Pedro Afonso é português e está em Glasgow há um ano e meio a fazer um doutoramento na área da Economia da Saúde, em “Health Technology Assessment”. A escolha do destino deveu-se ao facto do Reino Unido ser “uma bastião” nesta área de estudo, ou não fosse dono de um serviço nacional de saúde considerado de topo e que serviu de inspiração a outros no mundo. Incluindo o português, na opinião do jovem investigador luso.

O vice-presidente da PARSUK – a Portuguese Association of Researchers and Students in the UK, que reúne 1.200 membros -, foi também em busca de uma experiência internacional, como tantos outros. Querem fazer parte deste “grande motor da ciência internacional” e buscar “uma experiência que os valorize e diferencie”. O ambiente é multicultural.

“Mais de 50% das pessoas na sala onde trabalho são não-britânicos”, conta ao JPN pelo telefone, numa conversa a propósito do referendo de quinta-feira, que vai ditar a saída ou a permanência do Reino Unido (RU) na União Europeia (UE). “E nós valorizamos muito isto: trabalhar com pessoas de diferentes culturas, com diferente ‘background’, é algo muito enriquecedor”, completa. Mas são vários os aspetos sobre os quais se levantam dúvidas.

O que pode mudar? Propinas, Erasmus e vistos

O Reino Unido tem mais de 2 milhões de estudantes no Ensino Superior. Cerca de 125 mil vêm de países da União Europeia. São 5% do total. Atualmente, estes estudantes, no caso das licenciaturas e de alguns mestrados, pagam a mesma propina que os britânicos – cerca de 9 mil libras, ou 11.500 euros – e são elegíveis para o sistema de empréstimos. Já para os estudantes ditos internacionais, este valor supera as 20 mil libras (mais de 25 mil euros).

Outra incógnita reside no que acontecerá ao nível do programa Erasmus. Mais de 200 mil britânicos já beneficiaram do programa desde que foi lançado em 1987. E os números, quer dos que saem quer dos que entram, têm aumentado todos os anos. Em 2013/2014, atingiram-se novos máximos: 15.610 a sair e 27.401 a entrar.

De acordo com dados da Comissão Europeia, foram concedidos 79 milhões de euros a estudantes, docentes e não docentes britânicos em bolsas de estudo, formação e voluntariado no estrangeiro só nesse ano letivo.

“Sem o Erasmus teríamos enormes dificuldades em colocar os nossos estudantes fora”, apontou Nigel Carrington, vice-reitor da Universidade das Artes, em Londres, ao “The Telegraph”.

A livre circulação do pessoal académico é outro ponto no centro do debate. De acordo com o “The Guardian”, cerca de 15% do staff nas instituições britânicas é estrangeiro, vindo de países da União Europeia. A percentagem chega aos 20% no caso de algumas universidades de elite.

Chris Patten, reitor da Universidade de Oxford, dá o exemplo: “Tipicamente, em Oxford, cerca de 1/6 do nosso staff vem de países da UE e se tiverem de requerer vistos para virem para aqui, isso constituirá um impedimento”. “Um dos meus medos é que, se sairmos da UE, veríamos muitos mais dos nossos académicos a viajarem para o Oeste, para irem para os Estados Unidos”, conclui ao “Telegraph”.

Os milhões do European Research Council

Se ao nível da entrada e circulação de pessoas as questões ainda sem resposta são muitas, no que toca ao financiamento da investigação britânica as respostas não são muito mais esclarecedoras. Mas os números são de respeito.

O Reino Unido é o país da União Europeia onde estão baseados mais investigadores financiados pelo European Research Council (ERC). Das 6.223 bolsas de investigação concedidas desde 2007 pelo ERC, 1.364 foram para o Reino Unido. Uma percentagem de 22% do total, bem acima da Alemanha (15%) e da França (13%) – Portugal está na casa do 1% com 59 bolsas.

Wendy Piatt, do Russell Group, que representa 24 universidades de topo do Reino Unido, entre as quais Oxford e Cambridge, revelou numa entrevista à Sky News que estão em causa cerca de 500 milhões de libras (644 milhões de euros) angariados em vários organismos de apoio à investigação.

O Russell Group, sozinho, angaria mais financiamento que a Alemanha ou a França. “A perda desse financiamento seria realmente significativo e não consigo perceber como iríamos compensar esse valor”, declarou.

Os argumentos pró “Brexit”

Os defensores do “Brexit” acreditam que o Reino Unido não se vai sair mal neste setor. Defendem, por exemplo, que a diminuição de estudantes da UE vai abrir mais vagas para estudantes britânicos, dando resposta a uma crescente procura interna pelo Ensino Superior. E beneficiando, eventualmente, estudantes de outras geografias, que pagam propinas mais altas.

O contingente de estudantes chineses, por exemplo, é de longe o mais representado no Reino Unido. Em 2014/2015, eram 89.540 no total, isto é, o equivalente ao número de alunos dos 10 países da União Europeia que mais “exportam” estudantes para o RU.

Dizem ainda que com a poupança obtida com o fim das contribuições para a UE, se compensa largamente o dinheiro que pode deixar de entrar. Só 3% dos gastos em I&D no RU é financiado pela UE, de acordo com um dado citado pela BBC.

Dão ainda como exemplo os sistemas de ensino e investigação dos Estados Unidos e da China para dizer que são referências mundiais e não estão dentro da União Europeia.

E juntam à lista a possibilidade das instituições britânicas se poderem libertar da onerosa regulação de Bruxelas, por exemplo ao nível das regras impostas nos ensaios clínicos.

Uma superpotência “em risco”?

O Reino Unido tem apenas 1% da população mundial e 4% dos investigadores, mas têm origem no RU 16% dos trabalhos de investigação mais citados.

A política e a economia têm dominado o debate em torno das consequências da saída do Reino Unido da União Europeia, mas no setor do Ensino Superior e da Ciência, um dos mais lucrativos no Reino Unido, também há razões para preocupação.

Voltamos a Wendy Piatt: “A saída [da União Europeia] poria o nosso estatuto de superpotência da Ciência e Ensino Superior em risco”.

O principal problema reside, para esta responsável, na “colaboração”. “Todo o sucesso na sociedade do conhecimento tem por base a capacidade de colaborar com as melhores mentes em todo o mundo, mas particularmente na Europa”.

Chris Patten, de Oxford, acrescenta outro dado: se o RU sair da UE então sairá também do centro de decisão, neste caso, sobre o caminho que a investigação europeia deve seguir: “É possível ter um acordo de associação com a UE para atividades de investigação mesmo não sendo membro. É o que acontece com a Suíça, mas eles têm de pagar um preço e o preço é, normalmente, a livre circulação de académicos e é também não serem verdadeiramente parte da discussão sobre o tipo de investigação que devemos estar a fazer”.

Não admira assim que o sentimento na academia seja em geral “pró ‘remain”, como nos diz Pedro Afonso: “Há pouco vi um estudo num jornal online que dizia que nove em cada dez académicos defendem o ‘remain’”.

Quem vai ganhar? Ninguém

O desfecho do referendo, marcado para a próxima quinta-feira, é um grande ponto de interrogação. Nos últimos dias, o “Leave” e o “Remain” têm estado taco-a-taco nas previsões. As circunstâncias trágicas da morte da deputada Jo Cox têm sido associadas à recuperação dos que defendem a permanência, mas o site YouGov garante que a perda de “momentum” do “Leave” é anterior ao acontecimento.

Pedro Afonso acredita que seja qual for o desfecho, nada vai ser como dantes: “Algo de bom certamente não virá. Ou seja, independentemente do resultado desta quinta-feira, ganhe o ‘Remain’ ou o ‘Brexit’, as coisas certamente não irão melhorar. O quão piorará, é complicado de prever”, defende.

“Há uma grande incerteza sobre o que estará para lá do resultado daquelas eleições. Há uma cortina de nevoeiro e é muito incerto. Isto nunca aconteceu, ninguém sabe o que poderá vir depois. E mesmo estando cá, é muito complicado arranjar respostas”, resume o investigador.

De acordo com dados da Higher Education Statistics Agency, pedidos pelo JPN, em 2014/2015 as instituições britânicas acolheram 2.730 estudantes e 1.005 académicos portugueses.