A oficina do senhor Fernando, na Rua dos Bacalhoeiros, é um ponto de paragem para quem por lá passa. Com vista privilegiada sobre o Douro, o mestre Náná tem por ocupação a construção de barcos de madeira há vários anos.
O Muro dos Bacalhoeiros, na Ribeira do Porto, faz lembrar uma construção de legos. Lado a lado, as casinhas multicolores adormecem encostadas umas às outras, sempre a olhar a mesma paisagem.
No muro, um barco de madeira com o nome “Náná”. Junto a uma das portas, o rádio convida os turistas a embarcarem num universo genuinamente portuense. A oficina de Fernando – Náná para os amigos – é um dos locais mais visitados da zona ribeirinha.
O número 130 marca a travessia do real para o imaginário. De repente, é como se todos os barquinhos, que viajam no rio mesmo ali ao lado, estivessem agora parados, para todos aqueles que queiram apreciar cada um dos seus detalhes.
Já há vários anos que Fernando é o comandante desta aventura. No entanto, o início da expedição remonta a gerações mais antigas. O primeiro almirante da frota foi o avô de Náná. Nessa altura, os barquinhos de madeira eram construídos apenas para entreter.
Hoje, quem quiser já pode comprar as peças de artesanato construídas pelo senhor Fernando. Mas engane-se quem acha que esta ciência é coisa de um só dia. Náná, em tempos formador dos mais jovens, conta que um barco nunca sai bem à primeira. É preciso ver quais são os erros e melhorar no seguinte: “Se não for o terceiro é o quarto. Sai-lhe um barco direitinho, direitinho e impecável, não tem problema nenhum”.
Náná, de cabelos grisalhos, boné azul claro e bigode farfalhudo, vai falando ao mesmo tempo que dá vida a um novo projeto. De quando em quando, mergulha o pincel na lata de tinta vermelha, espalhando-a na parte inferior do barco. “Há pouco tempo vendi um barco igual a este”, conta ao JPN. O que agora pinta não tem destinatário, exceto o próprio Náná: o sentimento saudosista por ter largado ao rio um barco igual ao que vendeu fê-lo apostar nesta réplica.
A admiração dos visitantes estrangeiros pelo pedaço de Porto imortalizado na madeira colorida e habilmente trabalhada fá-los querer levar consigo um pedaço do que veem. Entre fotos e filmagens, os barcos são registados e levados para casa para recordação. Há quem os leve consigo fisicamente. “O barco mais caro custa 250 euros e o mais barato custa 10”, informa o comandante da frota, orgulhoso por ter vendido no passado mês de maio “24 barquinhos pequeninos” ao preço mínimo.
De entre a pilha de madeira organizada nas prateleiras, sai um conjunto de folhas com esboços. Antes da construção do barco, Náná costuma elaborar um desenho da ideia que tem em mente. Se não é através de esboços, é através de fotografias. Ainda assim, cada barco tem a sua essência. “O barco de vela tem de ter quilha grande. O barco de motor tem de ter estabilizador dos lados”, explica.
Os barcos de Fernando viajam por todo o mundo, assim como o próprio já o fez em tempos. Náná foi marinheiro durante oito anos. “Corri muito. Corri muito mundo. Andei embarcado vários meses. O mais tempo que andei foi na Soponata [Sociedade Portuguesa de Navios Tanques], no Golfo Pérsico”. A formação enquanto marinheiro, aliada à sabedoria na área da carpintaria, permite que os pormenores de cada barco sejam construídos com detalhe e rigor. Por dedicar tanto tempo à obra, Náná tem pena de os vender. Ainda assim, vai vendendo um ou outro.
Com as duas portas abertas, a luz refletida pelo rio ilumina o espaço de Náná. Em primeiro plano, as madeiras e os materiais. Em segundo plano, os barcos em exposição. A vaidade pelas obras que vai construindo e a pena de vê-los levados por alguém, dão origem a um espaço unicamente dedicado a exposição.
“O Porto é maravilhoso”, enfatiza Fernando, com a alegria de quem tem o prazer de trabalhar com as cidades de Gaia e Porto como pano de fundo. Para o comandante desta frota é simples: “Se vêm ingleses ou alemães passar férias aqui e eu que sou daqui não hei-de passá-las? Passo-as aqui”. Vê-se estampado no rosto o orgulho pela sua cidade. “Conheço algumas coisas do mundo, mas acho a nossa cidade muito bonita. Melhor que qualquer uma”, enfatiza.
A oficina de Náná é ponto obrigatório de paragem para quem visita a cidade. A afluência de turistas é mais alta no período de verão, principalmente nos meses de julho, agosto e setembro. Entre chineses e venezuelanos, japoneses e brasileiros, foi “um indivíduo do Consulado da Tailândia” que lhe fez o pedido mais caricato. “Comprou dois barcos” e depois pediu mais cinco para levar para a Tailândia.
Todos os dias são uma novidade e há sempre algo a fazer. São muitas as pessoas que entram com o cheiro da curiosidade e fotografam com um sorriso nos lábios e olhar de fascínio. Náná está habituado e, tal como as ferramentas estão organizadas por categorias, as pessoas circulam ordeiramente para desta oficina levarem consigo o melhor: barcos e memórias.
A sabedoria popular corre-lhe nas veias. Náná sabe que, se “grão a grão, enche a galinha ao papo”, tudo se consegue ao seu ritmo. Dois meses foi o tempo máximo que já levou para concluir a sua maior criação. O empenho e a paixão que traz nas palavras deixam a certeza de que, prego a prego, constrói Náná o barco. E assim o fará por muitos anos.