Se alguém lhe dissesse há um ano que Eduardo Cunha (PMDB) deixaria a residência do presidente da Câmara dos Deputados em Brasília, capital federal, por uma cela de 12 metros quadrados em Curitiba, no sul do Brasil, provavelmente não acreditaria. Conhecido pela grande capacidade de influência sobre outros parlamentares, Cunha conseguiu criar um verdadeiro escudo político em torno de si. No entanto, como em todo o castelo de cartas meticulosamente montado, a carta de Cunha caiu – e com ela, a ameaça de levar abaixo vários outros ao seu redor.

A prisão de Cunha, apesar de esperada, causou um baque na política brasileira que há pouco enfrentou um “impeachment”. O atual presidente Michel Temer (PMDB) estava em Tóquio quando recebeu a notícia e deixou claro que a prisão não iria interferir nas votações das pautas do governo. Apesar de alegar que o adiantamento do retorno do Japão estava programado, Temer embarcou rumo ao Brasil horas depois do anúncio da prisão de Eduardo Cunha.

Na Câmara dos Deputados, o atual presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também afirmou que Cunha não vai interferir nas votações do plenário. “Não acredito que nenhuma delação do deputado Eduardo Cunha possa atingir o presidente da República”, disse Maia a jornalistas no dia seguinte à prisão.

Com o tique-taque de uma bomba-relógio, o que Eduardo Cunha sabe sobre o esquema de corrupção na Lava Jato pode tirar o sono de parlamentares e ministros. Aliado ao seu conhecimento sobre os regimentos da Casa e da política brasileira, Eduardo Cunha pode ter caído em desgraça política, mas o raio da explosão de suas declarações pode atingir muitos políticos do país.

Afinal, quem é Eduardo Cunha?

Nome que figurou nas manchetes desde o ano passado, Eduardo Cunha nunca foi afeito de holofotes. Pelo contrário, sempre preferiu agir nos bastidores da política. Sua vida no ramo foi marcada desde o começo por escândalos de corrupção, que o seguiam como sombras. Em 1989, atuou na campanha de Fernando Collor, presidente que sofreu um “impeachment” em 1992, a convite de Paulo César Farias, o chefe de campanha envolvido com o esquema de corrupção que levou a queda de Collor.

Nos anos seguintes, assumiu a liderança de dois órgãos públicos: a presidência da Telecomunicações do Estado do Rio de Janeiro (Telerj) e a subsecretaria da Companhia Estadual de Habitação do Estado do Rio de Janeiro (Cehab). Foi afastado dos dois cargos por denúncias: a primeira por superfaturamento e a segunda por contratos sem licitação e enriquecimento de empresas fantasmas.

Em 1998 torna-se deputado estadual suplente na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e, em 2003, lança-se como deputado federal sendo reeleito três vezes consecutivamente. No mesmo ano, Cunha deixa o Partido Progressista que troca pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).

Conhecido por suas ações nos bastidores, o nome de Cunha foi ganhando notoriedade pela sua capacidade de articulação política e profundo conhecimento dos regimentos da Câmara dos Deputados. Aos poucos, Eduardo Cunha conseguiu montar blocos políticos que seguiam cada vez mais a sua vontade. O que começou como um grupo do tamanho de pequenos partidos, logo cresceu e virou um grande bloco de cerca de 200 parlamentares. Este chamado “blocão” ganhou mais notoriedade por ser formado por políticos da base insatisfeitos com o governo federal e por impor derrotas ao governo de Dilma Rousseff na aprovação de medidas, entre elas, o próprio “impeachment”.

Na vida pessoal, Eduardo Cunha é casado com a jornalista Claudia Cruz. A vida dos Cunha era regada a luxos que iam de jantares sofisticados em Paris a aulas de tênis em Nova York. Mas se nem tudo que reluz é ouro, nem todo o dinheiro gasto pela família é bem visto na Justiça. Eduardo Cunha e Cláudia Cruz respondem, os dois, como réus na investigação da Operação Lava Jato por corrupção e lavagem de dinheiro.

Foram justamente essas investigações que levaram Eduardo Cunha e sua família à verdadeira “fall from grace”. Após ser eleito para o quarto mandato na Câmara, Eduardo Cunha logo travou uma batalha contra Arlindo Chinaglia (PT) pelo comando da Casa em fevereiro de 2015, quebrando um “acordo” entre a Câmara e o Planalto de alterar na presidência um político de cada partido. Após vitória, Cunha assumiu com a missão de cumprir sua promessa de manter uma independência do governo Rousseff.

A disputa entre Eduardo Cunha e Dilma Rousseff (PT) prolongou-se durante todo o ano e, quando a Lava Jato chegou ao seu alcance por investigar a participação de Cunha no esquema de corrupção e suas contas na Suíça, a briga atingiu o ápice. Denunciado por mentir na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobrás, parlamentares contrários a Cunha pediram sua cabeça na forma da cassação de seu mandato. Em dezembro de 2015, o PT de Dilma Rousseff afirmou que não apoiaria Eduardo Cunha no Conselho de Ética. Depois do soco, o partido recebeu a rasteira quando o próprio Cunha aprovou o pedido de “impeachment”.

Enquanto o processo da cassação do mandato de Dilma Rousseff correu com agilidade, o de Eduardo Cunha foi o mais vagaroso possível. Os conhecimentos do parlamentar nas normas da Casa lhe garantiram postergar o máximo possível a votação do Conselho de Ética. Apesar de em março deste ano ter sido julgado no Supremo Tribunal Federal (STF) e ter se tornado o primeiro réu da Lava Jato, o próprio Cunha foi quem presidiu a sessão de “impeachment” na Câmara dos Deputados em abril.

Somente em maio, quando o processo de destituição já seguia no Senado, é que Eduardo Cunha foi afastado da presidência da Câmara dos Deputados. A decisão do STF, no entanto, não lhe tirou a capacidade de articular e prolongar ainda mais a decisão do Conselho de Ética, que só julgou o pedido de cassação de Cunha em junho – totalizando oito meses de processo, que só terminaria após a votação no plenário nas semanas seguintes.

Na época, Dilma já tinha sido substituída temporariamente por Michel Temer e Eduardo Cunha, feito a lição de casa. O parlamentar chegou a renunciar à presidência da Câmara em julho e, em lágrimas, afirmou que as investigações contra si “eram um alto preço por ter dado início ao processo de impeachment’”. Nos bastidores e nas ruas, corria-se a ideia de que Michel Temer, uma vez instaurado definitivamente no poder, daria a Eduardo Cunha uma saída discreta. Não ocorreu e Cunha, após votação no plenário, perdeu o mandato.

A “bomba-relógio” da delação premiada

Após a cassação, o “blocão” de Cunha começou a se afastar do líder. Com a aproximação das eleições municipais, a última coisa que os parlamentares buscavam era a associação à figura de Eduardo Cunha. Quando sua prisão foi decretada na quarta-feira (19), o último prego no caixão político de Cunha foi selado e muitos aliados lhe viraram as costas.

Acompanhado de cinco agentes da Polícia Federal, Eduardo Cunha deixou sua residência na área nobre de Brasília para a cela de 12 metros quadrados em Curitiba. Na visão dos procuradores do Ministério Público Federal, mesmo com o capital político reduzido, a liberdade de Cunha ainda representava um risco à Lava Jato. Em nota, o parlamentar diz que a prisão preventiva decretada pelo juiz Sérgio Moro é “absurda” e que ele irá recorrer na Justiça.

A saída para Cunha pode ser uma eventual delação premiada, que não é algo difícil de ocorrer. O novo preso da Lava Jato contratou Marlus Arns, advogado responsável por acordos de delação de outros envolvidos na Operação. Enquanto os detalhes ainda não estão claros de quando Cunha irá falar, o conteúdo de suas denúncias acende a luz vermelha no Congresso brasileiro.

“É grande a nossa expectativa que ele faça uma delação premiada porque ele sabe muito de ministros do governo, ele talvez saiba muito do próprio presidente da República. A nossa expectativa é que ele conte tudo que sabe”, afirma o deputado Alessandro Molon, líder do Rede Sustentabilidade.

Para a oposição, a prisão de Cunha tem o poder de abalar a política brasileira uma segunda vez. “A prisão deve desencadear todo um conjunto de mudanças no cenário político brasileiro”, conta o deputado Henrique Fontana (PT).

Enquanto segue para uma semana em prisão e responde pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, Eduardo Cunha vai se tornando lentamente uma bomba-relógio cuja explosão da delação premiada pode vir a atingir até mesmo o presidente da República.

Se a política brasileira é como um castelo de cartas, a queda de Eduardo Cunha pode levar a queda de outros. E o próprio parlamentar, com sua delação, pode garantir a si uma última carta na manga.

Com informações da Agência Brasil

Paulo Roberto Netto foi estudante de mobilidade internacional da Universidade do Porto nos cursos de Ciências da Comunicação e Línguas e Relações Internacionais. Atualmente, é aluno de Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte (Brasil).

Artigo editado por Filipa Silva