À frente da casa nº492 na Rua de Cedofeita, um grupo de pessoas interrogava-se do que se passava no seu interior. AsSALTO, um projeto de investigação da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto (FAUP), realizou esta quarta-feira a terceira atividade. Depois de “assaltarem” edifícios na Rua Sá da Bandeira e na Rua Miguel Bombarda, a visita aconteceu numa casa burguesa — que foi propriedade do bisavô de Jorge Nuno Pinto da Costa, presidente do Futebol Clube do Porto.

Ainda antes de entrar, alguns visitantes faziam perguntas a Carlos Machado e Moura, um dos responsáveis pela atividade que pretende dar a conhecer o património desconhecido do Porto. “Mas eles não moravam do outro lado da rua?” pergunta uma senhora acerca da família de Pinto da Costa. “Sim, aquela casa também lhes pertencia”, explica o arquiteto. Enquanto respondia às dúvidas de quem entrava ou saía do edifício, Carlos Machado e Moura perguntava aos convidados: “Vieram assaltar?”

Já dentro de portas, a degradação das várias divisões lançava o aviso de que era necessário andar com pés de lã. Não estivesse a casa desabitada há vários anos. Na cave, fosse pela luz insuficiente ou pelo medo de encontrar a próxima teia de aranha, a surpresa fazia-se a cada repartição. Os passos dos visitantes nos andares superiores ouviam-se com precisão. Mas lá em baixo, a atenção mantinha-se nos pormenores físicos e não sonoros. A lanterna do telemóvel dava uma ajuda.

Uma sala com um cofre, uma despensa com móveis, um sofá muito estragado ou caixotes com azulejos eram os elementos que saltavam à vista no “subsolo”. Enquanto um casal e um grupo de amigos davam uma vista rápida à cave, outros demoravam-se a desenhar cada compartimento.

O projeto AsSALTO incentiva todos os visitantes a desenhar ou a escrever sobre a visita. “O objetivo desta iniciativa passa por sensibilizar as pessoas a olharem mais para os pormenores, com o tempo que eles merecem”, explica Carlos Machado e Moura. Mais tarde, os conteúdos serão disponibilizados num livro.

“Um testemunho do modo de vida burguês” numa casa desahabitada

Já no andar de cima, as pessoas (mais descontraídas) não aparentavam ter receio do que encontrar a cada virar de esquina ou parede. As dezenas de salas amplas com paredes de tons azulados contrastavam com a decoração castanha dos elementos decorativos. Ao lado, o elevador parecia intocável, tal como no final do século XIX, apenas com mais pó. “É um testemunho do modo de vida burguês”, afirma o responsável. O edifício de três andares conta com dois tipos de lances de escadas: uma para os donos da casa e outra para os criados.

O passeio pelo primeiro andar não terminava sem espreitar o jardim da casa: um terraço amplo, com vegetação e uma espécie de estufa, onde dois painéis de azulejos se encontravam quase intactos. Não fossem os atos de vandalismo de um deles e o estrago passaria despercebido.

Segundo Carlos Machado e Moura, a habitação terá sido vendida há pouco tempo. Porém, durante vários anos, os estragos acumularam-se: tetos esburacados, vidros partidos e garrafas vazias de álcool.

A riqueza da decoração e as indicações em algumas portas davam a pista de ali ter residido uma família abastada. Várias salas pareciam estar dedicadas ao ensino da música e das mais diversas artes. “A casa foi reconstruída em 1910 por Eduardo Honório de Lima para a filha e o genro”, avança o arquiteto. “Era um grande mecenas da cidade do Porto. Para além de ser um colecionador de arte, ajudou na recuperação do Teatro Nacional São João, depois de um incêndio em 1908”.

Foram vários os comentários perante a imponência e a degradação simultâneas da habitação do burguês brasileiro, que se fixou no Porto. “Isto está um matagal”, comentou um senhor com a esposa. “É uma pena não manterem isto”, debatiam dois amigos. Outros visitantes faziam da visita uma lembrança dos tempos de infância. “Em frente, vivia a baronesa do Seixo. Mas eu conhecia melhor esta casa. Às vezes, vinha buscar água ao poço daqui”, explicou uma senhora, de 67 anos.

Em breve, o edifício será reabilitado, para dar lugar a apartamentos dedicados ao arrendamento de curta duração a turistas. Um dos cartões de visita para um local fazer parte do AsSALTO é serem “edifícios que não tenham sido transformados, mas que estejam na iminência de o ser”, refere Carlos Machado e Moura. Para o arquiteto, algumas demolições que estão a acontecer na cidade são justificadas, já outras “eliminam uma série de valores com interesse patrimonial”.

O próximo “assalto” acontece a 13 de fevereiro nos Armazéns Cunha, na Praça dos Leões.