A necessidade de se afirmar, de mostrar que é uma cidade ímpar e de tentar deixar a sua marca no mapa do mundo foram três dos desafios que, nos últimos 20 anos, o Porto enfrentou.
O estatuto de Património Mundial, atribuído em 1996 pela UNESCO não foi determinante para que fossem estas as principais preocupações da cidade, mas ajudou. Esta designação pressionou a classe política a reabilitar o centro histórico e a respeitar o passado e as marcas que a história gravou na cidade.
Ao mesmo tempo, o reconhecimento da UNESCO abriu outras portas, ao nível das ajudas económicas para potenciar a cidade.
Como recorda Fernando Gomes, presidente da Câmara Municipal do Porto (CMP) entre 1990 e 1999, a divulgação do Porto junto de algumas entidades internacionais “teve a vantagem de conseguir para o Porto, através de uma medida europeia que se chama ‘pacote Delors’, investimentos para, por exemplo, uma zona que hoje está completamente abandonada e degradada”, a Viela do Anjo”.
O antigo autarca conta ao JPN que, na altura, Jacques Delors, presidente da Comissão Europeia, veio ao Porto e visitou esse quarteirão.
A Viela do Anjo ilustra o facto de que nem sempre o trabalho dos últimos 20 anos foi facilitado ou, por vezes, frutífero. Ao passar em revista as duas décadas passadas, o nome do ex-autarca, Rui Rio, é citado.
Manuel Correia Fernandes, atual vereador do Urbanismo da CMP, acaba por ser o mais comedido nas críticas feitas a Rio. O socialista discorda do anterior presidente da Câmara do Porto no facto deste entender o “espaço do Porto” como o “espaço interior da circunvalação”.
“Nós vivemos até há pouco tempo já fora de tempo, o consulado do Dr. Rui Rio é um consulado de ensimesmamento da cidade, de olhar para a cidade, no caso do Porto, para o interior da circunvalação. E isso é uma ideia completamente errada, aliás eu penso que ele próprio, neste momento, tem uma visão completamente diferente”, sustenta Correia Fernandes.
A visão de um Porto fechado não é a única razão pela qual se culpa Rui Rio.
O encerramento do Comissariado para a Reabilitação Urbana da Área da Ribeira/Barredo (CRUARB), vital para a candidatura à UNESCO e para a reabilitação do centro urbano, assim como o fim da Fundação para o Desenvolvimento da Zona Histórica do Porto (FDZHP) e a criação da Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU) em substituição foram sempre decisões controversas, especialmente tendo em conta o trabalho do CRUARB, criado em 1974.
A reabilitação da Ribeira, um dos espaços mais importantes do centro do Porto foi, por exemplo, uma das vitórias do comissariado.
A Cimeira Ibero-Americana e a Capital da Cultura
Nem tudo nos últimos 20 anos da cidade foi, contudo, mau. Dois anos após o estatuto da UNESCO, o Porto recebeu a Cimeira Ibero-Americana.
Num evento que juntou 21 países e trouxe Fidel Castro pela primeira vez ao Porto, foram várias as consequências positivas para a cidade, como relembra Fernando Gomes: “Foi um pretexto para que a Alfândega do Porto, que era uma alfândega vazia e a cair de podre, passasse para o serviço da cidade e fosse transformada num museu de transportes e num centro de congressos”.
Além disso, o antigo autarca afirma que a reabilitação desde a ponte D. Luís I até à Foz, da marginal, foi realizada por causa da cimeira.
Depois deste evento, o Porto foi palco de mais eventos. Dois anos após a cimeira, a Capital Europeia da Cultura, em 2001.
A par do grande projeto da Casa da Música e da divulgação cultural, a nomeação como Capital Europeia da Cultura trouxe ao Porto uma obrigação: a de cuidar dos seus espaços culturais.
Fernando Gomes esclarece que, por conta do projeto Porto 2001, houve uma série de estruturas a merecer reabilitação: o Teatro Rivoli, o Coliseu, o Teatro Nacional de São João, o Teatro do Campo Alegre, entre outros.
A Biblioteca Municipal Almeida Garrett nasce nesta altura e as ruas do centro histórico – Clérigos e envolventes, Rua do Almada, Rua de Sá da Bandeira, caminhos do Romântico e D. Pedro V – foram revitalizadas também.
Euro 2004 e o património humano
No espaço de 20 anos houve ainda tempo para Portugal ser o país anfitrião do Campeonato Europeu de Futebol. Estávamos em 2004. O maior evento desportivo realizado pelo país não deixou a cidade indiferente: reabilitou-se a zona das Antas e inaugurou-se o Estádio do Dragão.
A SRU foi também um destaque da cidade por boas e más razões. Desde a sua criação, em 2004, a sociedade atuou em várias partes da cidade e do centro histórico, como as Cardosas, Carlos Alberto, D. João I ou Clérigos. Apesar de muitas vezes criticada, a SRU continua a merecer a confiança do atual executivo, segundo Correia Fernandes.
Ainda assim, no fim de tudo isto, o que se destaca realmente são as pessoas. Numa cidade que nunca parou de mudar, num centro que é parte integrada de uma grande área metropolitana, as mudanças procuraram facilitar a vida às pessoas e elas próprias tornaram-se um motor de mudança na cidade.
Para António Fonseca, presidente da União de Freguesias do Centro Histórico do Porto “uma das situações que levou a que este estatuto fosse dado à cidade do Porto, nomeadamente a esta zona, foi, também, a sua parte humana, a sua cultura local. Não é só o edificado. Mudou a atitude das pessoas face à zona histórica do Porto”, declarou ao JPN.