A mudança raras vezes é um momento. Por norma, é um processo. No jornalismo, como em muitas áreas dependentes da tecnologia, o processo está em curso e foi convulcionado pelo digital. Esta quinta-feira, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), a ideia foi perceber que desafios o espaço cibernético trouxe ao jornalista. Aos “Ciberjornalistas 3.0”, como neste debate, integrado no 5º Congresso Internacional de Ciberjornalismo, se lhes chamou.

Catarina Santos é repórter multimédia da Rádio Renascença e assume a sua condição: “Sou um canivete-suíço”. A plateia estava preenchida por estudantes da área também eles em modo canivete. Computadores, blocos de notas, gravadores e máquinas fotográficas em punho.

Daniel Catalão, da RTP, também alinhou pelo utilitário: “Queria declarar aqui que sou um robô”. Para o repórter, que no seu primeiro curso de rádio começou por aprender a consultar a lista telefónica, a mudança entretanto operada no setor foi gigantesca.

Ana Pinto Martinho, investigadora do Observatório Europeu de Jornalismo, começou a carreira numa época em que “usar o email” seria a grande ousadia digital do jornalista. Estávamos em 1998. “O nosso ecossistema de notícias mudou mais em cinco anos do que, qui çá, em qualquer momento dos últimos 500 anos”, afirmou citando Emily Bell e o seu artigo “Como o Facebook ‘engoliu’ o jornalismo”. “Não sei se ela está a exagerar, mas houve mudanças muito grandes”, sublinha.

A investigadora destacou as mudanças que o ciberjornalismo operou sobre os fluxos de trabalho do jornalista, bem como a importância acrescida que assumiram as questões técnicas na profissão. Quanto à versão, se é 3.0 ou outra, não tem certezas.

“Os jornalistas adaptaram-se bem, o negócio nem por isso”

João Pedro Pereira, do jornal “Público”, acha que a adaptação correu melhor ao nível editorial do que no económico.

“A componente de negócio é muito mais difícil [de adaptar] e condiciona tudo o resto. Aí sim, está a ser muito difícil dar a volta nesta era digital. Os jornalistas adaptaram-se bem, o negócio nem por isso”, afirmou.

Outro dos aspetos destacados por João Pedro Pereira, no contexto do ciberjornalismo atual, é a métrica em tempo real. “Tem a ver com o conhecimento muito real da forma como é consumido aquilo que produzimos”. O facto “tem um impacto muito grande na forma como produzimos, naquilo que publicamos, nos timmings em que publicamos”, exemplificou ainda o jornalista.

Os dois pontos estão relacionados. Numa era de recursos humanos e materiais limitados dentro das redações, muito à conta de uma busca pelo modelo de negócio ideal que ainda não chegou, as escolhas têm cada vez mais fatores de ponderação. E aí reside outro desafio.

“Stalkers”, ardinas e operadores de vídeo em direto

As redes sociais, ou a forma como a comunicação social lá está e opera, também foi tema de discussão. Daniel Catalão, em tom de brincadeira, considerou que os média se transformaram em verdadeiros “stalkers”. “Onde é que a malta está, é no Snap? Vamos para o Snap. Agora é no Insta? Bora para o Insta. No Face?”.

Redes sociais que se transformaram também num ponto de “venda” do trabalho jornalístico. A nova moeda será o clique. “Somos uns ardinas de Facebook”, brincou ainda o repórter para quem as potencialidades dessas redes merecem também destaque.

O Facebook Live é o exemplo que aponta. “Estamos a usar cada vez mais [na RTP]”, acrescenta. Foi por essa via que recentemente deu conta do que estava a acontecer no aeroporto de Frankfurt, quando o local foi evacuado, por suspeita terrorista. Daniel Catalão estava no local em trânsito para Berlim e foi apanhado pelos acontecimentos. “Chegamos às 17 mil pessoas no vídeo”, comentou. A interação com o público é muito mais próxima e imediata.

“Antes é que era bom, não era? Não”

Voltamos ao início e a Catarina Santos, recentemente galardoada pelo segundo ano consecutivo com o prémio Gazeta Multimédia: “Já percorri milhares de quilómetros com muitos quilos às costas, entre câmaras, máquinas fotográficas, microfones, gravador de áudio, tripé, monopé, computador portátil e sei lá quantos cabos”. “Antes é que era bom fazer jornaslismo, certo? Não, muito pelo contrário”, responde a repórter para quem se tem desperdiçado mais tempo a dar tiros nos pés do que a procurar soluções para problemas identificados na profissão.

“O que preciso é criar e adaptar as tais plataformas e tirar partido delas para podermos de alguma forma criar um outro contacto com outras pessoas”, concluiu por seu lado Daniel Catalão.

Para as muitas questões levantadas pelo público, relacionadas com a qualidade da informação produzida os conferencistas responderam com a ideia de que a qualidade existe. Ter presente noções como “equilíbrio”, “rigor” e estratégias para “tornar interessante o relevante” são necessidades das redações atuais.