Escreveu recentemente um livro sobre “Os Mitos que Comemos”, mas garante que há matéria suficiente para “dois ou três”. Doutorado em Ciências do Consumo Alimentar e Nutrição, Pedro Carvalho quis clarificar alguns equívocos da alimentação associados, a título de exemplo, às famosas dietas da moda, ao consumo de hidratos de carbono ou aos superalimentos.

“Estes vão para além daqueles mitos clássicos como, por exemplo, o de que ‘comer laranja à noite faz mal’ ou da necessidade das três horas de digestão. Estes são mitos com uma importância maior”, considera.

Pedro Carvalho

Capa do livro “Os Mitos que Comemos”, da autoria de Pedro Carvalho. Foto: Editora Matéria Prima

O processo “moroso” de desmistificação de alguns destes mitos revelou-se uma aprendizagem para o professor da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica do Porto (ESB-UCP): “São questões que aparecem em consultas. São questões às quais a formação de base, na licenciatura, não responde, mas que depois, na prática, acabamos por ser confrontados com elas e às quais temos de ter uma resposta.”

Apesar de não ser “um livro de achismos”, não se inibe de dar a sua opinião pessoal sobre os alimentos. O livro, diz, é “um resumo do que existe publicado” sobre a matéria em causa.

Das fontes de informação às correntes fundamentalistas

Dada a quantidade de informação disponível, nem sempre é possível filtrar o que é certo e o que é errado. Nem mesmo em bases de dados de artigos de investigação científica: “Também temos bons e maus jornais científicos. Alguns em que o filtro é muito pouco e outros que são mais criteriosos. Nem tudo o que aparece no Google, Facebook ou Instagram é mau, e nem tudo o que aparece naquelas bases de dados mais científicas é bom”, adianta.

O autor confessa que as novas formas de nos alimentarmos desafiam constantemente os nutricionistas, mas também outros profissionais de saúde que lidam com estes problemas: “É necessário saber distinguir quais são as boas das más fontes de informação. Mesmo para nós [nutricionistas], fazer essa distinção não é muito fácil.”

Ainda assim, Pedro Carvalho reconhece a existência, nos dias de hoje, de correntes muito fundamentalistas contra e a favor de alguns alimentos, nomeadamente a respeito do leite e do glúten: “Existem muitas ideias sobre o consumo do leite que não têm veracidade rigorosamente alguma”. Já no caso do glúten,  “o ideal seria não existir na alimentação”, mas considera que “há venenos piores.”

Os superalimentos

Não é a primeira vez que Pedro Carvalho escreve um livro sobre a alimentação. Em 2012, já o tinha feito com Vitor Hugo Teixeira, igualmente professor na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto (FCNAUP), com o título “Os 50 Super Alimentos Portugueses”.

Pedro Carvalho e Vitor Hugo Teixeira

Autores da FCNAUP editaram o livro “Os 50 Super Alimentos Portugueses”. Foto: Editora Matéria Prima.

“Nesta altura do ano, o dióspiro é um superalimento, a castanha é um superalimento, a cenoura é um superalimento, tal como os brócolos, o alho e os cogumelos, ou seja, [são] alimentos que fazem parte do nosso dia a dia.”

As sementes, por exemplo, já fazem parte da alimentação diária de muitos portugueses, mas o especialista defende que se pode ter uma alimentação equilibrada sem elas: “Não é necessário as pessoas gastarem tanto dinheiro [a comprar sementes] e fazer um investimento tão grande para ter uma alimentação equilibrada.”

A procura de um nutricionista

Embora se associe a procura de um nutricionista à perda de peso, para o nutricionista do Futebol Clube do Porto, é mais desafiante acompanhar uma pessoa que quer aumentar o peso com qualidade: “Pode ser mais desafiante quando estamos perante uma pessoa que tenha alguma perturbação de comportamento alimentar. Aí estamos a falar de casos muito mais desafiantes do que o normal”, adianta.

Para Pedro Carvalho o ideal era que cada um de nós tivesse um plano específico no que diz respeito à alimentação. No caso dos atletas, isso já é possível mas para o público em geral os métodos de diagnóstico em causa ainda “não têm um preço muito acessível”.

“Fazer uma análise sanguínea completa a todas as vitaminas e minerais”, explica, “é ainda muito caro”. “Ainda assim estamos a caminhar para ter métodos de diagnóstico que nos permitam fazer planos mais individualizados do que, neste momento, já fazemos”, confessa.

O nutricionista, para além de cooperar, entre outras instituições, com o FC Porto, também colabora com a Federação Portuguesa de Remo (FPR) e a Federação da Ginástica de Portugal (FGP).

Embora esteja intimamente ligado à nutrição desportiva, quem o procura não são somente atletas profissionais, mas também amadores:  “Pessoas que frequentam o ginásio, várias vezes, durante a semana; pessoas que fazem provas esporádicas ao fim de semana, sejam corridas, maratonas, ‘trails’ ou bicicleta. E depois muitas pessoas que procuram perder peso.”

De acordo com a sua experiência, raras vezes alguém consulta um nutricionista com o objetivo de melhorar genericamente a alimentação. “Normalmente, é um objetivo mais concreto: ou vem para perder peso, ou vem para aumentar a massa muscular, em alguns casos, vem para melhor a performance, no caso de ser atleta.”

Os erros mais comuns da alimentação dos portugueses

Quanto à avaliação que faz da alimentação dos portugueses, o nutricionista identifica dois grupos: “há pessoas que cada vez mais se preocupam com a alimentação e levam-na quase a um extremo, quase fundamentalista”, mas “temos outra percentagem da população que continua desinteressada”, afirma.

“Houve uma campanha que a Associação Portuguesa de Nutricionistas (APN) lançou há quatro ou cinco anos, juntamente com a DECO, a dizer que ‘Comer bem é mais barato’. É lógico que temos muitos alimentos fracos nutricionalmente e que são mais baratos, mas depende das marcas que se compra, dos locais em que se compra e das promoções que se aproveita, eventualmente. Comer bem não se pode dizer que seja demasiado caro”, sublinha.

No entanto, os portugueses continuam a cometer erros na alimentação que passam essencialmente pela “inexistência de um pequeno-almoço muito forte”, “uma grande acumulação de alimentos nas grandes refeições” ou “a inexistência, à tarde, de uma refeição, que desemboca num apetite muito exagerado no final da tarde.”

Mas não se fica por aqui: outros grandes erros, principalmente nas mulheres, “são, de um momento para o outro, a restrição completa de hidratos de carbono.”

Todavia, garante que “existem várias formas de chegar a uma alimentação saudável, com vários alimentos e tipos de refeições.”

Quanto à época natalícia que se aproxima, na opinião do nutricionista o problema só existe quando os excessos se estendem além da semana que medeia o Natal e a Passagem do Ano: “Dizemos sempre na brincadeira que o problema não é o que vai do Natal à Passagem de Ano, mas do que vai da Passagem de Ano ao Natal. Os outros 360 dias é que são preocupantes”, mas não deixa de referir que é nesta altura do ano que se atinge “o pico de peso da população”.

Pedro Carvalho apela a uma “alimentação com mais fibra, mais fruta, mais legumes, mais antioxidantes, mais alimentos a sério, menos alimentos processados, menos açúcar e com menos gorduras saturadas, genericamente”. “Esses são os principais pressupostos. Depois há várias formas de lá chegar”, finaliza.

Artigo editado por Filipa Silva