A saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit) marcou o ano de 2016 no plano internacional. A decisão nunca foi consensual, fora e dentro do país, porém o impacto da cultura britânica raramente é colocado em causa. A Casa da Música, no Porto, partiu desta unanimidade para escolher a Inglaterra como o tema da programação deste ano. Até domingo, o público está convidado a entrar no edifício, com acesso livre e gratuito.

Fora das paredes da Casa da Música, a presença dos “skaters” tornou-se comum nas imediações. Esta quinta-feira, centenas de pessoas – entre novos e velhos — subiam as escadas e dirigiam-se para o interior. Os dias abertos na Casa tornaram-se uma prática corrente desde 2007: a ação serve para iniciar a programação anual do país escolhido pela instituição.

A Inglaterra foi a eleita este ano. Entre algumas iniciativas de coros e orquestras, com a possibilidade de os visitantes assistirem a ensaios e a atuações, a presença de Harrison Birtwistle, compositor britânico, é das mais aguardadas. Rui Pereira, coordenador da programação clássica da Casa da Música, afirma que é um dos destaques na programação, já que “a atividade [do compositor] é abrangente e a presença nos concertos e no edifício irá ajudar os jovens e os outros compositores”.

A assistir e a usufruir das iniciativas, estarão portuenses, mas também estrangeiros. “Temos um perfil internacional na nossa programação. Há pessoas muito interessadas no edifício porque é um ícone arquitetónico, mas há quem venha para ouvir música – que é razão de existência do edifício”, diz Rui Pereira. Os números crescentes de turismo do Porto têm ajudado a instituição a receber pessoas de várias partes do mundo.

Se a Casa da Música se faz de melodias, a arquitetura leva (quase sempre) o primeiro pódio no lugar das atrações. Talvez por isso, durante os quatro dias abertos, as visitas guiadas sejam das atividades mais concorridas. Perante um grupo de estrangeiros, uma funcionária da instituição descreve em inglês os pormenores decorativos e as curiosidades e histórias da sala de concertos da Boavista. À porta da Sala Suggia, dá o aviso: “Também há visitas em português”.

As visitas, habitualmente pagas durante o ano, são de acesso gratuito até domingo. As palavras revelam-se importantes para conhecer a História da Casa da Música, mas há quem esteja mais preocupado em registar o momento no telemóvel. “Não têm perguntas? Então vou deixar-vos uns minutos cá dentro para tirarem fotografias”, diz a funcionária.

No piso de cima, a voz das descrições era abafada pelas cantorias dos mais jovens de um coro infantil de uma escola básica. O público, maioritariamente constituído por pais e avós orgulhosos, esforçava-se em bicos de pé para ouvir e ver as atuações. Além do coro residente da Casa da Música, formado por adultos, “pode estar a caminho um coro infantojuvenil”, garantiu a guia na visita guiada.

Por estes dias, entrar na Casa da Música pode assemelhar-se a uma viagem a Londres. Algumas instalações, incluindo uma cabine telefónica vermelha, captam a atenção dos visitantes. Especialmente quando o telefone toca. No vidro da cabine, a instituição lança o aviso de que o público pode atender a chamada. Ao sortudo será dedicada uma canção, não fosse esta a casa da arte musical.

A arte de fazer violinos a tempo inteiro

Seguir os passos de alguns violinistas por estes dias pode resultar num caminho fácil e previsível: o posto de trabalho improvisado da família Capela. Muito perto da receção, António Capela e António Joaquim Capela, pai e filho respetivamente, consertam e constroem algumas partes de violinos. Ambos são luthiers, ou seja, profissionais que consertam e fabricam instrumentos de corda. Esta quinta-feira, apenas o filho está a satisfazer a curiosidade dos leigos e as ânsias dos músicos. “Tinha de ficar alguém na oficina”, justifica assim a ausência do pai.

Há 34 anos, depois de terminar o liceu, António Joaquim Capela decidiu seguir as pisadas do progenitor. Hoje, é um luthier a tempo inteiro e apesar de gabar o ofício, é realista nas dificuldades: “É preciso trabalhar e treinar muito. Não é a fazer um ou mais violinos que se fica rico”.

O arranjo de violinos não é uma atividade muito conhecida em Portugal, muito embora o clã Capela tenha clientes espalhados pelo país e mundo – a atividade começou em 1924 com o avô de António Joaquim Capela. “Na nossa própria cidade [Espinho], não sabem muito bem o que fazemos”, diz.

Tanto pai como filho tentaram criar nome além-fronteiras, numa forma de rentabilizar o negócio e a sua própria aprendizagem. Além de participarem em concursos por toda a Europa, os Estados Unidos da América foram um dos locais onde tiveram formação.

No entanto, não se pense que lá fora é que se constroem violinos com mais qualidade. “Eles [norte-americanos] gostam mais de disfarçar, não fazem violinos novos. A aparência é nova, mas tem um bocado de ‘make-up’. Dão-lhes um aspeto mais antigo para enganar o olho”, garante o luthier.

Já os músicos e os colecionadores, ainda que garantam a sustentabilidade do negócio, pode ser uma dor de cabeça. “É preciso ter paciência para ‘aturar’ os artistas, têm as suas manias como qualquer pessoa e nós temos de dizer sim a quase tudo”.

Quanto à construção de um violino em quatro dias, comentada entre várias pessoas na Casa da Música, António Joaquim Capela afirma que não será possível. “Fazer um violino tem muitas fases, o diferente tipo de colagens, por exemplo. E nós passamos o tempo mais a falar com os visitantes do que a trabalhar”, confessa entre risos.

A Casa da Música receberá ainda uma conferência sobre o impacto do Brexit na vida musical britânica no sábado. Entre os oradores estão Nicholas Kenyon, diretor do Barbican Centre (centro de arte de Londres) e Cathy Graham, diretora de música do British Council em Londres. A moderação estará a cargo do musicólogo Tom Service. A entrada em todas as atividades é livre e gratuita.