Margarida Castro Felga, Pedro Figueiredo e Isabel Pimenta são os protagonistas dos “passeios do piorio”. Os três arquitetos fundadores do The Worst Tours procuram mostrar os espaços mais escondidos e ignorados do Porto.

“O nome das ‘tours’ parece isso, parece que estamos a mostrar o pior, mas o nome é uma piada. Vem da paranóia pelo ‘melhor’: a melhor francesinha, o melhor bolo de chocolate”, explica Margarida – ou Gui, como é conhecida – ao JPN.

É fácil aderir a uma ‘tour’. As pessoas interessadas têm que enviar um email e marcar um dia e uma hora. O ponto de encontro é na Praça do Marquês de Pombal e durante duas a três horas as pessoas andam à descoberta do Porto escondido.  Há quatro percursos sugeridos – o dos “okupas”, um dedicado ao comércio e artesanato típicos, outro às “ilhas” e ainda um dedicado ao período Romântico. Mas não é obrigatória a escolha. Depois de uma primeira conversa informal, a ideia é saber o que os turistas já conhecem para seguir um caminho oposto.

No final do percurso, não há um preço fixo ou obrigatório. Cada participante decide se deve ou não pagar uma quantia simbólica.

“Discutir política faz parte da arquitetura e do urbanismo”

O projeto The Worst Tours surgiu em finais de 2012, numa altura em que a austeridade se instalava em Portugal. Gui, Pedro e Isabel estavam desempregados. Emigrar nunca foi opção. “O que motivou esta iniciativa foi, por um lado, nós estarmos sem trabalho na nossa área. Isto fez com que quiséssemos pôr o nosso background e a nossa educação a bom uso”. Este projeto é, hoje, o trabalho de Gui e Pedro. Isabel tem outro emprego a tempo inteiro.

Quatro anos depois, a motivação continua a ser a mesma: “O caminhar pela cidade, o urbanismo mostrado e comentado, e a discussão política fazem parte da arquitectura e do urbanismo, na nossa perspetiva”, justifica Gui.

Os Clérigos, a Avenida dos Aliados e a Estação de São Bento são eliminados destes percursos e substituídos por prédios abandonados e em condições precárias que outrora fizeram parte do dia a dia da cidade.

Tratar o diferente com carinho

As “ilhas” do Porto, por exemplo, são vistas com outros olhos. Também se descobrem associações em risco de fecharem. Este fator explica a reabilitação do quiosque, agora amarelo, no Jardim de São Lázaro.

“Os quiosques, neste momento, dificilmente voltarão a ser sítios para vender jornais porque se vendem cada vez menos jornais. Portanto, é também preciso repensar os quiosques. A câmara estava à procura de utilizações relacionadas com o turismo e  que fossem, de alguma forma, criativas. Portanto, nós fizemos uma proposta para alugar aquilo”, conta Margarida.

Se, por um lado, ao Porto chegam cada vez mais turistas, por outro lado, a cidade perdeu população no último quadro censitário. Fixar as pessoas na cidade é também tema de debate nas “tours”. Margarida admite que as pessoas, que visitam o Porto, só vêem turistas e começam a perguntar: “Mas, caramba, onde estão as pessoas?”.

“No longo prazo, uma cidade sem pessoas fixas, permanentes, com a sua própria atividade, perde até interesse turístico. Ou seja, eu acho que devíamos tratar com muito carinho o que faz o Porto diferente do resto. Seja a tasca, seja as pessoas de cá, porque o que tem atractividade e sustentabilidade ao longo dos próximos 50 anos no turismo é o que nos faz diferentes e não o que é igual aos outros lados”, analisa a artista.

A adesão dos turistas ao projeto The Worst Tours tem aumentado, de acordo com os responsáveis do projeto. Mas o seu principal alvo são os portuenses. “Abrimos o quiosque mesmo para isso. Quando se lança um projeto que tem o nome ‘tours’ pelo meio, ‘worst’ ou ‘best’, as pessoas automaticamente pensam que é para turistas. Para conseguirmos ter pessoas do Porto, estamos a tentar convidá-las diretamente, uma a uma.”

Entre os turistas e os portuenses, são sobretudo jovens e pessoas de meia idade que aderem ao projeto, com experiências e áreas de saber diferentes.

O objetivo dos três arquitetos passa por juntar pessoas de todo o lado porque consideram “que há certas discussões que têm que ser feitas.” Sobretudo, de uma perspetiva internacionalista pela qual é possível, segundo Margarida, relativizar alguns problemas e soluções.

“Se não conseguirmos aprender com os outros, estamos a ser totós”

Levantar os problemas da cidade não é suficiente e não é o mais difícil para Gui. “O complicado é as pessoas entrarem na discussão, pensarem bem nela, em todas as possibilidades, os prós e contras, e depois apostarem numa proposta. Seja a que nível for. Seja na questão da habitação no Porto, seja na questão do que fazer com as fábricas.”

A “pior agência de passeios do mundo” procura, com os seus percursos, chegar aos problemas e encontrar soluções possíveis. Por esse motivo, Margarida, Isabel e Pedro tentam aprender com as experiências de outras cidades. “Parece-nos muito parvo termos Barcelona que passou pelos problemas que passou, Veneza que está a passar os problemas que está a passar, Paris, Londres, e nós, no Porto, cometermos os mesmos erros. Se nós não conseguimos aprender com as experiências de outros sítios, aí sim, estamos a ser totós.”

Quanto ao futuro, Margarida defende que o turismo deve começar a ser pensado como parte integrante do Porto para, assim, se atenuarem alguns desequilíbrios.

Se daqui a 10 anos, os edifícios renovados tiverem o único fim de se tornarem hotéis, a cidade pode perder o seu “coolness factor”. “Há um lado de: Oh meu deus, já foste ao Porto? O Porto é espetacular. Mas já o era quando os edifícios estavam degradados. Este lado pode manter-se se houver um cuidado com a população, com os equilíbrios delicados das associações. E é nisto que o turismo tem que pensar. Pensar mais à frente.”

Admite que é complicado, mas acredita, também, que há espaço para haver uma visão própria. “Acho que o Porto ganha se começar a apostar noutras atividades e se começar a repensar nestas experiências todas e a forma como está a acontecer a nível europeu”.

Artigo editado por Filipa Silva