No caminho para a primeira reunião sobre o projeto, Sandro Aguilar viu numa das televisões do comboio um anúncio sobre o festival Paredes de Coura. Foi assim que surgiu o tema de “Undisclosed Recipients”, contou o realizador ao JPN.

A curta-metragem foi galardoada na passada terça-feira, dia 11, com o prémio “Loup Argenté” no Festival Nouveau Cinéma, numa cerimónia dedicada exclusivamente às curtas-metragens, pela primeira vez na história do certame.

“Undisclosed Recipients” foi rodado em 2015 no festival Paredes de Coura, versando sobre o ambiente lá vivido em forma de documentário.

O realizador explica que procurou, por um lado, transmitir a sua própria experiência percetiva enquanto filmava e, por outro, ilustrar o estado intermédio em que a maioria dos espectadores do festival se encontrava. “As pessoas estavam sempre entre ir ver o concerto e ficar, ou estar lá de forma descomprometida… Ou não ir ou ir mais tarde… Elas escolhiam estar nesse estado de indefinição”, refere.

Foi dessa indefinição que surgiu também o título da curta-metragem: “É um termo que designa um destinatário não identificado. Os espectadores do festival são, a maior parte do tempo, filmados de costas, enquanto estão a ver algo também não definido. Acaba por ser uma forma de nos perdermos no anonimato e não definirmos um protagonista. Não vemos quem está a olhar nem para o que é que está a olhar”, explica.

O realizador afirmou que a curta-metragem representou um desafio, tanto pelo assunto tratado como pela abordagem adotada. “Quem conhece os meus filmes sabe que se passam normalmente em ambientes muito fechados, com duas ou três pessoas ou com pessoa nenhuma. De repente, a ideia de filmar milhares de jovens num concerto rock parecia um ponto de partida suficientemente diferente para que o resultado, e mesmo o próprio processo, testassem a minha capacidade de adaptação”, afirmou o realizador.

O cinema português ganhou respeito

Para Sandro Aguilar, o reconhecimento internacional do cinema português “não é uma raridade”. “Felizmente, acontece com alguma frequência um filme português, em vários formatos, quer em documentário, em curta ou longa-metragem, ganhar prémios em festivais. É uma coisa que se tem mantido de forma mais ou menos consistente nos últimos vinte anos, mas é sempre bom que continue a acontecer”, explica.

Quanto ao reconhecimento ao nível nacional, o cineasta confessou: “Tem dias”. Para si, “o problema é, acima de tudo, a visibilidade, porque, de resto, os filmes já foram mais desrespeitados do que são hoje”.

O cineasta relatou que o complicado é fazer com que os temas que mais o cativam tenham capacidade de entrar no mercado e de assegurar salas e tempo de permanência nos cinemas. Mas Sandro Aguilar falou numa mudança de paradigma do público em relação ao cinema português, um processo bastante gradual. “Para que se feche efetivamente o ciclo como todos nós desejamos, o que é preciso é dar visibilidade aos filmes e garantir espaço para que possam surgir numa cinematografia que é diversificada e que tem muita vida própria”, explica.

O realizador irá começar a filmar uma longa-metragem no próximo mês, mas admite mais projetos para o futuro: “Há outras coisas que estão na cabeça, mas isso é o que eu vou fazer primeiro”.

A curta-metragem “Undisclosed Recipients” surgiu no âmbito do projeto Campus do festival Curtas Vila do Conde, em que realizadores trabalham com equipas de estudantes de cinema e audiovisual do norte do país. Sandro Aguilar foi um dos realizadores a ser desafiado pelo festival a desenvolver um projeto, tendo trabalho com alunos da Universidade Católica.

O filme, uma produção da Curtas Metragens CRL, passou em festivais de diversos países entre 2015 e 2016.. Não tem, de momento, qualquer exibição agendada em Portugal.

O prémio foi atribuído pelo júri composto por Mathieu Grondin, Valérie Mongrain e Marie-Élaine Riou e garante uma residência no cinema canadense Paraloeil, avaliada em mais de 10.000 dólares, incluindo bolsas, equipamento, edição, transporte e estadia.

A 45ª edição do Festival Nouveau Cinéma decorreu entre os dias 5 e 16 de outubro em Montreal, no Canadá.