Os Jogos Paralímpicos da Rio 2016 só decorrem em algumas semanas e Tóquio 2020 ainda está longe no horizonte. Com o encerramento da Rio 2016, o que restou além da lembrança e das medalhas da competição são as histórias dos atletas que fizeram parte do evento.

Pensando nisto, o JPN reuniu um conjunto de atletas que venceram verdadeiras barreiras para estar presente na Rio 2016 e mostraram que o espírito olímpico pode vir em inúmeras formas além de uma medalha de ouro.

#1 – Vanderlei Cordeiro de Lima e o bronze com gosto de ouro

Vanderlei Cordeiro de Lima

Vanderlei Cordeiro de Lima

No dia da abertura dos Jogos Rio 2016 a expectativa de quem acenderia a pira olímpica virou ponto de discussão entre a população. Houve quem acreditasse que Pelé ficaria com a honra, visto que o próprio não chegou a competir nos Jogos em sua fase de ouro. Outros tinham certeza que Pelé não assumiria o posto por problemas de saúde e que a pira ficaria a cargo do tenista Gustavo Kuerten, o Guga.

Não foi Pelé, tampouco foi Guga, embora este tenha sido um dos últimos a receber a tocha olímpica no revezamento. Quem ascendeu a pira olímpica foi o maratonista Vanderlei Cordeiro de Lima, que naquele momento transformou (se não o tinha feito antes) o bronze de Atenas em algo mais valioso que a medalha de ouro.

A história de Vanderlei se tornou icônica no último domingo dos Jogos de Atenas, em 2004, quando ao liderar isoladamente na primeira posição, Lima foi empurrado por um antigo padre irlandês Cornelius Horan. O empurrão não custou apenas tempo ao maratonista, custou também sua concentração e, no final da corrida, a medalha de ouro no horizonte se transformou numa de bronze.

Vanderlei, no entanto, não se deixou abater e entrou na reta final do Estádio Olímpico de Panathinaikos tão contente quanto se ganhasse um ouro. Agradeceu e não se abateu com o bronze. A humildade lhe valeu a Pierre de Coubertin – honraria concedida pelo Comitê Olímpico Internacional para aqueles que demonstram o verdadeiro espírito olímpico.

Doze anos depois, o bronze de Vanderlei, se antes já não tinha esse gosto, passou a ser de ouro no momento que o maratonista acendeu a pira olímpica.

#2 – Yusra Mardini e a luta pela vida nas águas

Yusra Mardini

Yusra Mardini Foto: Wikipédia

A delegação dos refugiados, a primeira em uma edição olímpica, trazia por si só um conjunto de histórias de vida de quem lutou pela sobrevivência. Yusra Mardini, da Síria, não poderia exemplificar melhor.

Se em 2016, Mardini estava nas águas da Rio 2016 em disputa por medalhas com os melhores do mundo, no passado a jovem síria teve de enfrentar o Mediterrâneo pela própria vida e pela de outros. A família da jovem, cuja casa em Damasco foi bombardeada, estava à deriva em um bote insuflável. O motor da embarcação avariou. Yusra e outra refugiada amarraram cordas em seus corpos, se lançaram na água e nadaram por três horas em mar aberto até a ilha de Lesbos, na Grécia, com o bote preso às suas costas.

Na Rio 2016, Yusra Mardini terminou na penúltima posição. Mas sua participação entra na história dos Jogos menos pelo resultado final e mais pela sua dedicação e empenho para salvar a própria família e outros refugiados das garras do Mediterrâneo.

#3 – Majlinda Kelmendi e o histórico ouro do Kosovo

Majlinda Kelmendi

Majlinda Kelmendi

Além da delegação dos refugiados, outra equipa competia pela primeira vez nos Jogos Olímpicos neste ano. A delegação do Kosovo, país situado na península dos Bálcãs, não apenas participou da competição como também conseguiu o primeiro ouro no segundo dia. A conquista foi da judoca Majlinda Kelmendi que derrotou a italiana Odette Giuffrida na categoria -52kg.

Esta não é a primeira olímpiada de Majlinda, que competiu em Londres 2012 pela Albânia. Uma voz que defendia a independência do país, a judoca declarou a jornalistas que “sempre sonhou em representar a bandeira do Kosovo”, algo só possível após o Comitê Olímpico Internacional reconhecer o país.

Além do histórico feito, a judoca ainda conseguiu o ouro no Brasil, um dos países que não reconhecem a independência do Kosovo e o trata como uma província separatista da Sérvia.

#4 – Rafaela Silva e a vitória das favelas brasileiras

Rafaela Silva

Rafaela Silva

Rafaela enfrentou obstáculos desde o começo: nascida na Cidade de Deus, uma das mais conhecidas favelas da zona oeste do Rio de Janeiro que foi cenário do filme homônimo, a judoca enfrentou o preconceito e se tornou uma das favoritas em Londres 2012.

O favoritismo, no entanto, se transformou em pesadelo quando, ao perder nas oitavas de final, Rafaela foi vítima de ofensas racistas de internautas. A atleta teve de consultar psicólogos para lidar com as críticas. Foram mais quatro anos de treino e acompanhamento para deixar o preconceito sofrido em Londres para trás.

E ela conseguiu. Não apenas silenciou as críticas contra seu desempenho em 2012 como, mesmo sem ser uma das favoritas, arrebatou a medalha de ouro. Mais do que isso, provou aos brasileiros e estrangeiros que origem e a cor da pele não seriam justificativas para lhe barrar a conquista olímpica.

#5 – Robel Kiros Habte e a admiração por estar “fora dos padrões”

Robel Kiros Habte

Robel Kiros Habte

Na fileira antes da largada dos 100 metros livres, uma figura se destacava por não possuir um torso tonificado ou costas definidas. Pelo contrário, o corpo de Robel Kiros Habte era o que no Brasil chamam de “corpo de paizão”, o que envolve uma barriga proeminente. O que poucos sabem é que Habte é o único nadador profissional da Etiópia.

“Somos um país de corrida – as pessoas crescem e só pensam em correr”, declarou Habte a jornalistas. A Etiópia é um dos países que se destacam no atletismo, mas pouco participam de modalidades como natação. “Gosto da natação, mas o que eu queria era ser diferente”, afirmou.

O resultado de Habte e seus 24 anos foi terminar a prova dez segundos atrás de todos os adversários. Apesar de não ter faturado o resultado que queria, Habte saiu contente pelo fato de ter competido nos Jogos da Rio 2016 e, mais do que isso, foi ovacionado pelos espectadores.

#6 – Shang Chunsong e a superação da pobreza

Shang Chunsong

Shang Chunsong

Apesar de ter saído dos Jogos com uma medalha de bronze, a pequena chinesa Shang Chunsong deixa um legado na Rio 2016 com sua história de superação pessoal e seu nobre objetivo com a ginástica: garantir um futuro melhor para a família.

Nascida em um vilarejo distante da província de Hunan, uma das regiões pobres da China, Chunsong mal tinha o que comer em casa e pouco para se aquecer durante o inverno. Aos seis anos, quando começou seus estudos, atravessava uma montanha para chegar à escola acompanhada pelo irmão, seis anos mais velho.

O irmão, inclusive, é uma das inspirações para a ginasta. Diagnosticado com um problema de visão, Shang Lei poderia ter sido tratado caso a família conseguisse arcar com as despesas médicas. Não conseguiram. Como consequência, o rapaz foi perdendo a visão gradualmente até que a escuridão total se abateu.

Ao começar na carreira de ginasta, Chunsong usava o salário para ajudar no sustento da família. Seu irmão decidiu largar a escola e se tornar massagista, apesar de cego, para garantir que a atleta não deixasse a ginástica de lado. Os objetivos de Chunsong são simples: pagar uma residência para os pais e garantir um tratamento para que o irmão volte a enxergar.

A ginasta chinesa deixou sua primeira Olimpíada com o terceiro lugar na competição por equipes feminina e com um lugar nas histórias inspiradoras dos Jogos.

#7 – Oksana Chusovitina, sem hora para parar

oksana_chusovitinaSe os Jogos Olímpicos do Rio foram os primeiros de vários atletas, para a uzbeque Oksana Chusovitina esta foi a sétima competição. Sua primeira disputa olímpica foi no longínquo ano de 1992, em Barcelona. De lá para cá, competiu por três países sendo um deles (a União Soviética) já inexistente.

Na carreira de quase três décadas, Oksana colecionou medalhas pela Equipa Unificada (formada pelos países que integravam a Comunidade dos Estados Independentes, antigas repúblicas da União Soviética), Alemanha e Uzbequistão.

A longa trajetória marcada por vitórias nas tantas competições disputadas poderia ter chegado ao auge no Rio, como pensaram alguns espectadores que ergueram cartazes agradecendo a ginasta, como se sinalizassem a aposentadoria da agora quarentona Oksana Chusovitina. Ela, no entanto, deixou claro que a idade não a atrapalha na competição com outras atletas muito mais novas. Pelo contrário.

Quando perguntada por jornalistas se mesmo com a idade e os rumores de aposentadoria ela participaria dos próximos Jogos em Tokyo 2020, ela respondeu prontamente: “Com certeza”.

 

Paulo Roberto Netto foi estudante de mobilidade internacional da Universidade do Porto nos cursos de Ciências da Comunicação e Línguas e Relações Internacionais. Atualmente é jornalista graduado pela Universidade Federal de Minas Gerais e reside em Belo Horizonte (Brasil).