Os relatos de precariedade relativamente à contratação a termo de bolseiros de investigação motivou ações de protesto de sindicatos e instituições académicas. A aparente ineficácia do decreto-lei nº57/2016 levou o PCP, o BE e o CDS-PP a chamarem o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, ao Parlamento. As propostas de alteração foram admitidas pelo ministro. “Aceitamos clarificar”, afirmou na reunião plenária.
No verão do ano passado, os bolseiros de investigação receberam uma lufada de ar fresco do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. O decreto-lei nº57/2016 prevê a contratação a termo de doutorados — que permite aos investigadores passarem das bolsas de investigação da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) para uma posição mais justa e segura no mercado de trabalho. Os direitos sociais e a possibilidade de prosseguirem carreira na área da investigação figura entre as principais vantagens do decreto-lei.
Porém, a precariedade associada à medida como os salários baixos – os valores podem ser mesmo inferiores à bolsa de investigação — e a seleção de doutorados através de concurso levou a que nesta quarta-feira, Manuel Heitor, ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior fosse chamado ao Parlamento, pelo Bloco de Esquerda, Partido Comunista e CDS-PP.
Tanto o Partido Comunista como o Bloco de Esquerda, parceiros da maioria parlamentar no Governo, admitiram que o decreto-lei não respondia a muitos dos problemas da investigação académica. Ambos os partidos apresentaram uma apreciação parlamentar na reunião plenária.
O PCP representado pela deputada Ana Mesquita afirmou que “o atual decreto-lei não responde ao necessário”. Segundo o partido, a precariedade do emprego científico servirá para agravar a instabilidade, gerada pelo sistema de bolsas de investigação, no desenvolvimento do país. Na apreciação parlamentar, os comunistas dizem ainda que o decreto-lei é “um universo de aplicação muito limitado, não estando assegurados mecanismos de transição a não ser para os doutorados com bolsas financiadas diretamente pela FCT há mais de três anos”.
Do lado do Bloco de Esquerda, Luís Monteiro defendeu que o regime de contratação em voga pelo Governo não contempla a “lógica de combate à precariedade” incluída no acordo entre o partido e o PS. O deputado saudou os sindicatos e as associações académicas presentes nas galerias do Parlamento, para logo de seguida, afirmar que o decreto-lei “foi um passo importante” no emprego científico que o Governo não quis dar.
O partido de esquerda contrapõe o avanço registado na área da investigação com a instabilidade da própria medida. “As tabelas [de valores] foram alteradas quatro vezes desde dezembro”, disse. E acrescentou que “os bolseiros podem ficar a ganhar mais” do que os próprios contratados.
Manuel Heitor: “Clarifique-se tudo”
O CDS-PP pela voz de Ana Rita Bessa foi o único partido a apresentar um projeto-lei de alteração do decreto. A deputada afirmou que a medida ficou aquém do desejado: a obrigatoriedade da abertura de concurso nos contratos a termo leva a que as instituições contratem os mais qualificados, deixando os outros bolseiros sem lugar no regime de contratação. “Este decreto não resultou no desejável consenso”, defendeu.
O partido da oposição propõe o aumento do período transitório para três anos, ao invés de apenas um. No decreto-lei, as instituições tinham a possibilidade de transformar os bolseiros de investigação em contratados durante um ano, o que segundo o CDS-PP não é exequível.
A Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) tem feito chegar as suas queixas aos partidos com assento parlamentar e ao Ministério do Ensino Superior: o decreto-lei do regime de contratação deixa alguns investigadores de fora, nomeadamente os atuais bolseiros da Gestão de Ciência e Tecnologia.
A associação considera, segundo o seu comunicado, haver discriminação entre os doutorados, visto que nem todos estão a ter igual tratamento no acesso a um contrato de trabalho.
Há ainda relatos de investigadores que denunciam a pouca disponibilidade de algumas instituições em aderir ao decreto-lei.
O ministro do Ensino Superior admitiu todas as possíveis alterações, dizendo mesmo: “Clarifique-se tudo”. Manuel Heitor defendeu, relativamente à existência de concursos no regime de contratação, que “os contratos não deveriam ser impostos” nas instituições. Durante seis anos, os investigadores ficam a contrato, no final do mesmo poderão ou não ter acesso à carreira efetiva.
Do lado social-democrata, Nilza de Sena diz que o PSD não está em sintonia com o decreto-lei. “O Governo quer uma política de baixos salários para os investigadores”, referiu a deputada. O partido defendeu que os bolseiros perderam quase 40% do seu rendimento. “Em 2016, o Governo atribuiu zero bolsas de investigação, mas os senhores acham isto aceitável”.
Ainda antes, Porfírio Silva do Partido Socialista tinha denunciado a realidade na FCT, no anterior Governo, como um cenário “inaceitável, de pura precariedade na administração pública”.
As propostas de alteração seguem agora para a apreciação da Comissão de Educação e Ciência.