de São Domingos e no Palácio das Artes, no Porto.

A uma semana da festa mais esperada do ano, o São João já mexe. Mexe, gira e desperta o olhar de todos. Ao final da tarde desta quinta-feira, o Largo de São Domingos juntou dezenas de pessoas atentas à nova peça instalada na praça. Centenas de martelinhos, unidos numa estrutura esférica de metal foram a atração principal do espaço e fizeram as delícias de crianças, famílias e turistas.

“GIRA” foi a proposta vencedora da categoria “Intervenção em Espaço Urbano” do Concurso de Martelinhos de S. João da Fundação da Juventude (FdJ), criada pela primeira vez este ano, em parceria com a PortoLazer.

A estrutura faz lembrar um carrossel e, por isso, os mais novos não lhe deram descanso. Pela pequena porta, foram entrando. Por dentro, um mundo de cores e movimento. Ao lado, os autores da instalação observavam a interação das pessoas com a peça, satisfeitos. “É a nossa maneira de trabalhar. Em vez de estarmos a fazer ou a criar peças que sejam só para contemplar, afastamo-nos um pouco dessa ideia e fazemos de facto peças que se relacionam e que obrigam as pessoas a relacionar-se com a própria peça e com a cidade”, explicou ao JPN o arquiteto Miguel Costa.

A folia do São João já começou. As exclamações e gargalhadas captam a atenção de quem passa, que se detém para sorrir também. A brincadeira toma conta do eixo entre a rua Mouzinho da Silveira e a rua das Flores. Turistas de máquina em punho vão fotografando populares que fazem girar a estrutura. “É retomar uma ideia que tem a ver com o brincar na cidade, brincar em espaço público e voltar a trazê-la para a rua, para a praça, para o largo. Depois permitir que a peça seja apropriada por toda a gente”, continuou o arquiteto responsável pelo projeto, que partilha o trabalho com Meireles de Pinho.

A inspiração para a obra foi a copa do manjerico, mais redonda, à qual se juntou a cor das centenas de martelinhos, elemento de utilização obrigatória no concurso. “A interatividade que esta peça consegue gerar e a participação da comunidade, a integração na festa e celebração do São João foi, sem dúvida, um dos aspetos que levou à valorização deste projeto”, considerou Cláudia Melo, representante da PortoLazer.

Misturar a arte com a comunidade

A também membro do júri do concurso é da opinião que a abertura desta categoria acaba por cobrir “mais expressões e áreas artísticas” e por promover novos valores: “Este tipo de concurso possibilita que novos artistas consigam produzir o seu trabalho e mostra-lo à cidade”.

A instalação “GIRA” é o primeiro passo de um “arraial” artístico e um convite à exposição que contempla os 250 martelos finalistas do concurso da Fundação da Juventude. “É um pouco levar a exposição e o concurso para fora do Palácio das Artes e tentar puxar a comunidade em si para dentro do palácio, para participar no concurso”, clarificou ao JPN Ricardo Carvalho, presidente executivo da FdJ.

Na festa de São João há sempre lugar para os cantares tradicionais. Após um momento musical protagonizado pela Tuna de Engenharia da Universidade do Porto, a romaria seguiu para dentro do Palácio das Artes. Aos artistas e representantes das instituições envolvidas juntaram-se os populares mais curiosos. E o “arraial” ganhou uma nova dimensão.

Dentro do espaço, as pessoas foram preenchendo as várias salas da exposição. A palavra de ordem era o martelo que inundou todos os espaços. A disposição dos trabalhos foi pensada ao pormenor pelo designer Orlando Magalhães, da Without Map, convidado pela Fundação da Juventude para desenhar a exposição.

Uma linguagem viva e percetível a todos

Em cada espaço, os martelos falam por si. O “arraial” foi montado com os projetos em 3D em cima das mesas centrais e com os trabalhos 2D a pintar as paredes. Famílias comentam os trabalhos e aventuram-se pelas salas. A criatividade anda de mão dada com a tradição em cada peça criada. A história da cidade do Porto e da festa do São João é contada, martelo a martelo, entre bandeirolas azuis. Há espaço para as típicas francesinhas e sardinhas, fogueiras e manjericos, ponte D. Luís e zona riberinha, balões de São João ou personagens características da Invicta. Lembraram-se ainda as novas tecnologias e os transportes da cidade.

“Era importante revitalizar a linguagem e simplifica-la porque nós portugueses sabemos exatamente o que é, mas nunca nos podemos esquecer que um manjerico para um estrangeiro é uma planta de cozinha, nunca associam a festas”, revelou Orlando Magalhães ao JPN.

Entre os mais abstratos e os mais evidentes há algo que não pode faltar nos martelos: a cor. Não há limites para a imaginação e cada objeto foi reinventado de forma característica. Para os tridimensionais utilizou-se tecido, fio do norte, plástico, cortiça, cartão.

O manjerico e o alho-porro contagiam, também eles, as salas. O salão principal apresenta as duas propostas vencedoras das categorias Objeto e 2D, com uma parede de azulejos que lembra o São João, concebida por Orlando Magalhães.

Levar o concurso e o São João a todo o país e ao mundo

O vencedor da categoria “2D” foi o martelinho de André Barata Cruz. “Peter van Click vai ao São João” conta, em parte, a história do autor. O jovem formado em Arquitetura em Coimbra é natural de Vila Real de Santo António, mas há muito que o Porto faz também parte da sua vida. Com o seu martelo quer mostrar que a cidade e a festa de São João é um bocadinho de todos, fruto do turismo crescente na cidade. “Senti que o São João não é apenas para os cidadãos do Porto, mas sim para todos os cidadãos do mundo”, revelou André ao JPN.

Esta é a ideia que a Fundação da Juventude tem trabalhado ao longo das cinco edições do concurso. “É passar a mensagem que o concurso é nacional, é para todos. A festa de São João é uma festa também ela nacional e o Porto é uma cidade não só nacional, mas cada vez mais europeia e internacional”, sublinhou Ricardo Carvalho.

O presidente da fundação confessou não ter recebido tantas propostas quantas as esperadas, apesar do crescimento de 15% em relação ao ano passado. Ainda assim, as que chegam à FdJ são “cada vez mais criativas e de alguma forma mais inovadoras” e o desafio passa por levar o concurso a todo o país.

Montra de oportunidades para os jovens artistas

Raquel Leitão e Olga de Almeida são as vencedoras na categoria “Objeto”. As duas jovens, formadas em Serviço Social e Design respetivamente, decidiram arriscar pelo lado criativo e apresentaram o “Martelo-Porro”.

O martelo junta dois elementos incontornáveis das festas de São João, o martelo e o alho-porro e “traz cheiro e tudo”. As premiadas anularam o barulho característico do martelinho e tentaram “transformá-lo, de uma forma mais harmoniosa” e com “uma silhueta mais bonita”.

O Palácio das Artes vai ser a casa dos mais de 200 martelos até ao dia 7 de julho e os martelos vencedores vão fazer parte das festividades do próximo ano. Para Ricardo Carvalho, este concurso acaba por cumprir uma das missões da Fundação da Juventude que é “ter um equipamento cultural como este aberto à cidade e dar a oportunidade aos jovens, para que de alguma forma possam servir essa oferta cultural que a cidade oferece a quem nos visita”.

O Concurso de Martelinhos de S. João atribuiu distinções no valor de 1.000 euros aos vencedores do primeiro prémio de cada categoria que, para além de “Objeto” e “2D”, conta também com “Vídeo”. A dupla vencedora da categoria “Intervenção em Espaço Urbano” recebeu 1.500 euros.

Para além da PortoLazer, também Fundação Millennium bcp é parceira da Fundação da Juventude no concurso.