Cerca de 80 obras, inseridas na exposição “Joan Miró: Materialidade e Metamorfose”, estão disponiveis ao público na Casa de Serralves desde sexta-feira. O JPN acompanhou uma visita guiada feita pelo curador Robert Lubar Messeri.

Horas antes da grande inauguração, ainda se acertavam os últimos pormenores na Casa de Serralves. Frente a um dos cerca de 80 quadros de Miró juntou-se a equipa responsável pela exposição “Joan Miró: Materialidade e Metamorfose” para uma breve apresentação.

Ana Pinho, presidente da Fundação Serralves, apresentou a coleção como uma viagem por seis décadas da produção artística do catalão. Suzanne Cotter, diretora do museu de Serralves,  responsável pela constituição da equipa, mostrou o seu entusiasmo, quando ainda não se sabia o que Rui Moreira viria a anunciar ao fim da tarde: que a coleção que ali estava prestes a ser apresentada vai ficar em Serralves.

“[Esta coleção] tem um significado muito grande em vários niveis, em termos de herança artística e do lugar da arte na sociedade”, declarou. Suzanne Cotter teceu ainda vários elogios ao arquiteto Álvaro Siza Vieira: nada disto “teria sido possível sem a graça, a inteligência e a genialidade do arquiteto Siza”, frisou.

O veterano, responsável pelo projeto expositivo, agradeceu a toda a equipa envolvida na concretização do espaço e salientou que “foi um prazer trabalhar sobre a partitura de Robert [Lubar Messeri] – uma partitura pela musicalidade que podem aqui ver”.

O especialista em Miró e curador da exposição inaugurada sexta-feira em Serralves, Robert Lubar Messeri, encerrou a apresentação que antecedeu a visita guiada.  O professor no Instituto de Belas Artes na Universidade de Nova Iorque não deixou de recordar o episódio que quase colocou esta coleção num leilão da Christie’s, em 2014, quando o Governo português entendeu vender o espólio que passou para a alçada do Estado em consequência da nacionalização do BPN – situação não concretizada por intervenção do Ministério Público. “Porque é que Portugal deixaria esta bela coleção fugir”, questionou o curador que agora se diz feliz por ver a coleção entregue à Fundação Serralves.

“Um curador escolhe a arte para moldá-la. Neste caso foi o contrário. A arte era uma coleção finita e não quisemos mostrá-la cronologicamente, queríamos mostrar a abordagem de Miró aos materiais”, explicou Messeri. Era altura de começar a visita.

Modernismo espalhado por sete espaços

Robert Lubar Messeri é um amante confesso da obra de Miró. “Eu adoro Miró, cresci com Miró. Quando escolhi a minha tese de doutoramento no início dos anos 80 eu sabia que iria ser sobre Miró”, contou ao JPN.

Uma vez terminada a apresentação na galeria 1, Robert dirige o grupo até à galeria 2. Neste espaço amplo estão presentes peças que remotam a 1924, época em que Miró iniciou o desenvolvimento da linguagem de signos que transformou a sua arte. Mais tarde entre as décadas de 50 e 60, Miró produz cada vez mais obras com uma linguagem rudimentar que se encontram expostas neste espaço.

Na galeria 3 encontrámos expressões do artista relacionadas com a problemática da guerra civil indiretamente associada à fisionomia do corpo humano. Este, espelho da alma do próprio artista, reflete os medos e raivas que o levam a criar uma metamorfose.

Dez passos à frente, as expressões de raiva e revolta perpetuam-se na galeria 4. Utilizando materiais industriais, Miró trabalhou sobre o lado texturado de placas de masonite. Uma espécie de poesia figurada. “Ele não é apenas um artista que quer que olhem para o seu trabalho, ele é um artista que incentiva a tocar”, explica Robert para logo a seguir advertir: “Mas por favor não façam isso”.

Subindo ao primeiro andar somos reconfortados pela tapeçaria, exposta na quinta galeria. Colocando em campo a colagem artística, neste espaço estão presentes as práticas de escultura do artista. “Num ato de destruição que era também um ato de criação e transformação”, Miró cortou e incendiou cinco telas, das quais uma se encontra suspensa.

Na galeria 6 encontrámos estudos com tinta-da-china sobre papel e tinta-da-china e aguarela sobre tela. Os trabalhos datam das décadas de 40 e 50 e tornaram Miró cada vez mais reconhecido em Paris e nos Estados Unidos.

A última galeria leva ao culminar de toda a metamorfose de Miró, revelando vários trabalhos em diversos suportes e, mais uma vez, de diferentes épocas.

No término da visita, o tema da venda dos quadros volta à conversa: “As pessoas perguntam-me o que acho sobre os 35 milhões [valor base de avaliação da coleção] e eu recuso-me a responder a essa questão, porque não estou interessado e não participo no mercado. Reconheço que é parte do que tenho de fazer como historiador de arte, mas 35 milhões de dólares não teriam alterado nada nas finanças do Estado Português”, concluiu.

A exposição “Joan Miró: Materialidade e Metamorfose” fica patente até 27 de janeiro. A coleção vai ficar em permanência na Casa de Serralves com o design expositivo a caber novamente a Siza Vieira, segundo anunciou o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, ao final da tarde de sexta-feira, durante a inauguração.

A cerimónia, que o JPN também acompanhou, contou com as presenças do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, do primeiro-ministro António Costa, do ministro da Cultura e do primeiro-ministro espanhol Mariano Rajoy.

Artigo revisto por Filipa Silva