27 de janeiro de 1945. O dia haveria de ficar marcado na História mundial pela libertação de cerca de 8 mil prisoneiros da rede de campos de concentração de Auschwitz, no sul da Polónia. Esta sexta-feira, assinala-se o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. O JPN entrevistou o rabino Daniel Litvak, da Sinagoga Kadoorie-Mekor Haim no Porto, e o escritor Richard Zimler, cujos romances têm (regularmente) a comunidade judaica portuguesa como inspiração.

O Holocausto permanece na memória coletiva da sociedade civil, porém a preservação do acontecimento histórico é atualmente encarada de diferentes formas – algumas muito controversas. As visitas a memoriais ou a campos de concentração têm sido alvo de críticas, devido aos comportamentos tidos como inadequados de muitos turistas nestes locais.

Recentemente, o projeto “Yolocaust” do artista israelita Shahak Shapira ridicularizou os visitantes que tiram fotografias sorridentes ou selfies nos monumentos evocativos do Holocausto. Daniel Litvak confessa por email ao JPN – não se encontra em Portugal por estes dias – que desconhecia o projeto, mas admite “que é louvável”. O rabino da sinagoga do Porto acredita que as atitudes dos visitantes, quer sejam judeus ou não, deveriam ser de “circunspeção e seriedade”.

Richard Zimler acredita que a situação não é generalizada: “Trata-se de uma minoria de pessoas que tem atitudes grosseiras e desrespeitosas”. Apesar de admitir a opinião, de que o entusiasmo dos visitantes nos campos de concentração ou memoriais pode mostrar o regresso da esperança a lugares tão sombrios, o escritor continua a não se rever nos comportamentos. “Todos sabemos como nos devemos comportar nestes lugares”, afirma.

Um dos trabalhos de Richard Zimler, “O último Cabalista de Lisboa”, reeditado este ano, centra-se na comunidade judaica em Portugal – como vem sendo hábito nas suas obras. O leitor viaja até 1506, ano em que dois mil cristãos-novos (judeus convertidos ao cristianismo) foram executados no Rossio.

A morte de duas personagens, cujos corpos foram encontrados na cave de uma casa, leva o protagonista Berequias a tentar descobrir os mistérios por detrás de uma sinagoga escondida e a identidade do homicida.

O escritor acredita que as novas formas de olhar para o Holocausto não significam que o acontecimento esteja a ser esquecido. A possível perda do significado do evento histórico para as gerações mais novas, no seio da comunidade judaica, é desmentida também pelo rabino. “É da nossa responsabilidade preservar a memória do Holocausto porque somos o eco de mais de seis milhões de pessoas que não puderam manifestar-se”, explica.

Daniel Litvak acrescenta ainda que “em cada assassinato não se mata apenas o assassinado, mata-se também todos aqueles que poderiam estar no lugar dele”. Muitos antepassados das gerações atuais de judeus, que foram perseguidos ou sobreviveram ao Holocausto, estão invariavelmente a envelhecer ou já faleceram. Para o rabino, a comunidade judaica não fará desaparecer a memória do Holocausto nem de outras perseguições de que os judeus foram alvo.

“Portugal tinha uma comunidade judaica grande”

A pequena representatividade de judeus na sociedade portuguesa deve-se também às centenas de perseguições feitas em Portugal. “Antes da conversão dos cristãos-novos em 1497 e da morte de muitos deles pela Inquisição, 5 a 10% da população portuguesa era judaica. Tínhamos uma comunidade grande”, salienta Richard Zimler.

A permanente associação do Holocausto à comunidade judaica leva a crer que as pessoas, de credos diferentes, podem ter uma visão muito redutora da religião. “Há ainda muita ignorância relativamente ao judaísmo e em Portugal isso é muito particular. Tem-se falta de curiosidade e de conhecimento”, afirma o escritor. Conhece-se o Holocausto e pouco mais.

Já Daniel Litvak refere que cabe a cada um decidir se quer saber mais sobre a comunidade judaica ou não. “O judaísmo não é missionário ou proselitismo, quem quer aprender tem todas as ferramentas para o fazer”.

Se o distanciamento (religioso ou pessoal) pode ser a razão para uma ligação menos emocional com o evento histórico, tal não justifica que o Dia Internacional em Memórias das Vítimas do Holocausto seja ignorado ou até descartado de comemorações. “A memória do Holocausto não pertence só aos judeus. Foram mortos milhões de judeus, 500 mil ciganos e milhares de comunistas e anarquistas. Qualquer ser humano que tenha compaixão saberá que o Holocausto é tão significativo, que faz parte de todos”, diz Richard Zimler.

Esta quinta-feira, a Assembleia da República realizou uma cerimónia de evocação da memória do Holocausto, com a inauguração da exposição “Deportados portugueses na II Guerra Mundial – do internamento em França aos campos de concentração nazis”, patente até 3 de fevereiro.