O papel que os estudantes do Porto tiveram na queda da ditadura é menos conhecido “e isso é injusto”. Como em Lisboa, sobretudo, e como em Coimbra, de forma diferente, os jovens conseguiram ser um foco de contestação constante e um ponto de informação importante numa altura em que o regime, com violência, dispensava ambas.
“A ditadura nunca conseguiu domar o movimento estudantil”, sublinha José Pacheco Pereira nas escadas da Reitoria do Porto, onde simbolicamente se deu início à inauguração da exposição “Movimentos Estudantis da Universidade do Porto 1968-1974”.
Ao seu lado estão duas dezenas de antigos estudantes que ali se reuniram muitas vezes em plenários, não raras vezes interrompidos pela polícia.
“Quando nos reunimos aqui nunca pensamos que o pudessemos voltar a fazer nas circunstâncias de hoje”, refletiu o historiador para quem a luta pela liberdade tem intrínseca a luta pela memória e é dessa que se trata nesta exposição: “É a memória coletiva não nostálgica mas viva do movimento associativo do Porto”.
Estudantes tornaram a universidade “ingovernável”
Para Eduarda Neves, “o fenómeno mais interessante e importante” destes movimentos foi referido pelo colega de turma e de curso, Pacheco Pereira, na abertura da exposição: “É que as escolas no Porto ficam ingovernáveis a partir de certa altura”, conta a antiga estudante de Filosofia.
Raúl César de Sá, estudante de Medicina entre finais dos anos 60 e inícios de 70, corrobora: “Na fase final, antes do 25 de Abril, Medicina estava ocupada pela polícia e havia muitos processos disciplinares”.
As reivindicações começavam normalmente por aspetos pedagógicos mas escalavam para outros mais sistémicos e que iam além da faculdade. “A uma dada altura o movimento abandonou uma visão corporativa e portanto não era tanto o que se passava dentro da universidade e das escolas que era importante. Passa a haver um grande número de comunicados dirigidos à população, começa a ser impossível esconder o que estava a acontecer”, explica Pacheco Pereira ao JPN.
Queriam ter direito de reunião, mais democracia, o fim da guerra colonial. Quiseram instalar o caos e o regime não soube dar resposta.
“Aqui [na Reitoria, onde funcionava a Faculdade de Ciências na altura], em 1969, houve um plenário, estavam muitos estudantes e a polícia interveio com cavalos! Com a Guarda Republicana com sabres de fora! Foi uma estupidez e no dia seguinte houve outro plenário e isto estava completamente cheio”, conta o antigo estudante.
A queda do regime foi, assim, um respirar de alívio porque o aumento da violência estava latente e teria consequências imprevisíveis: “O 25 de Abril foi uma dádiva porque as coisas estavam a ficar muito muito radicalizadas, muito violentas”, conclui Eduarda Neves.
Movimentos Estudantis do Porto vão ter base de dados
Na exposição “Movimentos Estudantis da Universidade do Porto 1968-1974” é possível ver desenhos, panfletos, posters, manuais, jornais e outros documentos feitos por estudantes em luta contra o regime. Na abertura – que marcou também o arranque oficial do Future Places deste ano – José Pacheco Pereira anunciou a criação de um projeto mais largo com vista á preservação e divulgação destes movimentos.
Exposição | Foto: Patrícia Garcia
“A nossa ideia é não só continuar a recolha da documentação do Movimento Estudantil do Porto, começar a digitalização sistemática, escola a escola, de toda a documentação e começar a construir uma base de dados interativa que eu penso que durará cerca de um ano a ficar em condições de poder dar depois origem a publicações”, contou o historiador que fez a curadoria da exposição a partir do seu arquivo pessoal Ephemera – que aponta como o maior arquivo privado e o mais público de Portugal -, com a colaboração de centro de investigação em design ID+ e o Mira Fórum.
A base de dados a construir terá cerca de 50 mil entradas iniciais. “Não deitem nada fora!”, apelou Pacheco Pereira.
À Universidade do Porto foi ainda deixado o repto para que coloque uma placa na Reitoria em homenagem “a todos os presos, perseguidos, vigiados, suspensos e expulsos nos anos da ditadura”.
A exposição inaugurada na terça-feira fica patente no UPTEC-PINC até ao dia 31 de outubro.
