Sete anos passados desde o último espetáculo produzido em colaboração com o TNSJ – “A Cidade dos Que Partem” – o Teatro da Palmilha Dentada volta a pisar o palco do Carlos Alberto (TeCA).

Fruto de uma coprodução entre a companhia portuense, o Teatro Nacional de São João e a Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão, o espetáculo “Bácoro” tem estreia marcada para a próxima quinta-feira e está em cena até 16 de outubro.

Ricardo Alves

Ricardo Alves | Foto: Patrícia Garcia

A peça, escrita por Ricardo Alves e Sandra Neves, teve como base esculturas e desenhos desenvolvidos pela artista plástica e cenógrafa, desde o seu tempo enquanto aluna da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP).

“Este ambiente e este imaginário”, conta o encenador, “já lhe vem desde a faculdade, há uns dez ou 12 anos que ela trabalha neste projeto.”

A interpretação está a cargo do Teatro da Palmilha Dentada, grupo portuense que gosta de inquietar o seu público explorando problemas que afetam a sociedade. Ricardo Alves ressalva que se pretende que as leituras sejam múltiplas “e que as questões sejam antes levantadas do que propriamente afirmadas de forma quase panfletária.”

“Abre um porco e saberás como és”

Em palco, os atores Nuno Preto, Ivo Bastos e Rui Oliveira encenam uma comparação entre o homem e o porco. Através do uso de marionetas e da imagem do dito bácaro – um leitão -, o espetáculo debruça-se sobre as tristezas e os júbilos de ser humano.

“Os homens e os porcos – aliás, há aquele ditado do ‘Abre um porco e saberás como és’, são animais bastante similares”, comenta o encenador. A verdade é que geneticamente são provavelmente os animais mais idênticos à espécie humana e, no fundo, ao usar a imagem do porco reflete-se acerca das relações humanas.

Embora dirigida a um público de maiores de 16, a peça aproxima-se a um conto infantil pela “aprendizagem do mau e da convivência com o mau que as histórias infantis propõem, da forma mais básica, mais crua mas que são histórias que preparam.”

Linguagem gestual estreia no TNSJ

Numa tentativa de globalizar o teatro, possibilitando acesso e entendimento por parte de um público mais vasto, o TNSJ está no processo de implantação de um novo modelo que contempla um intérprete de Linguagem Gestual Portuguesa (LGP) e um serviço de autodescrição em vários espetáculos.

Bácoro, a segunda estreia da nova temporada do TNSJ, foi eleito o primeiro espetáculo em que é assegurada tradução LGP e cuja récita que integrará a presença de uma tradutora acontecerá a 9 de outubro, um domingo.

Ricardo Alves soube há apenas duas semanas que este seria o espetáculo de estreia de LGP no TNSJ. O realizador admite dificuldades na medida em que “os espetáculos nunca são iguais com a Palmilha, há sempre um processo de improviso mais ou menos controlado.” Contudo, afirma que a única alteração que terá de fazer é colocar mais uma pessoa em palco. “Quanto mais inclusiva for a arte melhor”, concluiu.

Crítica de costumes

No início do espetáculo, duas velhas vizinhas discutem. Um velho pescador de tom áspero mas sábio é chamado a intervir para socorrer uma delas. Enquanto estas continuam a discutir, o velho intervém com deixas sábias: “A culpa é como uma medusa nas profundezas do mar.” Petrificam ambas, só de olhar, tamanha a feiura e a malevolência.

Em tom de crítica aquele que é tido pelo encenador como o “guardião da moral” continua: “Os agradecimentos e as desculpas não são mais do que a maioria das vezes a porta de um novo erro.”

A personagem do menino |

A personagem do menino | Foto: Patrícia Garcia

Marionetas de um menino e de uma menina entram em cena. Como reconhece Ricardo: “Sendo um grupo de orçamentos reduzidos” a marioneta permite “uma multiplicidade de personagens em palco que com atores às vezes é complicado”, além de que, considera, “tem muita mais piada.”

Este não é de todo o primeiro contacto dos atores com marionetas, principalmente para Rui Oliveira e Nuno Preto que já possuem larga experiência na área.

Chega mais tarde um saltimbanco com um porco a andar de bicicleta, a convidar as pessoas para ir ver o circo. Com medo, os velhos fecham a janela, mas o menino resolve descer e enfrentar o medo. O pescador repreende-o, pois, as pessoas não saíam à rua, limitavam-se às suas casas e à convivência com o vizinho da frente.

Uma das preleções que encerra o espetáculo, desvendada por Ricardo Alves, é dada pelo saltimbanco ao porco: “Onde vamos temos de levar as nossas convicções connosco e lutar por elas.”

Um espetáculo para nos reconhecermos e autoconhecermos, está em cena até 16 de outubro, no TeCA. Pode ser visto às quartas-feiras, às 19h00, de quinta-feira a sábado, às 21h00, e no domingo, às 16h00. O preço dos bilhetes é de 10 euros.

Artigo revisto por Filipa Silva