À segunda linha do discurso que trazia preparado, Germano Silva emocionou-se: “Olho lá para trás, para o fundo da rua que é toda a minha vida, e vejo o rapaz magro, de solipas nos pés, a descer o Campo Alegre, rumo à fábrica onde trabalha como operário não diferenciado”. O operário, que antes tinha sido marçano numa retrosaria em Santa Catarina, e que se fez depois jornalista no “Jornal de Notícias”, saiu esta quinta-feira como doutor honoris causa “por uma das mais prestigiadas universidades do mundo”, como quis frisar.

Na sala, dezenas de amigos e conhecidos. Do presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, ao Manuel do Laço, conhecido adepto do Boavista, passando por Rosa Mota, Pedro Abrunhosa, Artur Santos Silva, José Carlos Vasconcelos, entre muitos outros.

O elogio coube ao antigo colega de redação no JN, Luís Miguel Duarte. Para o fazer, o atual professor catedrático da FLUP teve de pedir ajuda. “Chamei um amigo comum, um infinito amigo, o Manuel António Pina”, a quem Germano Silva chama de “irmão” e que numa frase sintetizou o homenageado: Germano “nasceu-se a si mesmo no Porto” onde chegou para ficar, com menos de um ano de idade, vindo de São Martinho de Recezinhos, Penafiel, onde nasceu.

Luís Miguel Duarte prosseguiu: “Além de um jornalista de primeira água, o Germano Silva é um excecional contador de histórias. Quem teve e tem o privilégio de conviver com ele só tem de estar calado” e esperar por “duas palavras mágicas: Uma ocasião…”.

Foram as histórias do Porto e das suas gentes que fizeram conhecido Germano Silva, sobretudo a partir da sua crónica semanal no JN “À Descoberta do Porto” que publica desde 1993. Mas se o salto para a ribalta se fez da história e dos passeios que ainda hoje conduz pelas ruas da cidade, foi da sua passagem como jornalista pelo JN que Luís Miguel Duarte mais falou.

“O Germano foi, é e será sempre um jornalista, na dimensão mais nobre desta profissão”, disse ainda Luís Miguel Duarte. Nesse capítulo, Germano agradeceu a muitos jornalistas de tarimba por tudo o que lhe ensinaram. Entre eles, António Brochado: “Foi ele que um dia me disse: só serás um bom repórter da cidade se conheceres bem o Porto, a sua história e a história da sua gente. Foi o princípio de uma caminhada que está para durar”.

“Não é para a pessoa. Não é para o Germano”

À saída da cerimónia, Germano Silva confessou ser naquele momento um homem “feliz”. “Eu sinto que isto é a recompensa do trabalho que fiz. Não é para a pessoa. Não é para o Germano”, notou.

O cardeal patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, ex-Bispo do Porto e amigo de longa data de Germano Silva, foi o padrinho do doutoramento e concordou com o agraciado: “Neste dia, a universidade condecorou a cidade na pessoa do Germano Silva”, disse aos jornalistas.

Por sua parte, o reitor da Universidade do Porto, Sebastião Feyo de Azevedo, de quem partiu a proposta deste doutoramento, sublinhou que se trata de “um ato de merecimento a uma pessoa extraordinária”, uma celebração da “valorização do conhecimento que este homem encerra, que não é o conhecimento estritamente académico é um conhecimento da vida, de um autodidatismo imenso”.

Ao JPN, o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, apontou também para as medidas certas das vestes que foram entregues a Germano Silva: “Em primeiro lugar, dizer que é justo. E a justiça é uma marca do Porto. O Germano faz uma descrição do Porto em que associa a memória, a geografia e as pessoas e isso é muito difícil de fazer”. “Vê com o olhar do jornalista e escreve como o historiador”, completou.

Germano Silva é o 92º agraciado com o título honoris causa – expressão latina que quer dizer “por causa de honra” – pela Universidade do Porto, instituição com 105 anos de história. Junta-se a um lote de figuras onde se encontram Gago Coutinho e Sacadura Cabral, Manoel de Oliveira, Jaques Delors, Eugénio de Andrade, Agustina Bessa-Luís, Nadir Afonso ou Vasco Graça Moura.

Com 85 anos, feitos em outubro, continua com a agenda cheia. “Logo já vai ser um dia de trabalho normal. Amanhã vou ter de fazer a crónica de domingo para o JN, portanto, tem de se trabalhar sempre”, partilhou depois da cerimónia.